A fisioterapeuta paulista Luiza Tacconelli, 26,
sofreu uma trombose após uso de anticoncepcional. A foto é de 2010,
quando ela estava internada no hospital
Quando tinha 26 anos, a fisioterapeuta paulista Luiza Tacconelli, hoje
com 30, começou a sentir fortes dores de cabeça, que não passavam com
analgésicos. Ela não fumava, nem tinha histórico familiar de trombose.
"Em um primeiro momento, pensei que era um problema na vista e procurei
um oftalmologista. Fui a outro médico que me falou que era estresse.
Ninguém nunca questionou se o anticoncepcional que eu tomava desde os 13
anos de idade era a causa do meu problema", disse.
Em fevereiro de 2010, no entanto, as dores de cabeça aumentaram e Luiza
resolveu procurar um pronto socorro. "A médica me deu um remédio para
dor e me aconselhou a procurar um neurologista, que suspeitou de
meningite viral. Cheguei a ficar internada uma semana com diagnóstico de
meningite. Só depois que tive duas convulsões que eles tiveram a ideia
de pedir uma ressonância e uma tomografia e viram que eu tinha tido uma
trombose. Eu fiz exame de trombofilia e deu negativo", contou
Luiza passou quase um mês internada, desenvolveu estrabismo e visão
dupla. "Fiz tratamento com anticoagulante durante um ano e fiquei com
sequela na minha visão. Vou ter que tomar remédio contra convulsão por
toda a minha vida", diz. Casada, ela usa camisinha e método de tabela
para prevenir a gravidez.
O uso de anticoncepcional resultou em um quadro de embolia pulmonar na
administradora de empresa Simone Vasconcelos Fator, 34, que mora em São
Paulo. Em julho do ano passado, ela foi internada com o problema, após
tomar o anticoncepcional durante três meses. "Os médicos me falaram que
eu tive a reação por causa do anticoncepcional, porque eu não tenho
problemas de saúde nem histórico familiar. Além disso, tenho dois
filhos, não tive trombose na gravidez, nem no pós-parto. Fiz o exame e
eu não tenho trombofilia", contou.
Após passar dois dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), Simone viu
o vídeo que outra vítima da pílula anticoncepcional fez. Carla Simone
Castro teve trombose venosa cerebral após o uso da pílula Yasmin. Simone
entrou em contato com ela através das redes sociais. "Assim como a
Carla, também fiz um vídeo para alertar as mulheres sobre os riscos e
recebi muitas mensagens no meu Facebook de mulheres que haviam passado
pelo mesmo que eu, foi assim que surgiu a ideia criar uma página
[Vítimas de anticoncepcionais. Unidas a favor da vida] para reunir os
casos, concentrar as informações. E até hoje não paramos de receber
depoimentos de pessoas que sofreram algum tipo de problema relacionado
ao uso do anticoncepcional", afirma
Para médicos, casos são exceções
A presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da
Febrasgo (Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e
Obstetrícia), Marta Franco Finotti afirma que esses eventos precisam ser
vistos com cautela, porque há outros fatores, que não são genéticos,
que predispõem a mulher a ter um evento tromboembólico. "Ao envelhecer, o
risco de a mulher ter trombose aumenta. Mulheres obesas, que fumam, são
sedentárias, diabéticas, que costumam fazer viagens prolongadas, também
têm esse risco aumentado. Não é só o uso dos anticoncepcionais",
afirma.
As bulas desses medicamentos precisam trazer obrigatoriamente
informações sobre os efeitos adversos que os anticoncepcionais podem
provocar, o que inclui eventos tromboembólicos. "É um risco que a
paciente tem e é obrigação do médico informar sobre ele na consulta
inicial. O ginecologista precisa ver o histórico pessoal e familiar
para, assim, indicar o melhor método contraceptivo, pois há muitos",
acrescentou.
Estima-se que o uso de anticoncepcionais aumente em até quatro vezes o
risco de desenvolver um evento tromboembólico. "Mas a gravidez e o
pós-parto também aumentam muito esse risco. Há um aumento de até 15
vezes no risco durante a gravidez e no pós-parto. A menina que fica com
medo e para de tomar, o risco de ela ter uma trombose durante a gravidez
é muito maior do que usando qualquer anticoncepcional", acrescentou
Marta Franco Finotti. Ainda de acordo com ela, o risco diminui
consideravelmente após um ano de uso do medicamento.
O ginecologista que atua nos hospitais Albert Einstein e São Luiz José
Bento afirma que essas complicações são raras. "Isso é muito raro. Em 30
anos de profissão, prescrevo muito anticoncepcional e nunca vi, nunca
conheci alguma paciente que sofreu uma reação adversa grave por causa de
pílula. Pode acontecer? Pode. É a mesma coisa de andar no automóvel. A
gente respeita as leis de trânsito, toma cuidados, mesmo assim pode
bater o carro e morrer", comparou.
Além disso, Bento afirma que os anticoncepcionais podem trazer inúmeros
benefícios para a saúde da mulher. "Tem muitas pesquisas que mostram
diminuição em incidência de câncer de mama nas mulheres que tomam
pílula. Isso ainda é uma incógnita, mas já se sabe que o
anticoncepcional diminui câncer de ovário, incidência de endometriose,
protege a paciente de desenvolver cistos no ovário, previne alguns tipos
de infecção, preserva a fertilidade", apontou.
A cabelereira Lydyany Furbino Palladino, 38, perdeu uma das pernas no
ano passado após sofrer uma trombose. Ela conta que começou a tomar o
anticoncepcional com 16 anos e a fumar aos 17 anos. "Eu sempre fumei e
sempre comprei o anticoncepcional com prescrição médica, mas o médico
nunca me perguntou se eu fumava, nem se eu tinha histórico de trombose e
hipertensão na família. A minha mãe é hipertensa", conta.
Lydyany mora em Coronel Fabriciano, no interior de Minas Gerais, mas
estava em São Paulo no dia 20 de abril do ano passado quando começou a
sentir fortes dores no pé. "Fui ao hospital e já fiquei internada. Tive
uma trombose e acabei perdendo a perna. Isso mudou a minha vida, estou
afastada do trabalho, tomo antidepressivo e vou ter que tomar
anticoagulantes a vida inteira. Foi um baque para a minha filha de cinco
anos, que fica me perguntando se eu vou viver assim a vida inteira",
desabafou.
Orientação da Anvisa
Um informe publicado em dezembro de 2014 pela Anvisa reforçou a
determinação da OMS de que é responsabilidade do profissional de saúde
informar sobre e avaliar os riscos associados ao uso de contraceptivos
orais.
O documento ressalta ainda as diferenças que existem entre os
contraceptivos orais quanto ao risco de ocorrência de eventos
tromboembólicos, afirmando que eles dependem do tipo de progestágeno
contido na formulação. Os dados disponíveis atualmente indicam que
contraceptivos orais combinados contendo levonorgestrel, noretisterona
ou norgestimato apresentam o menor risco de eventos tromboembólicos
venosos.
O documento alerta ainda que "mulheres que não possuem histórico
familiar ou individual de eventos tromboembólicos venosos podem vir a
apresentá-los após a utilização do medicamento".
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