sexta-feira, 8 de maio de 2015

Sínodo. A proposta de uma “terceira via”


Inflexível contra o divórcio, misericordiosa com os pecadores. Ela é sugerida por um teólogo suíço. É uma nova forma do sacramento da penitência, inspirada no exemplo da Igreja antiga.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada por Chiesa, 01-05-2015. A tradução é de André Langer.
Chegaram a Roma, do mundo inteiro, as respostas ao questionário preparatório à segunda e última sessão do Sínodo sobre a Família, programado para 04 a 25 de outubro.
Uma impressão amplamente difundida – às vezes de maneira interessada – é que a discussão pré-sinodal está polarizada entre duas posições extremas: de um lado estão aqueles que desejariam introduzir mudanças radicais na doutrina e na prática do casamento, permitindo a dissolução do vínculo e as segundas núpcias; de outro, aqueles que se mantêm firmes em castigar com a ex-comunhão de fato aqueles que violam o dogma da indissolubilidade.
O Papa Francisco, ao encerrar a precedente sessão do sínodo, manifestou-se com palavras duras contra ambos os extremismos.
Seu desejo, já muito claro, é efetivamente que a Igreja encontre e percorra uma “terceira via”, que seja muito fiel ao mandamento de Jesus sobre o matrimônio e, ao mesmo tempo, afetuosa para com quem o violou.
O texto abaixo é o extrato de um ensaio teológico que se propõe a apresentar, precisamente, uma possível “terceira via”.
Seu autor é o teólogo dominicano Thomas Michelet, professor na Faculdade de Teologia de Friburgo, na Suíça.
O Pe. Michelet publicou este ensaio na prestigiosa revista Nova & Vetera, fundada em 1926 pelo insigne teólogo tomista Charles Journet, nomeado cardeal por Paulo VI em 1965, e dirigida sucessivamente por outro teólogo e cardeal, Georges Cottier, ambos suíços e dominicanos. Desde 2002, a Nova & Vetera tem também uma edição em língua inglesa, produzida e editada nos Estados Unidos.
A proposta do Pe. Michelet é instituir um “ordo paenitentium” para quem se encontra em uma condição persistente de não conformidade com a lei de Deus e empreende um caminho de conversão que pode durar muitos anos, ou mesmo a vida toda, mas sempre em um contexto eclesial, litúrgico e sacramental que acompanha sua “peregrinação”.
O modelo desta ordem dos penitentes é o sacramento da penitência na Igreja antiga, com uma forma renovada. Embora estejam impossibilitados de receber a comunhão eucarística, os penitentes não estariam excluídos da vida sacramental porque este caminho de conversão seria, em si, sacramento e fonte de graça.
Na sequência, reproduzimos a parte central do ensaio do Pe. Michelet, que é muito mais amplo e dedica páginas muito interessantes a duas questões que também foram debatidas na sessão anterior do sínodo: a lei da gradualidade e a comunhão espiritual.
A revista Nova & Vetera colocou à disposição de todos o texto na íntegra do ensaio, em francês.
Devemos desejar – como pediu o Papa Francisco – que propostas e reflexões como esta se convertam no pão de cada dia do debate antes e durante o sínodo, em contraposição a quem já procede e age como se tudo já tivesse sido resolvido de fato e a comunhão aos divorciados recasados já fosse um direito adquirido.
É o que está acontecendo na Alemanha, por exemplo. E as recentes declarações do cardeal Reinhard Marx corroboram este comportamento: “Não podemos esperar até que um sínodo nos diga como devemos nos comportar aqui sobre o matrimônio e a pastoral familiar”.
Mas podemos citar também a precipitada conclusão “erga omnes” a que chegou o teólogo Basilio Petrà diante do simples fato de que no consistório de fevereiro de 2014 o cardeal Walter Kasper se expressasse – com o aval do Papa – contra o fato de que os divorciados recasados sejam excluídos da comunhão.
De fato, segundo Petrà, a partir de fevereiro de 2014 “as coisas mudaram”.
E mudaram – disse – porque com o relatório Kasper “o magistério situou de fato na área da dúvida” o que até agora era uma proibição indiscutível.
Com a consequência de que agora “um confessor pode serenamente considerar duvidosa a norma que cria a exclusão e, por conseguinte, pode absolver e admitir à comunhão os divorciados recasados nas condições habituais”, sem mesmo esperar o consentimento de seu bispo, que “não é necessário”.
A tese de Petrà – que além de ser autor de referência da revista La Civiltà Cattolica é especialista em teologia oriental e admirador da prática bizantina que admite as segundas núpcias – foi publicada com grande destaque no último número da prestigiosa revista Il Regno, editada pelos religiosos dehonianos de Bolonha.

Sínodo sobre a Família: a via do “ordo paenitentium”, de Thomas Michelet O.P.

A verdadeira dificuldade para os divorciados recasados não é a comunhão eucarística, mas a absolvição. [...] Se não é possível dar-lhes o sacramento da penitência, isto é devido tanto ao impedimento que se encontra neles como às condições atuais do sacramento, o qual supõe que para ter acesso a ele a pessoa tem que estar disposta a receber a absolvição e a cumprir os três atos do penitente: o arrependimento (contrição), a admissão do próprio pecado (confissão) e a reparação do mesmo (satisfação), com a firme vontade – se ainda não a fizeram – de separar-se dele, de não repeti-lo e de fazer penitência.
Estes elementos, ao ser objeto de definições conciliares, são por si intangíveis, mas a ordem na qual ocorrem não o é, pois foi só a partir do ano 1000, aproximadamente, que a penitência começou a seguir habitualmente a absolvição como um efeito do sacramento com a finalidade da reparação, ao passo que a penitência antiga era a premissa, certamente como pena reparadora, mas também como predisposição à contrição.
Além disso, a forma ordinária do sacramento converteu-se em algo, digamos, “instantâneo”, ao agrupar todos estes elementos em um ato ritual único e breve, ao passo que a penitência antiga se estendia ao longo de muitos anos e comportava diversas fases litúrgicas, desde a entrada na ordem dos penitentes até a reconciliação final.
Pois bem, este é precisamente o caso dos divorciados recasados e, de maneira mais geral, de todos aqueles que têm dificuldade para se separar completamente do próprio pecado e que, por isso, necessitam um caminho que dure mais tempo.
Em sua forma atual, o sacramento da penitência já não pode integrar esta dimensão temporal e progressiva que era específica da penitência antiga, que ainda estava em uso na Idade Média e que nunca foi supressa. Sobre estes dois pontos, o regime da penitência teria, portanto, a possibilidade de enriquecer-se novamente – e seria bom que o fizesse porque é um elemento que verdadeiramente falta – integrando, além das formas sacramentais já previstas no ritual vigente, outra forma “extraordinária”, ao mesmo tempo nova e profundamente tradicional.
A história recente demonstra que para iniciar esta reforma bastaria um simples motu proprio; mas seria sem dúvida oportuno dedicar-lhe, sobretudo, uma assembleia do sínodo dos bispos, do mesmo modo que ao Sínodo sobre a Família de 1980 se seguiu, em 1983, um sobre a penitência.
Além da vantagem da duração, que era também sua debilidade na ausência de outras formas, a penitência antiga conferia um estatuto canônico e eclesial segundo um regime estabelecido pelos cânones dos concílios: daí seu nome, comum nessa época, de “penitência canônica”. [...]
Trata-se, sobretudo, de um sinal de proteção e de reconhecimento de um vínculo que permanece válido apesar de tudo. Efetivamente, o pecador segue sendo membro da Igreja; ela é feita para ele, porque a Igreja é santa embora formada por pecadores, para que estes recebam a santidade que ela recebe de seu esposo, Cristo. É necessário, portanto, repetir sem cessar que o divorciado recasado não está excomungado enquanto tal, embora esteja excluído der receber a comunhão eucarística. Mas entenderá melhor que faz verdadeiramente parte da Igreja se lhe puder anunciar de maneira oficial que tem seu lugar tradicional em um “ordo”, ao lado da ordem das virgens e da ordem das viúvas, da ordem dos catecúmenos e da ordem dos monges. E isto não é pouco: a experiência confirma que este simples reconhecimento de sua existência eclesial pode apaziguá-lo e remover um primeiro obstáculo para a reconciliação.
Mas há mais. O “ordo” [...] indica também uma finalidade e uma dinâmica. [...] Assim, os chamados “estados de perfeição” são antes, na realidade, “caminhos de aperfeiçoamento”. [...] Isto é algo ainda mais claro na ordem dos catecúmenos, que prepara de maneira transitória para receber os sacramentos da iniciação, do mesmo modo que a ordem dos penitentes prepara para a reconciliação.
Compreende-se que os dois itinerários tenham sido colocados em paralelo – a penitência como um “segundo batismo” ou “batismo das lágrimas” – e que ambos estejam presentes nas instituições litúrgicas da Quaresma às quais deram origem: a imposição das cinzas, jejum quaresmal e a reconciliação pública dos penitentes na noite da Quinta-Feira Santa, com o lava-pés; a acolhida oficial, as grandes catequeses batismais, os escrutínios e a iluminação dos catecúmenos durante a Vigília Pascal.
Em ambos os casos, uma mesma renúncia a Satanás e suas pompas, uma mesma luta contra o pecado até suas consequências, uma mesma salvação obtida graças à vitória final de Cristo sobre a cruz, recolhida no sangue do Cordeiro.
Daqui surge a proposta, formulada no sínodo de 1983, de se inspirar no novo ritual da iniciação cristã dos adultos para propor uma liturgia da acolhida e da reconciliação para as pessoas que retornam à Igreja depois de um tempo de afastamento, [...] fazendo uma espécie de restauração de uma instituição que remonta aos séculos III e IV e cuja utilidade foi se perdendo lentamente em regime de cristandade, mas que agora volta a ser necessária.
No entanto, não se trata de retomar algo de maneira idêntica. [...] Por exemplo, não é necessário em absoluto restabelecer o regime de penas da penitência antiga, cuja severidade provocou seu abandono. Por outro lado, a única pena que se impôs em todos os tempos e em todos os lugares para qualquer pecado público, e que subsiste ainda hoje, é a privação da eucaristia, que na realidade não é uma pena – embora possa ser vivida como tal –, mas uma impossibilidade inerente à coerência dos sacramentos.

Penitência sacramental

Admitamos que haja uma mudança importante na sucessão dos atos requeridos por parte do penitente que, em si mesma, não é intangível.
Na penitência antiga, antes de entrar no “ordo paenitentium”, era necessário ter cumprido com a condição de renunciar ao próprio pecado e ter posto fim à desordem pública provocada por ele. Na continuação, fazia-se penitência durante um certo tempo, que era estabelecido dependendo da gravidade da ofensa e a disposição interior do penitente. [...] Também o regime atual, como se viu, exige esta renúncia preliminar ao pecado, mas a penitência é transferida para depois do perdão.
No “ordo paenitentium” renovado se trataria de voltar ao regime precedente no que diz respeito à penitência, que voltaria a ser uma premissa para a reconciliação; isto já corresponde à prática, motivo pelo qual não deveria criar, por si, grandes dificuldades.
Ao contrário, já não se pediria a conversão total no início da penitência; seria antes seu fruto, a medida de sua duração e a condição do perdão. Com outras palavras, já não se esperaria estar totalmente convertido para fazer penitência, mas se faria penitência até o momento da conversão plena com a finalidade de obter esta conversão como uma graça do sacramento e, por conseguinte, para estar preparado para receber a reconciliação sacramental.
O regime desta penitência preliminar à reconciliação já foi estabelecido pelo magistério: os divorciados recasados (e todos os pecadores aos quais se refere o cânon 915) serão convidados “a escutar a Palavra de Deus, a frequentar o sacrifício da missa, a perseverar na oração, a intensificar as obras de caridade e as iniciativas da comunidade em favor da justiça, a educar os filhos na fé cristã, a cultivar o espírito e as obras de penitência para implorar deste modo, cotidianamente, a graça de Deus” (Familiais Consortio, n. 84). [...]
A única coisa que falta, simplesmente, é o reconhecimento de tudo o que corresponde a um “ordo”, a um regime canônico da penitência; e que esta penitência já seja sacramental, começando pelos atos do penitente, que proporcionam a matéria, até a palavra da absolvição que lhe dá a forma para constituir, então, o sacramento verdadeiro e próprio da penitência e da reconciliação.
Assim, se veria melhor que a penitência definida deste modo não está separada do sacramento enquanto simples condição preliminar, mas que é parte integrante do mesmo, inclusive muitos anos depois da reconciliação, pois constitui não apenas sua matéria, mas também um fruto antecipado: a graça do sacramento, tomando e sustentando esta penitência que é, ao mesmo tempo, externa e interna, transforma-a por último em contrição perfeita.
Deste modo, estes penitentes já não seriam considerados como excluídos do regime sacramental: ao contrário, entrariam, sabendo-o e desejando-o, neste grande sacramento da ressurreição que, pouco a pouco, transformaria estes “mortos” em “vivos”, para que tenham vida em abundância. [...]

Peregrinos da Aliança

Não nos enganemos: a penitência nunca teve boa fama e não atrai as massas. Mas não deveria converter-se jamais nesse comprimido amargo que desencoraja o enfermo ao ponto de fazer perder a esperança de cura.
O fato é que a penitência antiga se condenou a si mesma por causa de um regime exasperado que não estava vinculado à sua essência, em benefício de formas penitenciais mais acessíveis que a acabaram substituindo. Convém conservar esta dupla lição. Entre estas formas de substituição, a peregrinação penitencial teve seus dias de glória, a partir do século VI, como forma de penitência. [...]
Nas últimas décadas, a peregrinação voltou a ser atual. [...] Devemos prestar atenção ao fato de que em muitos casos é lugar de expressão de uma religiosidade que não é apenas popular, mas também “marginal” para um certo número de pessoas que já não encontram seu próprio lugar na Igreja e nas paróquias por causa da sua situação irregular no que diz respeito à fé ou aos costumes. Para eles é um lugar de vínculo alternativo e de comunhão informal não apenas com Deus, mas também com seus antepassados na fé, sobre cujas pegadas caminham. Com as cinzas e as palmas, faz parte também desses gestos religiosos que inclusive os maiores pecadores ou os afastados da Igreja podem continuar fazendo, razão pela qual sua popularidade não diminui.
Por todas estas razões, seria talvez oportuno apresentar o caminho penitencial de que se falou nestas páginas sobretudo como um caminho de peregrinação: o essencial não é chegar, mas partir e perseverar na justa direção, como ensina o primeiro salmo, que declara feliz o homem que percorre um caminho justo.
Esta é a condição do cristão, “homo viator”: porque esta é a condição escolhida por Cristo, mas é também a da Igreja. [...] Antes não era raro permanecer toda a vida na ordem dos penitentes; do mesmo modo, hoje há pecadores que permanecem prisioneiros de vínculos dos quais não conseguem se libertar, sem que se encontre uma verdadeira solução. Que possam ao menos fazer o que podem e que o Senhor os encontre na condição de quem caminha para a Jerusalém celeste.

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