[unisinos]
Inflexível contra o divórcio, misericordiosa com os pecadores. Ela é
sugerida por um teólogo suíço. É uma nova forma do sacramento da
penitência, inspirada no exemplo da Igreja antiga.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada por Chiesa, 01-05-2015. A tradução é de André Langer.
Chegaram a Roma, do mundo inteiro, as respostas ao questionário preparatório à segunda e última sessão do Sínodo sobre a Família, programado para 04 a 25 de outubro.
Uma impressão amplamente difundida – às vezes de maneira interessada –
é que a discussão pré-sinodal está polarizada entre duas posições
extremas: de um lado estão aqueles que desejariam introduzir mudanças
radicais na doutrina e na prática do casamento, permitindo a dissolução
do vínculo e as segundas núpcias; de outro, aqueles que se mantêm firmes
em castigar com a ex-comunhão de fato aqueles que violam o dogma da
indissolubilidade.
O Papa Francisco, ao encerrar a precedente sessão do sínodo, manifestou-se com palavras duras contra ambos os extremismos.
Seu desejo, já muito claro, é efetivamente que a Igreja encontre e
percorra uma “terceira via”, que seja muito fiel ao mandamento de Jesus
sobre o matrimônio e, ao mesmo tempo, afetuosa para com quem o violou.
O texto abaixo é o extrato de um ensaio teológico que se propõe a apresentar, precisamente, uma possível “terceira via”.
Seu autor é o teólogo dominicano Thomas Michelet, professor na Faculdade de Teologia de Friburgo, na Suíça.
O Pe. Michelet publicou este ensaio na prestigiosa revista Nova & Vetera, fundada em 1926 pelo insigne teólogo tomista Charles Journet, nomeado cardeal por Paulo VI em 1965, e dirigida sucessivamente por outro teólogo e cardeal, Georges Cottier, ambos suíços e dominicanos. Desde 2002, a Nova & Vetera tem também uma edição em língua inglesa, produzida e editada nos Estados Unidos.
A proposta do Pe. Michelet é instituir um “ordo
paenitentium” para quem se encontra em uma condição persistente de não
conformidade com a lei de Deus e empreende um caminho de conversão que
pode durar muitos anos, ou mesmo a vida toda, mas sempre em um contexto
eclesial, litúrgico e sacramental que acompanha sua “peregrinação”.
O modelo desta ordem dos penitentes é o sacramento da penitência na
Igreja antiga, com uma forma renovada. Embora estejam impossibilitados
de receber a comunhão eucarística, os penitentes não estariam excluídos
da vida sacramental porque este caminho de conversão seria, em si,
sacramento e fonte de graça.
Na sequência, reproduzimos a parte central do ensaio do Pe. Michelet,
que é muito mais amplo e dedica páginas muito interessantes a duas
questões que também foram debatidas na sessão anterior do sínodo: a lei
da gradualidade e a comunhão espiritual.
A revista Nova & Vetera colocou à disposição de todos o texto na íntegra do ensaio, em francês.
Devemos desejar – como pediu o Papa Francisco – que
propostas e reflexões como esta se convertam no pão de cada dia do
debate antes e durante o sínodo, em contraposição a quem já procede e
age como se tudo já tivesse sido resolvido de fato e a comunhão aos
divorciados recasados já fosse um direito adquirido.
É o que está acontecendo na Alemanha, por exemplo. E as recentes declarações do cardeal Reinhard Marx
corroboram este comportamento: “Não podemos esperar até que um sínodo
nos diga como devemos nos comportar aqui sobre o matrimônio e a pastoral
familiar”.
Mas podemos citar também a precipitada conclusão “erga omnes” a que chegou o teólogo Basilio Petrà diante do simples fato de que no consistório de fevereiro de 2014 o cardeal Walter Kasper se expressasse – com o aval do Papa – contra o fato de que os divorciados recasados sejam excluídos da comunhão.
De fato, segundo Petrà, a partir de fevereiro de 2014 “as coisas mudaram”.
E mudaram – disse – porque com o relatório Kasper “o magistério situou de fato na área da dúvida” o que até agora era uma proibição indiscutível.
Com a consequência de que agora “um confessor pode serenamente
considerar duvidosa a norma que cria a exclusão e, por conseguinte, pode
absolver e admitir à comunhão os divorciados recasados nas condições
habituais”, sem mesmo esperar o consentimento de seu bispo, que “não é
necessário”.
A tese de Petrà – que além de ser autor de referência da revista La Civiltà Cattolica
é especialista em teologia oriental e admirador da prática bizantina
que admite as segundas núpcias – foi publicada com grande destaque no
último número da prestigiosa revista Il Regno, editada pelos religiosos
dehonianos de Bolonha.
Sínodo sobre a Família: a via do “ordo paenitentium”, de Thomas Michelet O.P.
A verdadeira dificuldade para os divorciados recasados não é a
comunhão eucarística, mas a absolvição. [...] Se não é possível dar-lhes
o sacramento da penitência, isto é devido tanto ao impedimento que se
encontra neles como às condições atuais do sacramento, o qual supõe que
para ter acesso a ele a pessoa tem que estar disposta a receber a
absolvição e a cumprir os três atos do penitente: o arrependimento
(contrição), a admissão do próprio pecado (confissão) e a reparação do
mesmo (satisfação), com a firme vontade – se ainda não a fizeram – de
separar-se dele, de não repeti-lo e de fazer penitência.
Estes elementos, ao ser objeto de definições conciliares, são por si
intangíveis, mas a ordem na qual ocorrem não o é, pois foi só a partir
do ano 1000, aproximadamente, que a penitência começou a seguir
habitualmente a absolvição como um efeito do sacramento com a finalidade
da reparação, ao passo que a penitência antiga era a premissa,
certamente como pena reparadora, mas também como predisposição à
contrição.
Além disso, a forma ordinária do sacramento converteu-se em algo,
digamos, “instantâneo”, ao agrupar todos estes elementos em um ato
ritual único e breve, ao passo que a penitência antiga se estendia ao
longo de muitos anos e comportava diversas fases litúrgicas, desde a
entrada na ordem dos penitentes até a reconciliação final.
Pois bem, este é precisamente o caso dos divorciados recasados e, de
maneira mais geral, de todos aqueles que têm dificuldade para se separar
completamente do próprio pecado e que, por isso, necessitam um caminho
que dure mais tempo.
Em sua forma atual, o sacramento da penitência já não pode integrar
esta dimensão temporal e progressiva que era específica da penitência
antiga, que ainda estava em uso na Idade Média e que nunca foi supressa.
Sobre estes dois pontos, o regime da penitência teria, portanto, a
possibilidade de enriquecer-se novamente – e seria bom que o fizesse
porque é um elemento que verdadeiramente falta – integrando, além das
formas sacramentais já previstas no ritual vigente, outra forma
“extraordinária”, ao mesmo tempo nova e profundamente tradicional.
A história recente demonstra que para iniciar esta reforma bastaria
um simples motu proprio; mas seria sem dúvida oportuno dedicar-lhe,
sobretudo, uma assembleia do sínodo dos bispos, do mesmo modo que ao Sínodo sobre a Família de 1980 se seguiu, em 1983, um sobre a penitência.
Além da vantagem da duração, que era também sua debilidade na
ausência de outras formas, a penitência antiga conferia um estatuto
canônico e eclesial segundo um regime estabelecido pelos cânones dos
concílios: daí seu nome, comum nessa época, de “penitência canônica”.
[...]
Trata-se, sobretudo, de um sinal de proteção e de reconhecimento de
um vínculo que permanece válido apesar de tudo. Efetivamente, o pecador
segue sendo membro da Igreja; ela é feita para ele, porque a Igreja é
santa embora formada por pecadores, para que estes recebam a santidade
que ela recebe de seu esposo, Cristo. É necessário, portanto, repetir
sem cessar que o divorciado recasado não está excomungado enquanto tal,
embora esteja excluído der receber a comunhão eucarística. Mas entenderá
melhor que faz verdadeiramente parte da Igreja se lhe puder anunciar de
maneira oficial que tem seu lugar tradicional em um “ordo”, ao lado da
ordem das virgens e da ordem das viúvas, da ordem dos catecúmenos e da
ordem dos monges. E isto não é pouco: a experiência confirma que este
simples reconhecimento de sua existência eclesial pode apaziguá-lo e
remover um primeiro obstáculo para a reconciliação.
Mas há mais. O “ordo” [...] indica também uma finalidade e uma
dinâmica. [...] Assim, os chamados “estados de perfeição” são antes, na
realidade, “caminhos de aperfeiçoamento”. [...] Isto é algo ainda mais
claro na ordem dos catecúmenos, que prepara de maneira transitória para
receber os sacramentos da iniciação, do mesmo modo que a ordem dos
penitentes prepara para a reconciliação.
Compreende-se que os dois itinerários tenham sido colocados em
paralelo – a penitência como um “segundo batismo” ou “batismo das
lágrimas” – e que ambos estejam presentes nas instituições litúrgicas da
Quaresma às quais deram origem: a imposição das cinzas, jejum quaresmal
e a reconciliação pública dos penitentes na noite da Quinta-Feira
Santa, com o lava-pés; a acolhida oficial, as grandes catequeses
batismais, os escrutínios e a iluminação dos catecúmenos durante a
Vigília Pascal.
Em ambos os casos, uma mesma renúncia a Satanás e suas pompas, uma
mesma luta contra o pecado até suas consequências, uma mesma salvação
obtida graças à vitória final de Cristo sobre a cruz, recolhida no
sangue do Cordeiro.
Daqui surge a proposta, formulada no sínodo de 1983, de se inspirar
no novo ritual da iniciação cristã dos adultos para propor uma liturgia
da acolhida e da reconciliação para as pessoas que retornam à Igreja
depois de um tempo de afastamento, [...] fazendo uma espécie de
restauração de uma instituição que remonta aos séculos III e IV e cuja
utilidade foi se perdendo lentamente em regime de cristandade, mas que
agora volta a ser necessária.
No entanto, não se trata de retomar algo de maneira idêntica. [...]
Por exemplo, não é necessário em absoluto restabelecer o regime de penas
da penitência antiga, cuja severidade provocou seu abandono. Por outro
lado, a única pena que se impôs em todos os tempos e em todos os lugares
para qualquer pecado público, e que subsiste ainda hoje, é a privação
da eucaristia, que na realidade não é uma pena – embora possa ser vivida
como tal –, mas uma impossibilidade inerente à coerência dos
sacramentos.
Penitência sacramental
Admitamos que haja uma mudança importante na sucessão dos atos
requeridos por parte do penitente que, em si mesma, não é intangível.
Na penitência antiga, antes de entrar no “ordo paenitentium”, era
necessário ter cumprido com a condição de renunciar ao próprio pecado e
ter posto fim à desordem pública provocada por ele. Na continuação,
fazia-se penitência durante um certo tempo, que era estabelecido
dependendo da gravidade da ofensa e a disposição interior do penitente.
[...] Também o regime atual, como se viu, exige esta renúncia preliminar
ao pecado, mas a penitência é transferida para depois do perdão.
No “ordo paenitentium” renovado se trataria de voltar ao regime
precedente no que diz respeito à penitência, que voltaria a ser uma
premissa para a reconciliação; isto já corresponde à prática, motivo
pelo qual não deveria criar, por si, grandes dificuldades.
Ao contrário, já não se pediria a conversão total no início da
penitência; seria antes seu fruto, a medida de sua duração e a condição
do perdão. Com outras palavras, já não se esperaria estar totalmente
convertido para fazer penitência, mas se faria penitência até o momento
da conversão plena com a finalidade de obter esta conversão como uma
graça do sacramento e, por conseguinte, para estar preparado para
receber a reconciliação sacramental.
O regime desta penitência preliminar à reconciliação já foi
estabelecido pelo magistério: os divorciados recasados (e todos os
pecadores aos quais se refere o cânon 915) serão convidados “a escutar a
Palavra de Deus, a frequentar o sacrifício da missa, a perseverar na
oração, a intensificar as obras de caridade e as iniciativas da
comunidade em favor da justiça, a educar os filhos na fé cristã, a
cultivar o espírito e as obras de penitência para implorar deste modo,
cotidianamente, a graça de Deus” (Familiais Consortio, n. 84). [...]
A única coisa que falta, simplesmente, é o reconhecimento de tudo o
que corresponde a um “ordo”, a um regime canônico da penitência; e que
esta penitência já seja sacramental, começando pelos atos do penitente,
que proporcionam a matéria, até a palavra da absolvição que lhe dá a
forma para constituir, então, o sacramento verdadeiro e próprio da
penitência e da reconciliação.
Assim, se veria melhor que a penitência definida deste modo não está
separada do sacramento enquanto simples condição preliminar, mas que é
parte integrante do mesmo, inclusive muitos anos depois da
reconciliação, pois constitui não apenas sua matéria, mas também um
fruto antecipado: a graça do sacramento, tomando e sustentando esta
penitência que é, ao mesmo tempo, externa e interna, transforma-a por
último em contrição perfeita.
Deste modo, estes penitentes já não seriam considerados como
excluídos do regime sacramental: ao contrário, entrariam, sabendo-o e
desejando-o, neste grande sacramento da ressurreição que, pouco a pouco,
transformaria estes “mortos” em “vivos”, para que tenham vida em
abundância. [...]
Peregrinos da Aliança
Não nos enganemos: a penitência nunca teve boa fama e não atrai as
massas. Mas não deveria converter-se jamais nesse comprimido amargo que
desencoraja o enfermo ao ponto de fazer perder a esperança de cura.
O fato é que a penitência antiga se condenou a si mesma por causa de
um regime exasperado que não estava vinculado à sua essência, em
benefício de formas penitenciais mais acessíveis que a acabaram
substituindo. Convém conservar esta dupla lição. Entre estas formas de
substituição, a peregrinação penitencial teve seus dias de glória, a
partir do século VI, como forma de penitência. [...]
Nas últimas décadas, a peregrinação voltou a ser atual. [...] Devemos
prestar atenção ao fato de que em muitos casos é lugar de expressão de
uma religiosidade que não é apenas popular, mas também “marginal” para
um certo número de pessoas que já não encontram seu próprio lugar na
Igreja e nas paróquias por causa da sua situação irregular no que diz
respeito à fé ou aos costumes. Para eles é um lugar de vínculo
alternativo e de comunhão informal não apenas com Deus, mas também com
seus antepassados na fé, sobre cujas pegadas caminham. Com as cinzas e
as palmas, faz parte também desses gestos religiosos que inclusive os
maiores pecadores ou os afastados da Igreja podem continuar fazendo,
razão pela qual sua popularidade não diminui.
Por todas estas razões, seria talvez oportuno apresentar o caminho
penitencial de que se falou nestas páginas sobretudo como um caminho de
peregrinação: o essencial não é chegar, mas partir e perseverar na justa
direção, como ensina o primeiro salmo, que declara feliz o homem que
percorre um caminho justo.
Esta é a condição do cristão, “homo viator”: porque esta é a condição
escolhida por Cristo, mas é também a da Igreja. [...] Antes não era
raro permanecer toda a vida na ordem dos penitentes; do mesmo modo, hoje
há pecadores que permanecem prisioneiros de vínculos dos quais não
conseguem se libertar, sem que se encontre uma verdadeira solução. Que
possam ao menos fazer o que podem e que o Senhor os encontre na condição
de quem caminha para a Jerusalém celeste.
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