[domtotal]
A encíclica do Papa dedica-se à “casa comum” da qual cada um deve cuidar.
“A contínua aceleração das mudanças da humanidade e do
planeta se une hoje à intensificação dos ritmos de vida e de trabalho,
naquela que alguns chamam, em espanhol, “rapidación” (aceleração).
Embora a mudança faça parte da dinâmica dos sistemas complexos, a
velocidade que as ações humanas lhe impõem hoje contrasta com a natural
lentidão da evolução biológica. A isso se acrescenta o problema que os
objetivos desta veloz e constante mudança não são necessariamente
orientados ao bem comum e a um desenvolvimento humano, sustentável e
integral”, escreve o Papa Francisco no XVIII parágrafo de sua encíclica,
dedicada aos temas do ambiente, a “casa comum” da qual cada um deve
cuidar.
Da contaminação dos rejeitos ao superaquecimento global
“Existem formas de poluição que atingem cotidianamente as pessoas. A
exposição aos poluentes atmosféricos produz um amplo espectro de efeitos
sobre a saúde, em particular dos mais pobres [...]. A Terra, nossa
casa, parece transformar-se sempre mais num imenso depósito de
imundície. Em muitos lugares do planeta, os anciãos recordam com
nostalgia as paisagens de outros tempos, que agora aparecem submersos
por lixo [...]. Estes problemas estão intimamente ligados à cultura do
rejeito, que golpeia tanto os seres humanos excluídos quanto as coisas
que se transformam velozmente em lixo”.
“O clima é um bem comum, de todos e para todos. Esse, em nível
global, é um sistema complexo em relação com muitas condições essenciais
para a vida humana. Existe um consenso científico muito consistente que
indica que estamos em presença de um preocupante aquecimento do sistema
climático. [...] A humanidade é chamada a tomar consciência da
necessidade de modificações de estilos de vida, de produção e de
consumo, para combater este aquecimento ou, pelo menos, as causas
humanas que o produzem ou o acentuam. [...]. Se a tendência atual
continuar, este século poderia ser testemunha de mudanças climáticas
inauditas e de uma destruição sem precedentes dos ecossistemas, com
graves consequências para todos nós”.
As mudanças climáticas e os migrantes abandonados
“As mudanças climáticas são um problema global com graves implicações
ambientais, sociais, econômicas, distributivas e políticas, e
constituem um dos principais desafios atuais para a humanidade. Os
impactos mais pesados recairão provavelmente nas próximas décadas sobre
Países em via de desenvolvimento. Muitos pobres vivem em lugares
particularmente golpeados por fenômenos conexos ao aquecimento [...]. É
trágico o aumento dos migrantes que fogem da miséria agravada pela
degradação ambiental, os quais não são reconhecidos como refugiados nas
convenções internacionais e, portanto, carregam o peso da própria vida
abandonada sem nenhuma tutela normativa. Infelizmente há uma indiferença
generalizada diante destas tragédias, que acontecem atualmente em
diversas partes do mundo. A falta de reações diante destes dramas dos
nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda daquele senso de
responsabilidade pelos nossos semelhantes sobre os quais se fundamenta
toda sociedade civil”.
A água, direito fundamental e o respeito pela biodiversidade
“A água potável e limpa representa uma questão de primária
importância, porque é indispensável para a vida humana e para sustentar
os ecossistemas terrestres e aquáticos. [...]. Enquanto a qualidade da
água disponível piora constantemente, em alguns lugares avança a
tendência de privatizar este recurso escasso, transformado em mercadoria
sujeita às leis do mercado. Na realidade, o acesso à agua potável e
segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque
determina a sobrevivência das pessoas, e por isso é condição para o
exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem um grave débito
social com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isso
significa negar a eles o direito à vida, radicado em sua inalienável
dignidade”.
“Também os recursos da terra são depredados por causa de modos de
entender a economia e a atividade comercial produtiva, demasiado ligadas
ao resultado imediato. A perda de florestas e bosques implica ao mesmo
tempo na perda de espécies que poderiam constituir no futuro recursos
extremamente importantes, não só para a alimentação, mas também para a
cura de doenças e para múltiplos serviços. [...] Mas, não basta pensar
nas diversas espécies somente como eventuais “recursos” desfrutáveis,
esquecendo que têm um valor em si mesmos. A cada ano desaparecem
milhares de espécies vegetais e animais que não poderemos mais conhecer,
que os nossos filhos não poderão ver, perdidas para sempre. A imensa
maioria se extingue por razões que têm a ver com alguma atividade
humana. Por nossa causa, milhares de espécies não darão glória a Deus
com sua existência nem poderão comunicar-nos a própria mensagem. Não
temos esse direito”.
A renúncia ao paradigma tecnocrático
Existe um modo de compreender a vida e a ação humana que é desviado e
que contradiz a realidade até o ponto de arruiná-la. Porque não podemos
parar e refletir sobre isto? “De nada servirá descrever os sintomas, se
não reconhecermos a raiz humana da crise Proponho, portanto, que nos
concentremos sobre o paradigma tecnocrático dominante e sobre o lugar
que aí ocupam o ser humano e sua ação no mundo”. “Em tal paradigma
ressalta uma concepção do sujeito que progressivamente, no processo
lógico-racional, compreende e de tal modo possui o objeto que se
encontra fora. Tal sujeito se explica no modo de estabelecer o método
científico com sua experimentação, que já é explicitamente uma técnica
de posse, domínio e transformação [...]. Por isso, o ser humano e as
coisas têm cessado de dar-se amigavelmente a mão, tornando-se, ao invés,
contendentes.
Daqui se passa facilmente à ideia de um crescimento infinito ou
ilimitado [...]. Isso supõe a mentira sobre a disponibilidade infinita
dos bens do planeta, que conduz a “espreme-lo” até limite e além”.
O ponto de vista dos excluídos também na ecologia
“Gostaria de observar que com frequência não se tem clara consciência
dos problemas que golpeiam particularmente os excluídos. Eles são a
maioria do planeta, bilhões de pessoas. Hoje são mencionados nos debates
políticos e econômicos internacionais, mas em geral parece que os seus
problemas sejam colocados como um apêndice, como uma questão que se
acrescente quase por obrigação ou de maneira periférica, quando não são
considerados como um mero dano colateral. [...] Mas hoje não podemos
deixar de reconhecer que uma real concepção ecológica se torna sempre
uma concepção social, que deve integrar a justiça nas discussões sobre o
ambiente, para escutar tanto o clamor da terra quanto o clamor dos
pobres”.
Corriere della Sera, 16-06-2015.
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