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A humanidade de Jesus é o “lugar” histórico no qual o desígnio de graça do Pai se revela e se realiza.
Por Christian Albini*
“O mundo e o homem são compreendidos originariamente de modo
trinitário, isto é, são ‘post’ [depois de] Deus em vista da doação do
Filho” [1]. Franco Giulio Brambilla, no seu manual de antropologia,
sintetizou deste modo com eficácia aquilo que é, a meu ver, uma
concepção teológica correta da questão ecológica. Na perspectiva de fé,
não tem sentido falar de natureza como coisa em si, e sim como criação
em conexão com o divino e com o humano. A reflexão sobre o ambiente,
para a teologia cristã, não diz respeito a uma relação genérica de Deus
com o mundo e muito menos do homem com o mundo. Se o desígnio divino é
originariamente crístico, o mundo é por isso pensado em relação de
comunhão com Deus e com o homem em Cristo.
No humano está em ato uma dinâmica pneumática e filial: o envio da
parte de Deus do Espírito do Filho que comunica o seu mistério (cf. Gal
4,6). A humanidade de Jesus é o “lugar” histórico no qual o desígnio de
graça do Pai se revela e se realiza. O mundo natural pertence a esta
dinâmica enquanto criação, sem a qual o humano, o terrestre (adam) não
seria possível: no seu princípio está o sopro do Espírito de Deus (cf.
Gn 1,2) e é tornado partícipe da nova criação que inicia com a Páscoa
(cf. Is 65,17; 2Pd 3,13; Ap 21,1).
Os pressupostos, irrenunciáveis para a fé cristã, de uma teologia da
criação se devem a Jürgen Moltmann, que é disso um pioneiro e um
protagonista de primeiro plano: “A história de Deus com o mundo é uma
história trinitária” [2]. Consequentemente, escreve ele ainda: “O
conceito trinitário de vida, de compenetração recíproca, de
‘pericorese’, caracteriza [...] a nossa doutrina ecológica da criação”
[3].
A referência originária a Jesus Cristo, na perspectiva trinitária,
configura uma visão teológica que se põe como diferente com respeito a
duas teses filosóficas tradicionais: a confusão entre as três realidades
chamadas em causa (Deus, homem, mundo) que desandaria numa forma de
panteísmo, mas também a dimensão extrínseca na qual a distinção é
impelida ao extremo e tem como consequência a separação. Esta última
deriva se presta aos riscos ínsitos no pensamento de Bacon (o domínio do
homem sobre a natureza) e de Descartes (o mundo com res extensa). Os
quais acabam com o favorecer a lógica da técnica e suas patologias
niilistas (manipulação indiscriminada do mundo e do homem).
No entanto, não obstante a maturação da reflexão teológica e as
atualmente recorrentes intervenções de Bento XVI e do magistério sobre o
tema ambiental, na consciência e na práxis dos católicos, ao cuidado
ecológico ainda não é reservada uma posição prioritária. A que se deve
este estado de coisas? Sem dúvida, ao fato de que a teologia e a
espiritualidade cristã sofreram historicamente influxos que nem sempre
tornaram evidente o caráter cristológico e trinitário da criação. A
começar daquele gnóstico, com sua desconfiança perante o mundo,
evidenciado por Hans Jonas e outros [4], mas também aquele platônico no
período patrístico e aquele aristotélico no período medieval.
Brambilla apresenta um caso bastante emblemático: a quaestio 45 da
Summa Theologiae (I parte) de Tomás de Aquino. No art. 3 se afirma que a
criação nas criaturas outra coisa não é do que certa relação para com o
Criador do qual depende todo o seu ser (creatio active significata
significat actionem divinam, quae est eius essentia cum relatione ad
creaturam [a criação ativamente significada significa a ação divina que é
sua essência com relação à criatura] e aqui há uma plena
correspondência com a teologia trinitária. No art. 6, no entanto, a
dependência da criação de Deus em modo total e disponível é expressa em
termos metafísicos, dizendo que o ato criador pertence a Deus em força
do seu ser (creare convenit Deo secundum suum esse). Além das intenções
de Tomás, a linguagem filosófica acabou prevalecendo sobre a linguagem
bíblica [5].
Filosoficamente se pode falar com tranquilidade de um Deus que é Ato
puro e cria por meio de sua inteligência e vontade. Em relação a Deus, a
criação não é senão contingência, a partir do momento que “à essência
de Deus nada se acrescenta pelo fato de que surja uma criatura” [6].
Ora, o significado é perfeitamente ortodoxo, mas o significante não
exprime plenamente a mensagem bíblica originária. Falar da criação
nestes termos torna mais fácil concebê-la somente como um objeto à
disposição da inteligência e da vontade humana, às quais a tecnologia
forneceu meios sem precedentes. Outra coisa é narrativa de um Pai ao
qual estão no coração as aves no céu e até os cabelos na cabeça (Mt
10,29-30), que faz parir as corças (Jó 39,1), que cuida do homem e o
coroa de glória e de honra (Sl 8), o perscruta e o conhece tendo-o
tecido desde o seio materno (Sl 139,1.13). A explicação histórica é
certamente correta, mas a meu ver não suficiente. Se a atenção ecológica
tarda a afirmar-se, é porque, na teologia da criação, é ainda
subvalorizada uma dimensão fundamental, aquela litúrgica.
Notas:
[1] F.G. Brambilla, Antropologia teologica. Chi è l’uomo perché
te ne curi? [Quem é o homem para que cuides dele?], Queriniana, Brescia
2005, p. 214.
[2] J. Moltmann, Esperienze di pensiero teologico. Vie e forme della teologia Cristiana [Experiências de pensamento teológico. Vias e formas da teologia cristã], Queriniana, Brescia 2001, p. 284.
[3] J. Moltmann, Dio nella creazione. Dottrina ecologica della creazione [Deus na criação....], Queriniana, Brescia 2007, p. 30.
[4] Cfr. K. Rudolph, La gnosi. Natura e storia di una religione tardoantica [A gonse. Natureza e história de uma religião tardo-antiga], Paideia, Brescia 2000, pp. 456-470.
[5] Cfr. F.G. Brambilla, op.cit., pp. 248-251.
[6] S. Vanni Rovighi, Elementi di filosofia II: Metafisica, La Scuola, Brescia 1964, p. 175.
[2] J. Moltmann, Esperienze di pensiero teologico. Vie e forme della teologia Cristiana [Experiências de pensamento teológico. Vias e formas da teologia cristã], Queriniana, Brescia 2001, p. 284.
[3] J. Moltmann, Dio nella creazione. Dottrina ecologica della creazione [Deus na criação....], Queriniana, Brescia 2007, p. 30.
[4] Cfr. K. Rudolph, La gnosi. Natura e storia di una religione tardoantica [A gonse. Natureza e história de uma religião tardo-antiga], Paideia, Brescia 2000, pp. 456-470.
[5] Cfr. F.G. Brambilla, op.cit., pp. 248-251.
[6] S. Vanni Rovighi, Elementi di filosofia II: Metafisica, La Scuola, Brescia 1964, p. 175.
Sperare per Tutti, 28-05-2014.
*Christian
Albini, teólogo leigo italiano, coordenador do Centro de
Espiritualidade da diocese de Crema, na Itália, e sócio-fundador da
Associação Viandanti.
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