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2015-07-07
Rádio Vaticana
Quito
(RV) - O Parque do Bicentenário ficou completamente lotado na manhã
desta terça-feira (07/07) em Quito, no Equador, aonde o Papa celebrou
uma missa campal. Situado na zona norte da capital, o parque é a maior
área verde da cidade, com 125 hectares, no terreno anteriormente ocupado
pelo aeroporto. Foi inaugurado em 2013, para comemorar duzentos anos de
independência do país, e seu projeto contempla ainda a construção de
campos esportivos, museus, áreas culturais e de lazer. Concelebraram com
Francisco cerca de 40 bispos locais, inclusive os eméritos, e no final
da missa, tomou a palavra o Arcebispo de Quito, Dom Gabriel Trávez
Trávez, OFM.
Eis a homilia na íntegra:
A palavra de Deus convida-nos a viver
a unidade, para que o mundo acredite. Imagino aquele sussurro de Jesus
na Última Ceia como um grito nesta Missa que celebramos no «Parque do
Bicentenário». Imaginemo-lo juntos... O Bicentenário daquele Grito de
Independência da Hispano-América. Foi um grito, nascido da consciência
da falta de liberdade, de estar a ser espremidos e saqueados, «sujeitos
às conveniências dos poderosos de turno» (EG 213).
Quereria que hoje os dois gritos
coincidissem sob o belo desafio da evangelização. Não a partir de
palavras altissonantes, nem com termos complicados, mas que nasça da
«alegria do Evangelho», que «enche o coração e a vida inteira daqueles
que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são
libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento» (EG
1), da consciência isolada. Nós todos juntos, aqui reunidos à volta da
mesa com Jesus, somos um grito, um clamor nascido da convicção de que a
sua presença nos impele para a unidade, «indica um horizonte estupendo,
oferece um banquete apetecível» (EG 14).
«Pai, que sejam um, para que o mundo
creia»: assim o almejou, levantando os olhos ao céu. A Jesus brota-Lhe
este pedido num contexto de envio: Como Tu me enviaste ao mundo, Eu
também os enviei ao mundo. Naquele momento, o Senhor está experimentando
na sua própria carne o pior deste mundo que Ele, apesar de tudo, ama
loucamente: intrigas, desconfianças, traição, mas não esconde a cabeça,
não se lamenta. Também nós constatamos no dia-a-dia que vivemos num
mundo dilacerado pelas guerras e a violência. Seria superficial pensar
que a divisão e o ódio afetam apenas as tensões entre os países ou os
grupos sociais. Na realidade, são manifestações daquele «generalizado
individualismo» que nos separa e coloca uns contra os outros (cf.
Evangelii gaudium, 99), são manifestações fruto da ferida do pecado no
coração das pessoas, cujas consequências fazem sofrer também a sociedade
e a criação inteira. É precisamente a este mundo desafiador, com seus
egoísmos, que Jesus nos envia, e a nossa resposta não é fazer-nos de
distraídos, argumentar que não temos meios ou que a realidade nos
supera. A nossa resposta repete o clamor de Jesus e aceita a graça e a
tarefa da unidade.
Àquele grito de liberdade, que
prorrompeu há pouco mais de 200 anos, não lhe faltou convicção nem
força, mas a história conta-nos que só se tornou contundente quando
deixou de lado os personalismos, o afã de lideranças únicas, a falta de
compreensão doutros processos libertadores com características
diferentes, mas não por isso antagónicas.
Poderá a evangelização ser veículo de
unidade de aspirações, sensibilidades, esperanças e até de certas
utopias? É claro que sim; isso mesmo acreditamos e gritamos. «Enquanto
no mundo, especialmente em alguns países, se reacendem várias formas de
guerras e conflitos, nós, cristãos, queremos insistir na proposta de
reconhecer o outro, de curar as feridas, de construir pontes, de
estreitar laços e de nos ajudarmos a carregar as cargas uns dos outros»
(EG 67). O anseio de unidade supõe a doce e reconfortante alegria de
evangelizar, a convicção de que temos um bem imenso para comunicar e de
que, comunicando-o, ganha raízes; e qualquer pessoa que tenha vivido
esta experiência adquire maior sensibilidade face às necessidades dos
outros (cf. EG 9). Daí a necessidade de lutar pela inclusão a todos os
níveis, - lutar pela inclusão a todos os níveis! - evitando egoísmos,
promovendo a comunicação e o diálogo, encorajando a colaboração. É
preciso confiar o coração ao companheiro de estrada, sem medo nem
difidência. «O abrir-se ao outro é algo de artesanal, a paz é artesanal»
(EG 244). É impensável que brilhe a unidade, se a mundanidade
espiritual nos faz estar em guerra entre nós, numa busca estéril de
poder, prestígio, prazer ou segurança econômica. E isto a custa dos mais
pobres, dos mais excluídos, dos mais indefesos, daqueles que não perdem
a própria dignidade, mesmo recebendo golpes todos os dias.
Esta unidade já é uma ação
missionária «para que o mundo creia». A evangelização não consiste em
fazer proselitismo: o proselitismo é uma caricatura de evangelização!
Mas evangelizar é atrair os afastados com o nosso testemunho, é
aproximar-se humildemente daqueles que se sentem longe de Deus e da
Igreja, aproximar-se daqueles que se sentem julgados e condenados,
primeiramente por aqueles que se sentem perfeitos e puros! Aproximar-se
daqueles que têm medo ou dos indiferentes, para lhes dizer: «O Senhor
também te chama para seres parte do seu povo, e o faz com grande
respeito e amor» (EG 113). Pois o nosso Deus nos respeita até mesmo na
nossa baixeza e no nosso pecado. A humildade e o respeito deste chamado
do Senhor está descrito no texto do Apocalipse: “Eis que estou à porta e
te chamo. Se queres abrir, não forçar, não fazer saltar a fechadura,
simplesmente toque a campainha, bate docemente e espera”. Este é o nosso
Deus!
A missão da Igreja, enquanto
sacramento da salvação, condiz com a sua identidade de povo em caminho,
com a vocação de incorporar na sua marcha todas as nações da terra.
Quanto mais intensa for a comunhão entre nós, tanto mais sairá
favorecida a missão (cf. João Paulo II, Pastores gregis, 22). Colocar a
Igreja em estado de missão pede-nos para recriarmos a comunhão, pois já
não se trata duma ação voltada só para fora; nós somos missionários
também para dentro e somos missionários para fora, manifestando-nos
«como mãe que vai ao encontro, como se manifesta uma casa acolhedora,
uma escola permanente de comunhão missionária» (Aparecida 370).
Este sonho de Jesus é possível,
porque nos consagrou: « Me consagro – disse - para que também eles sejam
consagrados por meio da Verdade». A vida espiritual do evangelizador
nasce desta verdade tão profunda, que não se confunde com uns poucos
momentos religiosos que proporcionam algum alívio; Uma espiritualidade
assim difusa….. Jesus consagra-nos, para suscitar um encontro pessoal
com Ele, de pessoa a pessoa; um encontro que alimenta o encontro com os
outros, o compromisso no mundo, a paixão evangelizadora (cf. EG 78).
A intimidade de Deus, incompreensível
para nós, é-nos revelada através de imagens que nos falam de comunhão,
comunicação, doação, amor. Por isso a união, que Jesus pede, não é
uniformidade, mas a «multiforme harmonia que atrai» (EG 117). A imensa
riqueza da diversidade, da multiplicidade que alcança a unidade todas as
vezes que fazemos memória daquela Quinta-feira Santa, afasta-nos da
tentação de propostas unicistas, mais parecidas à ditaduras, a
ideologias ou a sectarismos. A proposta de Jesus é concreta : é
concreta. Não feita de ideias. É concreta ! « Ide e fazeis o mesmo »,
diz àqueles que lhe perguntavam : « Qume é o teu próximo? », após ter
contado a Parábola do Bom Samaritano : « Ide e fazeis o mesmo ». A
proposta de Jesus não é nem mesmo de um ajustamento feito à nossa
medida, no qual ditamos as condições, escolhemos alguns membros e
excluímos os outros. Esta religiosidade de elite, não é a de Jesus !
Jesus reza para que façamos parte duma grande família, na qual Deus é
nosso Pai e todos nós somos irmãos. Isto não se fundamenta no fato de
ter os mesmos gostos, as mesmas preocupações, os mesmos talentos. Somos
irmãos, porque Deus nos criou por amor e, por pura iniciativa d’Ele, nos
destinou para sermos seus filhos (cf. Ef 1, 5). Somos irmãos, porque
«Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama:
“Abbà! – Pai!”» (Gl 4, 6). Somos irmãos, porque, justificados pelo
sangue de Cristo Jesus (cf. Rm 5, 9), passámos da morte à vida,
fazendo-nos «co-herdeiros» da promessa (cf. Gl 3, 26-29; Rm 8, 17). Esta
é a salvação que Deus realiza e a Igreja alegremente anuncia: fazer
parte do «nós» divino, que chega até ao «nós» divino.
O nosso grito, neste lugar que lembra
aquele primeiro da liberdade, actualiza o grito de São Paulo: «Ai de
mim, se eu não evangelizar!» (1 Cor 9, 16). É tão urgente e premente
como o daqueles desejos de independência. Possui fascínio semelhante,
tem o mesmo fogo que atrai. Irmãos, tenham os mesmos sentimentos de
Jesus; sede um testemunho de comunhão fraterna que se torne
resplandecente!
Que belo seria se todos pudessem
admirar como nos preocupamos uns pelos outros; como mutuamente nos
animamos e fazemos companhia. É o dom de si que estabelece a relação
interpessoal; esta não se gera dando «coisas», mas dando-se a si mesmo.
Em qualquer doação, é a própria pessoa que se oferece. «Dar-se»
significa deixar atuar em si mesmo toda a força do amor que é o Espírito
de Deus e, assim, dar lugar à sua força criadora. E isto sobretudo nos
momentos mais difíceis, como aquela Quinta-feira Santa, em que sabia que
se estavam preparando as traições e as intrigas: mas Ele ofereceu-se a
si mesmo. Ofereceu-se a nós com seu plano de salvação. Dando-se, o homem
volta a encontrar-se a si mesmo com a sua verdadeira identidade de
filho de Deus, semelhante ao Pai e, como Ele, doador de vida, irmão de
Jesus, de Quem dá testemunho. Isto é evangelizar, esta é a nossa
revolução – porque a nossa fé é sempre revolucionária – este é o nosso
grito mais profundo e constante”.
Papa Francisco
07.07.2015
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