segunda-feira, 13 de julho de 2015

Liberdade para ouvir o chamado



Só se liberta quem se doa, quem transforma sua vida em oferta a Deus e ao próximo.

 

Por Dom Alberto Taveira Corrêa*


Deus nos criou com o dom maravilhoso e desafiador que é a liberdade. Ele se arrisca a encontrar inclusive respostas negativas ao seu projeto de amor e felicidade para a humanidade. Seu contato com a humanidade, expresso em toda a História da Salvação, inclui um elemento importante, o chamado, apelo, a vocação. A aventura humana pede este confronto de duas liberdades, que podem construir, ao longo dos anos, fecundo relacionamento, cujos frutos contribuem para o crescimento do Reino de Deus, sem excluir as possíveis crises de amadurecimento, já que somos respeitados nos passos a serem dados.

Um homem de nome Amós, vindo do ambiente rural (Am 7, 12-15), cuja experiência foi descrita pela Liturgia nesse final de semana, é convocado por Deus, para exercer a missão de profeta, com palavras provocadoras e exigentes, em tempos de crise política e religiosa. Deus chama quem ele quer e do jeito que quer, desenraizando, quando necessário, a pessoa do próprio ambiente, concedendo-lhe palavras acertadas que suscitam mudança e conversão. A resposta ao chamado poderia ser negativa, mas a hombridade do homem simples e corajoso pede um compromisso corajoso. Não dá para voltar atrás!

Jesus chamou doze (Mc 6, 7- 13), setenta e dois, centenas e milhares para o seguirem e serem enviados. Houve gente que disse não (Cf. Mc 10, 17-22), entre os que o seguiram houve deserções, traição, negação vergonhosa, pecados! A todos ele faz propostas semelhantes e desproporcionais às capacidades humanas: não levar nada para o caminho, despojamento total, expulsar demônios, curar os enfermos, anunciar a chegada do Reino de Deus. Até hoje é assim, nos diversos dons, ministérios e carismas que são concedidos a todo o povo de Deus. Existe o chamado e as pessoas continuam respondendo, mesmo em meio a tantas mudanças no mundo. E quem o segue deve acolher condições exigentes: "Entrai pela porta estreita! Pois larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram! Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida, e poucos são os que o encontram" (Mt 7, 13-14). O que acontece? Por que este "incômodo" que é seguir Jesus continua a se realizar, malgrado toda uma onda que aparentemente conduz a estradas diversas?

É claro que nosso ângulo de visão é fruto de nossa fé. Estamos convencidos de algumas realidades fundamentais! Fomos feitos por Deus, não somos obra do acaso, por ele somos amados e o mundo não é o espaço dominado pela maldade, mas terra de Deus, pensada por ele para a nossa felicidade, tanto que a Bíblia descreve poeticamente a Criação, falando de um Paraíso! Num mundo de pessoas que apenas pensam em vestir-se bem, outras querem a ociosidade, tantas rejeitam a verdade ou querem criticar todas as coisas, há gente que prefere os valores do Paraíso e o preferem, como santos do porte de um São Filipe Neri, sobre o qual é muito conhecido um filme chamado "Prefiro o Paraíso". Renunciam a grandes carreiras, homenagens, sucesso a qualquer custo. Agrada-lhes outra coisa, o Paraíso! É que o projeto de Deus contempla valores diferentes dos que costumeiramente encontramos como a partilha, a sensibilidade diante das situações dolorosas dos outros, a atenção, a coragem para tomar iniciativas de serviço à sociedade, a superação da impureza e da ganância. Trata-se de preferir o Paraíso, o jeito de Deus ver as coisas!

O Apóstolo São Paulo usa expressões que podem abrir os horizontes de nossa compreensão da realidade humana e dos desígnios de Deus para todos: "Deus nos escolheu em Cristo, antes da fundação do mundo, para sermos santos e imaculados diante dele, no amor. Conforme o desígnio benevolente de sua vontade, ele nos predestinou à adoção como filhos, por obra de Jesus Cristo, para o louvor de sua graça gloriosa, com que nos agraciou no seu bem-amado" (Ef 1, 4-6). Nós fomos escolhidos, antes do mundo ser criado, para sermos santos e imaculados, diante dele, no amor. Ninguém foi feito para o egoísmo ou para o pecado. Optar pela maldade é possível, mas é processo de autodestruição, e Deus não fez ninguém para ser infeliz!

Aqui tocamos num ponto delicado. Há um destino traçado, do qual não podemos fugir? Será que não posso escolher jogar tudo para o alto, considerando-me livre para fazer o que quiser? Só posso ser feliz em Deus? São perguntas desafiadoras e incômodas! Só Deus é capaz de propor aos seres humanos um caminho de felicidade e continuar a amá-los, se manipular sua liberdade, mesmo se eventualmente voltarem as costas para ele. Só o Pai do Céu é capaz de enviar seu Filho amado, que foi até o mais profundo da rejeição de Deus, quando, em nome da humanidade arrasada, gritou na Cruz o abandono: "Quando chegou o meio-dia, uma escuridão cobriu toda a terra até às três horas da tarde. Às três da tarde, Jesus gritou com voz forte: “Eloí, Eloí, lemá sabactâni? – que quer dizer “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste" (Mc 15, 33-34). Tendo descido por amor ao ponto mais baixo, Jesus Cristo nos abriu o caminho da vida e da liberdade, visitando todas as situações humanas, para preenchê-las apenas de amor.

Nesta “viagem”, com a qual conheceu tudo o que é humano, concedeu capacidades às pessoas, chamou, convocou, atraiu e enviou: “A cada um de nós foi dada a graça conforme a medida do dom de Cristo. Por isso, diz a Escritura: ‘Subindo às alturas, levou cativo o cativeiro e distribuiu dons aos seres humanos’. Que significa ‘subiu’, senão que ele desceu também às profundezas da terra? Aquele que desceu é o mesmo que subiu acima de todos os céus, a fim de encher o universo” (Ef 4, 7-10). Para resgatar o escravo, fazendo-o livre e fiel, ele se fez escravo, entregou-se até à morte, e morte de Cruz!

O caminho da liberdade passa pela entrega. Só se liberta quem se doa, quem transforma sua vida em oferta a Deus e ao próximo! Quem se guarda condena a si mesmo à esterilidade e à tristeza, e este não é o plano de Deus! O dom da liberdade se efetiva quando as pessoas saem de si mesmas. Pode acontecer que alguém até esteja preso, como ocorreu e ocorre com tantos homens e mulheres que se sacrificam por Deus e pelo próximo, mas estas são pessoas livres, porque são fiéis a Cristo. Acima das eventuais circunstâncias, “pela fé, conquistaram reinos, exerceram a justiça, foram contemplados com promessas, amordaçaram a boca dos leões, extinguiram a violência do fogo, escaparam ao fio da espada, recobraram saúde na doença, mostraram-se valentes na guerra, repeliram os exércitos estrangeiros. Mulheres reencontraram os seus mortos pela ressurreição. Outros foram torturados ou recusaram ser resgatados, para chegar a uma ressurreição melhor. Outros ainda sofreram a provação dos escárnios, experimentaram o açoite, as cadeias, as prisões, foram apedrejados, serrados ou passados ao fio da espada, levaram vida errante, vestidos com pele de carneiro ou pelos de cabra, oprimidos, atribulados, sofrendo privações. Eles, dos quais o mundo não era digno” (Hb 11, 33-38). Que Deus continue a chamar, em nosso meio, pessoas desse quilate!


*Dom Alberto Taveira Corrêa é arcebispo metropolitano de Belém do Pará.

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