O relato do padre Silvano Fausti: no conclave de 2005, o ex-arcebispo de Milão apontou para o alemão para evitar jogos sujos de um papável "rastejante".
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada no jornal Corriere della Sera, 16-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O padre Silvano Fausti contava que o momento tinha sido quando Bento XVI e Carlo Maria Martini se viram pela última vez. Milão, Encontro Mundial das Famílias, dia 2 de junho de 2012, o cardeal, doente há algum tempo, saíra do Aloisium de Gallarate para ir ao encontro do papa.
Foi então que se olharam nos olhos, e Martini, que morreria no dia 31 de agosto, disse a Ratzinger: a Cúria não se reforma, não lhe resta senão sair.
Bento XVI havia voltado exausto da viagem a Cuba no fim de março. No verão, ele começou a falar a respeito com os colaboradores mais próximos que tentavam dissuadi-lo. Em dezembro, convocou um consistório no qual criou seis cardeais e nenhum europeu para "reequilibrar" o Colégio. No dia 11 de fevereiro de 2013, declarou a sua "renúncia" ao pontificado.
Renúncia "já programada" desde o início do papado – se as coisas não andassem como deveriam –, desde que, no conclave de 2005, Martini deslocou os seus consensos para Ratzinger, para evitar os "jogos sujos" que visavam a eliminar os dois e eleger "um da Cúria, muito rastejante, que não conseguiu", revela o padre jesuíta.
Silvano Fausti morreu no dia 24 de junho passado, aos 75 anos, depois de uma longa doença. Biblista e teólogo, uma das vozes mais ouvidas e lidas do pensamento cristão contemporâneo, era a pessoa mais próxima de Carlo Maria Martini. O cardeal o escolhera como guia espiritual e confessor, confiava nele.
Esses bastidores, confidenciados três meses antes de morrer ao sítio GliStatiGenerali.com – a entrevista em vídeo foi agora divulgada na rede (veja abaixo, em duas partes) – corresponde àquilo que o padre Fausti contava em privado na sua casa de campo de Villapizzone, na periferia de Milão, onde vivia há 37 anos com outros jesuítas na comunidade que tinha fundado.
Quase um testamento que, sobre Ratzinger e Martini, remonta aos dias do conclave de dez anos atrás. Eram as duas personalidades mais proeminentes e, conta Fausti, "os dois que tinham mais votos; Martini um pouco mais" (já então doente de Parkinson), um pelos "conservadores" e o outro pelos "progressistas".
Havia uma manobra para "derrubar a ambos" e eleger um cardeal "muito rastejante" da Cúria. "Descoberto o truque, Martini foi à noite ao encontro de Ratzinger e lhe disse: 'Aceite amanhã se tornar papa com os meus votos'." Tratava-se de fazer limpeza. "Ele lhe dissera: 'Aceite você, que está na Cúria há 30 anos e é inteligente e honesto: se conseguir reformar a Cúria, bom, senão vá embora".
Martini, revela Fausti, disse que o papa, depois, fez um discurso "que denunciava essas manobras sujas e fez muitos cardeais corarem". No dia 24 de abril de 2005, na homilia de início de pontificado, Bento XVI disse: "Rezem por mim, para que eu não fuja, por medo, diante dos lobos".
O padre Fausti lembra também o gesto que Ratzinger faria no dia 28 de abril de 2009, na cidade de Aquila, devastada pelo terremoto. Estava prevista apenas uma homenagem, mas Bento XVI semeou o pânico cruzando a Porta Santa da basílica periclitante de Collemaggio para depositar o seu pálio na teca de Celestino V, o papa da "grande recusa".
Ratzinger e Martini, embora diferentes, se reconheciam e se estimavam. "Sempre tentavam colocá-los contra, para gerar notícia. Enquanto, com Wojtyla, Martini apresentava todos os anos a renúncia..."
A renúncia de Bento XVI eram uma possibilidade desde o início do seu pontificado, explica Fausti. Até que, em Milão, naquele dia, Martini lhe disse: "É precisamente agora, aqui não se consegue fazer nada". Na última entrevista, Martini falou de uma Igreja que "ficou 200 anos para trás: como é possível que ela não se sacuda?".
Ratzinger não fugiu diante dos lobos, apesar dos ataques e dos venenos internos que, até o Vatileaks, marcaram o pontificado. Ele sabia que era urgente agir e fazer limpeza, mas sentia que não tinha mais forças. Era preciso uma sacudida.
Na sua renúncia "em plena liberdade", ele diz que, "para governar o barco de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor tanto do corpo quanto da alma", que, "nos últimos meses", veio a lhe faltar.
O conclave, dali a um mês, elegeria Jorge Mario Bergoglio. Padre Fausti, no vídeo, sorri: "Quando vi Francisco como bispo de Roma, cantei o Nunc dimittis, finalmente! Eu esperava desde os tempos de Gregório Magno um papa assim!".
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada no jornal Corriere della Sera, 16-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O padre Silvano Fausti contava que o momento tinha sido quando Bento XVI e Carlo Maria Martini se viram pela última vez. Milão, Encontro Mundial das Famílias, dia 2 de junho de 2012, o cardeal, doente há algum tempo, saíra do Aloisium de Gallarate para ir ao encontro do papa.
Foi então que se olharam nos olhos, e Martini, que morreria no dia 31 de agosto, disse a Ratzinger: a Cúria não se reforma, não lhe resta senão sair.
Bento XVI havia voltado exausto da viagem a Cuba no fim de março. No verão, ele começou a falar a respeito com os colaboradores mais próximos que tentavam dissuadi-lo. Em dezembro, convocou um consistório no qual criou seis cardeais e nenhum europeu para "reequilibrar" o Colégio. No dia 11 de fevereiro de 2013, declarou a sua "renúncia" ao pontificado.
Renúncia "já programada" desde o início do papado – se as coisas não andassem como deveriam –, desde que, no conclave de 2005, Martini deslocou os seus consensos para Ratzinger, para evitar os "jogos sujos" que visavam a eliminar os dois e eleger "um da Cúria, muito rastejante, que não conseguiu", revela o padre jesuíta.
Silvano Fausti morreu no dia 24 de junho passado, aos 75 anos, depois de uma longa doença. Biblista e teólogo, uma das vozes mais ouvidas e lidas do pensamento cristão contemporâneo, era a pessoa mais próxima de Carlo Maria Martini. O cardeal o escolhera como guia espiritual e confessor, confiava nele.
Esses bastidores, confidenciados três meses antes de morrer ao sítio GliStatiGenerali.com – a entrevista em vídeo foi agora divulgada na rede (veja abaixo, em duas partes) – corresponde àquilo que o padre Fausti contava em privado na sua casa de campo de Villapizzone, na periferia de Milão, onde vivia há 37 anos com outros jesuítas na comunidade que tinha fundado.
Quase um testamento que, sobre Ratzinger e Martini, remonta aos dias do conclave de dez anos atrás. Eram as duas personalidades mais proeminentes e, conta Fausti, "os dois que tinham mais votos; Martini um pouco mais" (já então doente de Parkinson), um pelos "conservadores" e o outro pelos "progressistas".
Havia uma manobra para "derrubar a ambos" e eleger um cardeal "muito rastejante" da Cúria. "Descoberto o truque, Martini foi à noite ao encontro de Ratzinger e lhe disse: 'Aceite amanhã se tornar papa com os meus votos'." Tratava-se de fazer limpeza. "Ele lhe dissera: 'Aceite você, que está na Cúria há 30 anos e é inteligente e honesto: se conseguir reformar a Cúria, bom, senão vá embora".
Martini, revela Fausti, disse que o papa, depois, fez um discurso "que denunciava essas manobras sujas e fez muitos cardeais corarem". No dia 24 de abril de 2005, na homilia de início de pontificado, Bento XVI disse: "Rezem por mim, para que eu não fuja, por medo, diante dos lobos".
O padre Fausti lembra também o gesto que Ratzinger faria no dia 28 de abril de 2009, na cidade de Aquila, devastada pelo terremoto. Estava prevista apenas uma homenagem, mas Bento XVI semeou o pânico cruzando a Porta Santa da basílica periclitante de Collemaggio para depositar o seu pálio na teca de Celestino V, o papa da "grande recusa".
Ratzinger e Martini, embora diferentes, se reconheciam e se estimavam. "Sempre tentavam colocá-los contra, para gerar notícia. Enquanto, com Wojtyla, Martini apresentava todos os anos a renúncia..."
A renúncia de Bento XVI eram uma possibilidade desde o início do seu pontificado, explica Fausti. Até que, em Milão, naquele dia, Martini lhe disse: "É precisamente agora, aqui não se consegue fazer nada". Na última entrevista, Martini falou de uma Igreja que "ficou 200 anos para trás: como é possível que ela não se sacuda?".
Ratzinger não fugiu diante dos lobos, apesar dos ataques e dos venenos internos que, até o Vatileaks, marcaram o pontificado. Ele sabia que era urgente agir e fazer limpeza, mas sentia que não tinha mais forças. Era preciso uma sacudida.
Na sua renúncia "em plena liberdade", ele diz que, "para governar o barco de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor tanto do corpo quanto da alma", que, "nos últimos meses", veio a lhe faltar.
O conclave, dali a um mês, elegeria Jorge Mario Bergoglio. Padre Fausti, no vídeo, sorri: "Quando vi Francisco como bispo de Roma, cantei o Nunc dimittis, finalmente! Eu esperava desde os tempos de Gregório Magno um papa assim!".
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