Por Dom Jaime Spengler*
Profetas de um modo particular de vida, fundamentado no Evangelho, arautos da vigilância.
| A consagração é assumida como caminho de vida para se lançar mais radicalmente no serviço à humanidade.
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A vida consagrada faz de Deus e de seu amor pela
humanidade a referência maior de sua busca. Ela quer ser sinal daquela
realidade escatológica, na qual Deus será tudo em todas as coisas.
O amor de Deus e dos homens atraiu ao longo da história homens e
mulheres - e continua atraindo ainda hoje - que abandonaram tudo e
acolheram o desafio da consagração. Essa consagração é assumida como
caminho de vida para se lançar mais radicalmente no serviço à
humanidade.
Pode-se dizer que as diversas expressões de consagração, presentes em
distintas tradições religiosas, expressam o desejo profundo do ser
humano de todos os tempos de cooperar na busca de indicações para
questões fundamentais da existência humana: o que é o ser humano, qual o
sentido e fim de nossa vida, o que é o bem e que é o pecado, qual a
origem dos sofrimentos e qual sua finalidade, qual o caminho para obter a
verdadeira felicidade, o que é a morte, o julgamento e retribuição após
a morte e, finalmente, o que é aquele supremo e inefável mistério que
envolve nossa existência, donde nos originamos e para o qual caminhamos?
Todas essas questões estão presentes como maior ou menor vigor em
distintas tradições religiosas.
Os consagrados são pessoas que sentem mais intensamente as realidades
divinas e se sentem impelidas a cultivar uma maior abertura também para
as demais pessoas. Na história brasileira e gaúcha é possível
identificar uma miríade de pessoas consagradas que marcaram e marcam
vigorosamente a vida do povo brasileiro. Quanto bem realizado; quanta
dedicação e espírito de serviço; quanta paixão pelo ser humano; quanta
dedicação em favor da promoção da vida; quanto amor! A história do
Brasil e do Rio Grande do Sul ainda haverá de ser escrita a partir do
ocular da vida consagrada.
O Papa Francisco quis que o ano de 2015 fosse dedicado à reflexão, ao
estudo, à promoção e à exposição dessa forma peculiar de vida. Os
consagrados, segundo o Santo Padre, possuem não apenas uma história
gloriosa para recordar e narrar, mas uma grande história a ser
construída. Por isso, ele os convida calorosamente a olhar para o
futuro, pois o próprio Espírito para lá os projeta, a fim de realizar
com eles coisas ainda maiores!
Este ano, dedicado à vida consagrada representa uma oportunidade para
que todos os que creem no Cristo tomem consciência do dom que é a
presença de tantas consagradas e de tantos consagrados, herdeiros de
grandes santos que fizeram a história do cristianismo em nossa
sociedade. Sem esse sinal concreto, dizia Paulo VI, a caridade que anima
a Igreja inteira correria o risco de se resfriar, o paradoxo salvífico
do Evangelho, de se atenuar, o "sal" da fé, de se diluir num mundo em
fase de secularização.
A secularização acelerada desafia a todos os cristãos, e em especial
os consagrados, a resgatar a centralidade de Cristo e da palavra de Deus
na vida do cotidiano. Tal observação pode soar como uma provocação;
provocação aos homens e mulheres de boa vontade a se lançarem num
itinerário, a reconduzi-los à fonte de toda a vida radicada em Jesus
Cristo: caminho, verdade e vida.
Os consagrados são profetas de um modo particular de vida,
fundamentado no Evangelho; são arautos da sempre necessária vigilância,
ou seja, do cuidado para com o próprio íntimo, o próprio coração; são
promotores da vida em comum, pois recordam a dignidade e a necessidade
da comunidade; promovem a escuta das necessidades, dos desejos, das
desilusões, da esperança de tantos; provocam, especialmente, os
discípulos de Jesus Cristo, a saírem, a buscarem novos caminhos para
anunciar a boa nova de salvação trazida pelo Homem de Nazaré, capaz de
fazer novas todas as coisas; demonstram ser possível a convivência entre
jovens e idosos, entre observância e profecia, entre irmãos e irmãs;
testemunham o amor de Deus presente no mundo!
CNBB 10-08-2015.
*Dom Jaime Spengler é arcebispo de Porto Alegre.
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