Por Carlos Sodré Lanna
Nascido de um prodígio e baluarte na luta contra as invasões holandesas, o convento abriga uma imagem milagrosa de Nossa Senhora da Penha
Célebre é o
Santuário de Nossa Senhora da Penha, no Estado do Espírito Santo,
situado soberbamente no alto de uma montanha de 154 metros de altura,
como um farol que ilumina com as luzes do cristianismo a entrada da
magnífica enseada da capital, Vitória.
Contíguo ao Santuário ergue-se o convento, desde 1650, arrojadamente
construído nas escarpas da rocha, dando de longe a impressão de
inexpugnável fortaleza.
Desde o século XVI, vários cronistas têm escrito sobre esse
monumento, contando sua história de milagres e de defesa contra os
inimigos de nossa pátria, com episódios desconhecidos da imensa maioria
do público.
Pré-história do Santuário da Penha
No ano de 1558 chegou à então Capitania do Espírito Santo, pelo Porto de Vila Velha, o Irmão franciscano Frei Pedro Palácios [pintura ao lado],
futuro fundador do Santuário da Penha. Nascido na Espanha, desejava
ajudar os jesuítas — instalados em Vitória desde 1551 — na catequese dos
índios.
Frei Palácios era devoto da Virgem Santíssima, sob a invocação de
Nossa Senhora dos Prazeres. Trouxera de Portugal um quadro pintado a
óleo, que a representava, colocando-o numa capelinha no alto da
montanha. Daí se originou a denominação de Penha (penhasco).
Ao encontrar duas palmeiras no cume do rochedo, Frei Pedro disse aos
que o conheciam, com muita alegria, que já achara o que procurava.
Segundo as crônicas da época sobre Frei Palácios, “é de
tradição que lhe servia de carta de marear uma imagem de Nossa Senhora,
que trazia em um painel, a qual destinava para teatro de suas virtudes
um monte, o qual conheceria pelo sinal de duas palmeiras que veria no
cume de tal monte”.
Não se sabe exatamente quando Frei Palácios deu início à construção
da ermida no alto da montanha. A legenda atribui a resolução de
edificá-la ao fato seguinte: “Certo dia desapareceu o painel
da Virgem na capela usada pelo frei, na base do morro. Após longa
procura encontrou-o no alto da penha, entre as duas palmeiras.
Satisfeito, recolocou-o na capela embaixo do monte. O desaparecimento no
entanto ocorreu mais duas vezes, sendo o painel encontrado no mesmo
lugar. Ao mesmo tempo, uma fonte com água copiosa nascia no vértice da
rocha. Frei Palácios reconheceu nestes sinais a vontade expressa de
Nossa Senhora em querer que se lhe construísse uma capela no lugar
indicado e não demorou com a execução”.
Esse quadro trazido por Frei Palácios é de grande beleza, executado
com perfeição. Não se sabe onde o teria adquirido, nem sua autoria,
havendo hipóteses de que seja obra de discípulos de algum célebre pintor
do Renascimento. Em 1570, cedeu ele lugar à imagem de Nossa Senhora da
Penha que até hoje se venera no local. Atualmente, o quadro de Nossa
Senhora dos Prazeres conserva-se na parede do Santuário, à direita do
púlpito.
A imagem de Nossa Senhora da Penha
Após dez anos de trabalhos árduos e incessantes, além de constantes
penitências, pouco antes de sua morte, Frei Palácios prontificou-se em
obter para a ermida de Nossa Senhora da Penha uma nova imagem,
encomendando-a em Portugal.
Diz a tradição que a pessoa designada para mandar fazê-la em Portugal
esqueceu-se da encomenda durante a viagem, não tomando nenhuma
providência para isso. No entanto, às vésperas de voltar ao Brasil, um
desconhecido lhe entregou um caixote, e ao abri-lo, encontrou a imagem
exatamente com as indicações pedidas por Frei Palácios! Ela tem 76
centímetros de altura, nobreza, graça e naturalidade inimitáveis, e uma
expressão de doce melancolia.
Assim, ficou aquela região, durante décadas, sob a maternal proteção de Nossa Senhora da Penha.
Ataque frustrado dos holandeses
Em 1630, os protestantes holandeses chegaram a nossa pátria,
invadindo vasta região do Nordeste e aí permanecendo durante 24 anos.
Trazendo na alma ódio ao catolicismo e desenfreada cobiça, como bárbaros
irracionais, semeavam, por todas as partes, a morte, fazendo vítimas
inocentes, violando lares, profanando templos, enfim, praticando os
crimes mais hediondos.
Deus, entretanto, que protegia a Terra de Santa Cruz, suscitou para a
sua defesa bravos heróis, fazendo inúmeros milagres e prodígios.
Nessa época, a capitania do Espírito Santo sofreu diversos assaltos
dos hereges, seguidores de Calvino e Lutero, um dos quais contra o
Santuário da Penha, milagrosamente frustrado. A construção desse templo,
iniciada em 1639, já estava quase concluída quando os holandeses
tentaram tomá-lo de assalto em 1643. No ano seguinte, terminou-se a sua
edificação.
No dia 22 de setembro de 1643 haviam os holandeses se assenhoreado do
porto de Vila Velha e já começavam a fortificar-se quando, diante de
seus olhos, o Santuário ia se transformando em castelo, cercado de
fortes muralhas e defendido por um esquadrão de soldados. Do monte
descia muita gente, a pé e a cavalo, todos com armas luzentes e bem
preparadas (no morro, entretanto, não havia ficado pessoa alguma; e a
própria imagem da Penha havia sido removida para o convento de São
Francisco, embaixo, na vila).
A vista desse espetáculo aterrador, fugiram os holandeses
desordenadamente, recolhendo-se à suas naus, tendo sido massacrados
ainda quarenta deles por habitantes da vila.
Tal fato ocorreu no dia da festa dos santos soldados mártires da Legião Tebana, com seu capitão São Mauricio.
Daí interpretarem os moradores que o esquadrão ao pé do castelo era
constituído pelo santo e seus companheiros, os quais, no dia de seu
martírio, vieram prestar socorro aos católicos. Uma ação, portanto, da
Legião Tebana, sob inspiração de Nossa Senhora da Penha. Os habitantes
erigiram mais tarde no Santuário um altar em louvor de São Maurício, e
em honra dele fundaram uma confraria.
Expulsão definitiva do herege invasor
Uma segunda tentativa de saquear o convento foi feita pelos
holandeses no final de 1653, pouco antes de serem expulsos
definitivamente do Brasil.
O superior do Santuário da Penha era então Frei Francisco da Madre de
Deus, que trabalhava ativamente para levar adiante sua construção.
Os holandeses chegaram de repente e em plena madrugada, tomando de
assalto toda a montanha e arredores, pegando de surpresa religiosos e
empregados.
Contra a força das armas não podia haver resistência, mas Frei
Francisco permaneceu imóvel em oração diante da imagem de Nossa Senhora
da Penha. Os holandeses roubaram todas as preciosidades da sacristia e
do altar, sem molestar o religioso.
Quando procuraram pegar a coroa e o manto da Virgem, Frei Francisco
levantou-se, exigindo que não a tocassem, que ele mesmo os tiraria. E
assim o fez, obrigado pelas armas.
Um dos holandeses tentou então apossar-se de um precioso anel do dedo
da imagem, mas não o conseguiu, nem tampouco cortar seu dedo ou sua
mão, tendo que desistir. Mas levaram a coroa, o manto e os brincos da
efígie sagrada.
Após a fracassada tentativa, o frade passou a increpar o holandês com enérgicas palavras: “Vai-te
embora e lá verás os brincos que te hão de custar caro; e este será o
último atrevimento dos teus companheiros no Brasil, porque só isto
faltava por teus pecados para castigo teu e dos demais”.
Os holandeses partiram, levando muitos valores e alguns empregados como escravos, mas com os religiosos nada fizeram.
A previsão de Frei Francisco se cumpriu do modo mais completo. Não
muitos dias depois, no memorável 27 de janeiro de 1654, João Fernandes
Vieira — que comandava a vanguarda do exército luso-brasileiro — entrava
triunfalmente na cidade de Recife, e a libertava do jugo holandês,
colocando ponto final à invasão batava no Brasil.
Venceu os hereges o mesmo Fernandes Vieira contra quem, pouco antes,
os holandeses haviam espalhado a notícia de que havia sido morto. Ao que
o bravo comandante mandou responder: “Graças, quem disse
isso aos flamengos falou verdade que era morto, e fui, mas chegando ao
Céu me perguntou Deus se ficaram mais flamengos no Recife e eu lhe
respondi que sim, e ele me tornou a mandar para que os viesse a acabar
de matar”.
Na rendição final dos hereges invasores, em Recife, esteve presente
Frei Daniel, do Santuário da Penha, a quem foram restituídos os
empregados levados como escravos, juntamente com as alfaias, ornamentos e
outras peças roubadas pouco antes, durante o saque do Santuário.
Na história de Nossa Senhora da Penha, no Espírito Santo, são
abundantes os milagres e prodígios que Ela sempre operou e que continuam
até nossos dias. Escolhemos apenas os que poderiam caber nos limites de
um simples artigo, suficientes para levar os leitores à veneração de
uma das padroeiras mais cultuadas do Brasil.
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