O Código de Direito Canônico da Igreja, quando
legisla sobre o ‘‘Povo de Deus’‘, diz que:
‘‘Fiéis são os que incorporados a
Cristo pelo Batismo, foram constituídos como povo de Deus e assim,
feitos participantes, a seu modo, do múnus sacerdotal, profético e
régio de Cristo, são chamados a
exercer, segundo a condição própria de cada um, a missão que Deus confiou
para a Igreja cumprir no mundo’‘(CDC,cân.204).
Jesus foi constituído por Deus Pai como
‘‘Sacerdote, Profeta e Rei ‘‘. E como Ele se fez, pela Encarnação, a Cabeça da
Igreja, todo o povo de Deus, por Ele, passou a participar dessas três funções do
Salvador e, consequentemente, assumimos com Ele a responsabilidade da missão
salvífica da humanidade, com todo o serviço do Reino. Deus Pai quis dar-nos a
honra de participarmos com Cristo da obra de salvação da humanidade. Inseridos
em Cristo pelo Batismo, nos fazemos um com Ele e, portanto, co-responsáveis pela
sua missão redentora. O Reino a ser implantado no mundo também é nosso, e Deus
quis que cada um de nós participasse da mesma alegria dos anjos quando o pecador
volta arrependido para a casa do Pai.
Esse povo tem, portanto, uma vocação sacerdotal.
Cada batizado é chamado a participar do mesmo sacerdócio de Cristo. Ele é
verdadeiramente o Pontífice (ponte), ‘‘o único media dor entre Deus e os homens’‘
(1 Tm 2,5); mas, pela nossa inserção Nele, no Seu Corpo, pela Igreja e pelo
Batismo, Ele fez do novo povo ‘‘um reino de sacerdotes’‘.
‘‘Aquele que nos ama, que nos lavou de nossos
pecados no seu sangue, e que fez de nós um reino de sacerdotes para Deus e Seu
Pai (Ap 1,9).
‘‘Cantavam um cântico novo, dizendo: Tu és digno de
receber o livro e de abrir-lhes os selos, porque foste imolado , e resgataste
para Deus, ao preço de Seu Sangue, homens de toda tribo, língua, povo e raça; e
deles fizeste para nosso Deus um reino de sacerdotes, que
reinam sobre a terra’‘ (Ap 5,9-10).
A Liturgia celebra essa realidade, rezando no
Prefácio de uma oração eucarística:
‘‘...por Cristo, vosso Filho, que, pelo mistério de
sua Páscoa, realizou um obra admirável. Por ele, vós nos chamastes das
trevas á vossa luz incomparável, fazendo-nos passar da morte à glória de sermos
o vosso povo, sacerdócio régio e nação santa, para anunciar por todo o mundo, as
vossas maravilhas’‘.
Desta forma todos os cristãos, membros de Cristo,
são como São Pedro chama: ‘‘pedras vivas... vos tornais os
materiais desse edifício espiritual, um sacerdócio
santo para oferecer vítimas espirituais a Deus, por Jesus Cristo’‘ (1Pe
2,4-5).
Esse sacerdócio ‘‘comum’‘ que todo batizado exerce,
diferente do sacerdócio ministerial do presbítero, se realiza por toda a sua
atividade cristã, oferecendo-se a si mesmo a Deus como uma hóstia viva, como
disse São Paulo:
‘‘Eu vos exorto, pois, irmãos pelas misericórdias
de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável
a Deus: é este o vosso culto espiritual’‘ (Rom 12,1).
Tanto o sacerdócio comum dos leigos como o
sacerdócio ministerial (hierárquico) dos ordenados, embora diferentes na
essência, contudo, ‘‘participam, cada qual a seu modo do sacerdócio único
de Cristo’‘ (LG ,10).
O sacerdote, na Antiga Aliança, era aquele que, em
nome do povo, oferecia os sacrifícios e ofertas a Deus pelo pecado do povo. Na
Nova Aliança, Jesus se fez o Sumo Sacerdote, e não mais ofereceu sacrifícios a
Deus, mas ofereceu-se a Si mesmo ao Pai, já que nenhum outro sacrifício seria
suficiente para reparar a ofensa que o pecado realiza contra a Majestade de
Deus. Nesta linha, ao unir-nos a Ele, Cristo nos faz sacerdotes como Ele, isto
é, chamados a nos oferecermos com Ele e como Ele, como vítimas ao Pai. Por isso
somos convidados a sermos hóstias vivas, pela renúncia a nós mesmos, e a
disposição de tomarmos, a cada dia, a mesma cruz de Cristo, para salvar o mundo.
Podemos dizer assim, como Santa Teresa D’Ávila já dissera, que o Senhor nos dá a
honra de carregar com Ele a cruz redentora do mundo, e não é a todos que concede
esse privilégio.
A grande francesa Martin Robin, que viveu cerca de cinquenta anos em uma cama, alimentando-se apenas da Eucaristia, disse
certa vez que:
‘‘Cada alma cristã é uma hóstia, e cada vida cristã
uma Missa’‘.
Cada cristão, leigo ou clérigo, vivendo com
fidelidade a Cristo e à Igreja, no seu estado de vida, é um verdadeiro sacerdote
e, com Cristo, salva o mundo para Deus.
O sacerdote ministerial, pelo poder sagrado de que
é investido, atua na pessoa de Cristo (‘‘in persona Christi’‘), dirige o Povo de
Deus, celebra o sacrifício eucarístico e perdoa os pecados. Mas os leigos, pelo
sacerdócio comum também participam do oferecimento do sacrifício de Cristo ao
Pai na Eucaristia. Ao mesmo tempo oferecem Cristo ao Pai, junto com o sacerdote
ministerial, e se oferecem a si mesmos com Cristo. Só seremos verdadeiramente
cristãos quando tivermos compreendido e assumido a missão redentora com Cristo.
É pelos sacramentos e pela prática das virtudes que
o povo de Deus exerce o sacerdócio régio.
Quando comungamos o Corpo e o Sangue da Vítima
divina oferecida ao Pai, nos tornamos também vítimas oferecidas com Ele nesta
mesma oblação. Era neste sentido que os hebreus comiam a carne da vítima imolada
a Deus - a mandibulação - para se tornarem como a vítima. Para nós cristãos, o
comungar Cristo, tem o sentido de conformar a nossa vida com a Dele e viver por
Ele.
De maneira prática, é pela oferta de toda a vida do
cristão a Deus, que ele exerce o seu sacerdócio. Essa oblação e imolação da
própria vida se manifesta de muitas formas:
Quando lutamos contra as paixões que combatem em
nossos membros, numa vida de oração, vigilância e mortificação dos sentidos;
quando oferecemos a Deus todos os sofrimentos que nos atingem: contrariedades,
ofensas, calúnias, doenças, etc., que nos configuram à Paixão de Cristo,
completando-a em nossa própria carne (Col 1,24). Quando oferecemos a Deus os
nossos talentos pessoais: a inteligência, os sentidos, a força de vontade, o
exercício esmerado da profissão; quando oferecemos a Deus a nossa própria morte
como a consumação dos sacrifícios anteriores e última e maior renúncia ao homem
velho.
Quando, na vida conjugal, marido e mulher lutam
para fazer o outro crescer e atingir a santidade do próprio estado; quando
os pais esmeram-se na educação dos filhos, especialmente na sua formação moral e
religiosa; quando pais e filhos lutam para transformar a família na
‘‘Igreja doméstica’‘ e ‘‘santuário da vida’‘; quando oferecemos a Deus o suor do
nosso trabalho cotidiano, todo o nosso tempo e nossa vida...
São Paulo resume toda esta oblação sacerdotal
dizendo:
‘‘Tudo o que fizerdes, fazei-o de bom coração, como
para o Senhor e não para os homens, certos de que recebereis, como recompensa,
a herança das mãos do Senhor. Servi a Cristo Senhor’‘ ( Col 3,23-24).
‘‘Tudo o que fizerdes, por palavra ou obra, fazei-o
em nome do Senhor Jesus, dando por Ele graças a Deus Pai’‘ (Col 3,17).
O que o Apóstolo indica nessas palavras é a ‘‘reta
intenção’‘ de fazer tudo por Deus e para Deus, sem qualquer outra segunda
intenção. É sobretudo o ‘‘amor puro’‘ a Deus que santifica e valoriza todas as
nossas ações, por menores que sejam, e fazem de nós verdadeiros sacerdotes com
Cristo. Sem essa reta intenção as maiores obras se apresentam vazias diante de
Deus e os seus operadores sem méritos.
Por tudo isso, o homem colocado no meio do mundo,
contemplando o universo inteiro, é chamado a santificá-lo e consagrá-lo a Deus,
como um sacerdote. Ele é o microcosmo que sintetisa em si todo o macrocosmo, e o
oferece a Deus.
A Igreja participa também da missão profética de
Cristo, dando testemunho d’Ele vivo, no meio deste mundo.
Pelos dons do Espírito Santo, cada um exerce
o seu serviço para a edificação da Igreja e construção do Reino de Deus. São
Paulo ensina que o Espírito Santo ‘‘distribui a cada um, como quer’‘, os
seus dons (1 Cor 12,11) e que ‘‘a cada um é dada a manifestação do Espírito em
vista do bem comum’‘ ( 1 Cor 12,7). Todos os cristãos são chamados, sem exceção,
a exercer no Corpo de Cristo uma missão profética e missionária pela ação do
Espírito.
Especialmente o leigo é aquele ‘‘que leva a Igreja
ao coração do mundo, e traz o mundo ao coração da igreja’‘. Torna-se assim,
profeta com Cristo. Por isso, todo batizado é um missionário, um anunciador do
Reino de Deus, como dizia São Francisco de Assis, um ‘‘arauto do grande Rei’‘,
‘‘a trombeta do Imperador’‘. Vale também para cada um de nós, na medida própria,
o que o Apóstolo dizia a si mesmo: ‘‘Ai de mim se eu não evangelizar’‘(1Cor
9,16).
A missão da Igreja é evangelizar.
O Povo de Deus participa ainda da função régia de
Cristo, que reina sobre todos aqueles que atraiu para si pela sua morte e
Ressurreição.
‘‘E quando eu for levantado da terra atrairei todos
os homens a mim’‘ (Jo 12,32). .
Cristo é Rei e Senhor do universo, mas o Seu Reino
‘‘não é deste mundo’‘ (Jo 19,36). Jesus repetiu isso a Pilatos duas
vezes.
Em que consiste o reinado de Cristo neste mundo,
então?
O seu reinado consistiu em servir.
‘‘Eu não vim para ser servido, mas para servir e
dar a minha vida em resgate de muitos’‘ (Mt 20,28).
Desde então, a Igreja aprendeu com o seu Mestre
que’‘reinar é servir’‘, como ensina a ‘‘Lumen Gentium’‘ (LG, 36).
É porque Cristo foi obediente ao Pai até à morte,
que foi exaltado pelo mesmo Pai e entrou na glória do Seu Reino; e todas as
coisas lhe foram submetidas.
‘‘Por isso Deus o exaltou soberanamente e lhe
outorgou o Nome que está acima de todos os nomes’‘ (Fil 2,9).
‘‘... porque Deus sujeitou tudo debaixo dos seus
pés’‘ (1 Cor 15,26).
São Leão Magno, papa e doutor da Igreja, do século
V, revela com palavras claras essa missão profética, régia e sacerdotal do povo
de Deus:
‘‘Todos os que renasceram em
Cristo obtiveram, pelo sinal da cruz, a dignidade real e, pela unção do
Espírito Santo, receberam a consagração sacerdotal. Por isso, não obstante o
serviço especial do nosso ministério, todos os cristãos foram revestidos
de um carisma espiritual que os tornam membros desta família de reis e deste
povo de sacerdotes. Não será, na verdade função régia
o fato de uma alma, submetida a Deus, governar o seu corpo? E não
será função sacerdotal consagrar ao Senhor uma consciência
pura e oferecer no altar do coração a hóstia imaculada da nossa piedade?’‘ (Sermões 4,1).
O Santo Concílio Vaticano II, ao falar dos leigos
na vida da Igreja, mostra toda a sua importância, especialmente nos dias de
hoje, em que a Igreja toda é convocada pelo Papa a evangelizar com ‘‘novo ardor,
novos métodos e nova expressão’‘:
‘‘Pelo nome de leigos entendem-se todos os
cristãos, exceto os membros de Ordem sacra e do estado religioso aprovado pela
Igreja. Estes fiéis pelo Batismo foram incorporados a Cristo, constituídos como
povo de Deus e, a seu modo, feitos participantes da função
sacerdotal, profética e régia de Cristo; assim exercem a sua parte na missão de
todo o povo cristão na Igreja e no mundo’‘ (LG,31).
Creio que a maioria dos leigos ainda não tomou
consciência plena da sua responsabilidade na Igreja; dos seus deveres e dos seus
direitos como membro legítimo do Povo de Deus. O Código de Direito Canônico, bem
como outros documentos do Concílio Vaticano II, e também vários escritos
dos últimos Papas, põem em evidência a enorme importância da atividade do leigo
hoje na Igreja. Diz o Código de Direito Canônico que:
‘‘Os fiéis têm o direito de manifestar aos Pastores
da Igreja as próprias necessidades, principalmente
espirituais, e os próprios anseios’‘.
‘‘De acordo com a ciência, a competência e o
prestígio de que gozam, têm o direito e, às vezes, até o dever de manifestar aos
Pastores sagrados a própria opinião sobre o que afeta o bem da Igreja e,
ressalvando a integridade da fé e dos costumes e a reverência para com os
Pastores, e levando em conta a utilidade comum e a dignidade das pessoas, dêem a
conhecer essa sua opinião também aos outros fiéis’‘ (CDC,cân.212).
É grande a liberdade que a Igreja oferece aos
leigos para o trabalho pastoral. Vejamos alguns casos:
‘‘Os fiéis têm o direito de prestar culto a Deus
segundo as determinações do próprio rito aprovado pelos legítimos Pastores da
Igreja e de seguir sua própria espiritualidade, conforme, porém, a doutrina da
Igreja’‘ (CDC,cân.214).
‘‘Os fiéis têm o direito de fundar e dirigir
livremente associações para fins de caridade e piedade, ou para favorecer a
vocação cristã no mundo, e de se reunirem para a consecução dessas finalidades’‘
(CDC,cân.215).
‘‘Todos os fiéis, já que
participam da missão da Igreja, têm o direito de promover e sustentar a
atividade apostólica, segundo o próprio estado e condição, também com
iniciativas próprias; nenhuma iniciativa porém, reivindique para si o nome de
católica, a não ser com o consentimento da autoridade competente’‘
(CDC,cân.216).
DO Livro: ‘‘A MINHA IGREJA’‘ DO Prof. Felipe de
Aquino
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