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“Não há nada de medieval nesta mistura de empresa implacável, selvageria propagandeada e organização criminosa transnacional”
Nesta semana, descobriu-se que policiais e soldados britânicos estão na lista de alvos de uma célula do grupo terrorista Estado Islâmico
baseada na Grã-Bretanha. De quebra, o grupo extremista lançou mais um
vídeo, o quarto até agora, “protagonizado” pelo seu refém John Cantlie,
jornalista inglês sequestrado em novembro de 2012 juntamente com o já
executado jornalista norte-americano James Foley.
Vestindo o macacão alaranjado semelhante aos uniformes dos presidiários de Guantánamo, que já se tornou praticamente uma “marca registrada” dos reféns deste grupo terrorista, Cantlie declarou de frente para uma câmera que as potências ocidentais estão se preparando para uma terceira guerra do Golfo e acrescentou que o Estado Islâmico (EI) vem crescendo a tal ponto que "nem sequer o exército norte-americano, que é a polícia do mundo, será capaz de contê-lo".
Cantlie manda, no vídeo, uma aparente resposta aos líderes muçulmanos que condenaram o EI como “organização herética e assassina”. Ele afirma: “Aqueles que leram o alcorão, inclusive os cristãos, sabem que existe apenas uma sharia; não existem ramos diferentes".
Imagina-se que Cantlie esteja se pronunciando sob coação, mas, na última edição da revista online “Dabiq”, uma publicação digital de propaganda do EI, o refém afirma que as suas palavras são dele mesmo. Uma observação feita com frequência, escreve ele, "é a de que os vídeos seguem um ‘script’ e que talvez eu não tenha escolha quanto ao seu conteúdo".
"Mas isto", prossegue ele no artigo, "não é verdade. Os ‘mujahidin’ [combatentes islâmicos, ndr] sugerem temas iniciais, eu escrevo os roteiros, entrego a eles para fazerem os ajustes necessários e depois os vídeos são filmados. É tudo muito rápido: os oito primeiros vídeos foram escritos, aprovados e filmados em apenas 12 dias. Os mujahidin são assim: eles fazem rápido cada trabalho e passam para a próxima tarefa".
O fato de que o grupo terrorista Estado Islâmico publique uma revista online pode parecer bizarro, mas mostra, como observou o filósofo John Gray na BBC em julho, o quanto este fenômeno é peculiarmente moderno: é uma seita milenarista violenta, “que se dedica à construção de uma nova sociedade a partir do zero”, e que tem mais em comum com os movimentos revolucionários modernos do que com os seus antepassados medievais. “Não há nada de medieval”, diz ele, “nesta mistura de empresa implacável, selvageria bem propagandeada e organização criminosa transnacional”.
Infelizmente, o EI parece pensar de outro modo. Andrew Salzmann, da Universidade Beneditina, argumenta no “Small Wars Journal” que o EI parece "reencenar os primórdios do islã para tentar estabelecer a sua legitimidade entre os povos do Oriente Médio". Salzmann diz que o crescimento do EI tem apresentado características comumente reconhecidas do surgimento do islã, emulando o estilo de guerra de Maomé. "Embora a estratégia militar não seja um ‘artigo de fé’, a sharia fundamenta a sua própria validade na crença de que as ações do profeta Maomé, precisamente por causa da sua excelência em obedecer a Deus, merecem ser imitadas pelos seus seguidores".
Parece fazer sentido, assim, que o nome da revista do EI tenha sido inspirado por um “hadith”, ou ditado tradicional muçulmano, que proclama que "a última hora não virá até que os romanos tenham chegado a al-Amaq ou Dabiq", geralmente identificada com a cidade de Dabiq, no norte da atual Síria.
A revista “Dabiq” está repleta de referências a Roma e aos cruzados. Em vários pontos, ela cita um discurso do porta-voz oficial do EI, o xeque Abu Muhammad al-‘Adnānī ash-Shami, que exorta os combatentes a "estarem prontos para a campanha final dos cruzados", ao mesmo tempo em que proclama ao Ocidente: "Nós vamos conquistar a sua Roma, destruir as suas cruzes e escravizar as suas mulheres com a permissão de Alá, o Altíssimo". Como ilustração desse texto, uma imagem da Praça de São Pedro traz a legenda “Vamos conquistar a sua Roma”. A capa da revista, com a manchete "A cruzada fracassada", mostra um obelisco da Praça de São Pedro editado digitalmente, com a bandeira negra do Estado Islâmico tremulando em seu topo.
Vestindo o macacão alaranjado semelhante aos uniformes dos presidiários de Guantánamo, que já se tornou praticamente uma “marca registrada” dos reféns deste grupo terrorista, Cantlie declarou de frente para uma câmera que as potências ocidentais estão se preparando para uma terceira guerra do Golfo e acrescentou que o Estado Islâmico (EI) vem crescendo a tal ponto que "nem sequer o exército norte-americano, que é a polícia do mundo, será capaz de contê-lo".
Cantlie manda, no vídeo, uma aparente resposta aos líderes muçulmanos que condenaram o EI como “organização herética e assassina”. Ele afirma: “Aqueles que leram o alcorão, inclusive os cristãos, sabem que existe apenas uma sharia; não existem ramos diferentes".
Imagina-se que Cantlie esteja se pronunciando sob coação, mas, na última edição da revista online “Dabiq”, uma publicação digital de propaganda do EI, o refém afirma que as suas palavras são dele mesmo. Uma observação feita com frequência, escreve ele, "é a de que os vídeos seguem um ‘script’ e que talvez eu não tenha escolha quanto ao seu conteúdo".
"Mas isto", prossegue ele no artigo, "não é verdade. Os ‘mujahidin’ [combatentes islâmicos, ndr] sugerem temas iniciais, eu escrevo os roteiros, entrego a eles para fazerem os ajustes necessários e depois os vídeos são filmados. É tudo muito rápido: os oito primeiros vídeos foram escritos, aprovados e filmados em apenas 12 dias. Os mujahidin são assim: eles fazem rápido cada trabalho e passam para a próxima tarefa".
O fato de que o grupo terrorista Estado Islâmico publique uma revista online pode parecer bizarro, mas mostra, como observou o filósofo John Gray na BBC em julho, o quanto este fenômeno é peculiarmente moderno: é uma seita milenarista violenta, “que se dedica à construção de uma nova sociedade a partir do zero”, e que tem mais em comum com os movimentos revolucionários modernos do que com os seus antepassados medievais. “Não há nada de medieval”, diz ele, “nesta mistura de empresa implacável, selvageria bem propagandeada e organização criminosa transnacional”.
Infelizmente, o EI parece pensar de outro modo. Andrew Salzmann, da Universidade Beneditina, argumenta no “Small Wars Journal” que o EI parece "reencenar os primórdios do islã para tentar estabelecer a sua legitimidade entre os povos do Oriente Médio". Salzmann diz que o crescimento do EI tem apresentado características comumente reconhecidas do surgimento do islã, emulando o estilo de guerra de Maomé. "Embora a estratégia militar não seja um ‘artigo de fé’, a sharia fundamenta a sua própria validade na crença de que as ações do profeta Maomé, precisamente por causa da sua excelência em obedecer a Deus, merecem ser imitadas pelos seus seguidores".
Parece fazer sentido, assim, que o nome da revista do EI tenha sido inspirado por um “hadith”, ou ditado tradicional muçulmano, que proclama que "a última hora não virá até que os romanos tenham chegado a al-Amaq ou Dabiq", geralmente identificada com a cidade de Dabiq, no norte da atual Síria.
A revista “Dabiq” está repleta de referências a Roma e aos cruzados. Em vários pontos, ela cita um discurso do porta-voz oficial do EI, o xeque Abu Muhammad al-‘Adnānī ash-Shami, que exorta os combatentes a "estarem prontos para a campanha final dos cruzados", ao mesmo tempo em que proclama ao Ocidente: "Nós vamos conquistar a sua Roma, destruir as suas cruzes e escravizar as suas mulheres com a permissão de Alá, o Altíssimo". Como ilustração desse texto, uma imagem da Praça de São Pedro traz a legenda “Vamos conquistar a sua Roma”. A capa da revista, com a manchete "A cruzada fracassada", mostra um obelisco da Praça de São Pedro editado digitalmente, com a bandeira negra do Estado Islâmico tremulando em seu topo.
Para o historiador Tom Holland, a “Dabiq” reflete o mundo que ele
descreve em seu livro “In the Shadow of the Sword: The Birth of Islam
and the Rise of the Global Arab Empire” [“À sombra da espada: o
nascimento do islã e a ascensão do império árabe global”]. Ele destaca o
artigo "O renascimento da escravidão antes que chegue ‘A Hora’", no
qual explica de que modo o EI procura justificar a escravização do povo
yazidi com base no que se conhece comumente sobre a vida de Maomé.
O artigo afirma que "as famílias yazidis escravizadas estão sendo
vendidas pelos soldados do EI do mesmo jeito que os ‘mushrikin’ eram
vendidos pelos ‘Companheiros’ antes deles", em referência à crença de
que os primeiros seguidores de Maomé escravizavam quem era considerado
“infiel”.
"É chocante e aterrorizante", diz Holland, "que a confiabilidade ou não das fontes sobre o começo do islã
tenha se tornado uma questão de vida ou morte para os yazidis. Não
podemos ter certeza suficiente sobre o que Maomé realmente fez;
portanto, [essas suposições] não podem servir de base para justificar o
que o EI está fazendo hoje". Obviamente, diz Holland, nada poderia ser
suficiente para justificar ações desse tipo, mas, "para os crentes
muçulmanos, elas podem parecer justificadas".
Ressaltando que, até o surgimento do EI, "a esmagadora maioria dos
muçulmanos aceitava que o tempo da escravidão já tinha ficado para
trás", Holland conta que, quando escreveu sobre a escravidão imposta
pelos exércitos do primeiro califado, "jamais imaginei que ela
aconteceria novamente".
"Em última análise", diz ele, "a melhor maneira de acabar com este
recrudescimento da escravidão é que as suas bases teológicas sejam
demolidas pelos próprios estudiosos muçulmanos".
Abordando as ações do Estado Islâmico num artigo recente para o
“think tank” ecumênico “Theos”, Holland declara que não é suficiente
"apenas insistir em dizer que o islã é uma religião de paz e deixar tudo
por isso mesmo".
"Os estudiosos muçulmanos", afirma, "têm a
responsabilidade urgente de mostrar, nos mais minuciosos pormenores,
onde e por quê exatamente os jihadistas estão errados. Assim como os
intelectuais cristãos, no tocante ao Holocausto, foram obrigados a
enfrentar as interpretações nocivas que alguns grupos faziam do Novo
Testamento e recalibrar o seu entendimento teológico, assim também os
seus colegas muçulmanos de hoje precisam resgatar as próprias escrituras
da selvageria que está denegrindo a imagem da sua religião".
Recentes trabalhos históricos sobre as origens do islã podem ajudar
neste sentido. Holland cita o professor Fred Donner, da Universidade de
Chicago: "Aqueles de nós que estudam as origens do islã têm de admitir
coletivamente que simplesmente não sabemos algumas coisas muito básicas
sobre o alcorão; coisas tão básicas que o conhecimento delas é
geralmente dado por certo pelos estudiosos que lidam com outros textos".
"Quando as evidências daquilo que o Maomé histórico disse e fez são
tão desiguais", observa Holland, "e quando as explicações tradicionais
sobre o surgimento do alcorão são tão contestadas, vai ficando cada vez
mais difícil insistir em dizer que a herança das escrituras islâmicas
não é completamente contingente".
Foi só nas últimas décadas que os estudiosos entenderam que muito
pouca coisa pode ser conhecida sobre o nascimento do islã. À medida que a
consciência desta ignorância se espalha, os muçulmanos
podem enxergar os seus textos sagrados de forma diferente. Se os
muçulmanos reconhecerem que as histórias contadas sobre Maomé surgiram
dentro de um contexto e de um período histórico específico e se sentirem
livres para interpretar o alcorão fora dos limites da exegese
tradicional, uma nova forma de islamismo deverá surgir, diz Holland: e
nela, presume e deseja ele vivamente, "não haverá mais lugar para as
decapitações rituais".
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