[ipco]
Quando você expõe um argumento
racionalmente, com todo rigor metodológico, apresentando fontes
primárias, documentação farta, e o seu interlocutor lhe fixa o rótulo de
“fundamentalista”, inicialmente você tolera, mas depois começa a
desconfiar que a recorrência da ideia não é casual…
De fato, hoje em dia, quanto mais uma pessoa repete chavões como quem pontifica infalivelmente, respaldado pelo chorum
uníssimo da coletividade, mais é necessário averiguarmos qual a origem
do bordão, essa sim, quase sempre infalivelmente ignorada pelo acusador.
O
termo em questão foi uma invenção de teólogos conservadores
presbiterianos e batistas que, por volta de 1910, para se distinguirem
de teólogos “liberais”, acabaram por se autodenominarem
“fundamentalistas”.
Contudo, a noção
de “fundamentalismo” sofreu uma mutação, e esta sua nova acepção foi
criada propositalmente para liquidar com a resistência religiosa ao
secularismo-laicismo imposto pelos agentes globalistas com sua nova
ética relativista.
Numa obra muito
conhecida sobre o tema, Karen Armstrong afirma que o “fundamentalismo” é
um fenômeno recente, característico do final do século passado.
“Um
dos fatos mais alarmantes do século XX foi o surgimento de uma devoção
militante, popularmente conhecida como ‘fundamentalismo’, dentro das
grandes tradições religiosas. Suas manifestações são às vezes
assustadoras. Os fundamentalistas não hesitam em fuzilar devotos no
interior de uma mesquita, matar médicos e enfermeiras que trabalham em
clínicas de aborto, assassinar seus presidentes e até derrubar um
governo forte. Os que cometem tais horrores constituem uma pequena
minoria, porém até os fundamentalistas mais pacatos e ordeiros são
desconcertantes, pois parecem avessos a muitos dos valores mais
positivos da sociedade moderna. Democracia, pluralismo, tolerância
religiosa, paz internacional, liberdade de expressão, separação entre
Igreja e Estado – nada disso lhe interessa” (Karen Armstrong, Em nome de Deus. O Fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo, Companhia das Letras, São Paulo, 2009, p. 9).
Pouco
mais abaixo, a autora explicita ainda mais o motivo pelo qual seria
necessário enquadrar os tais “fundamentalistas”: “Em meados do século XX
acreditava-se que o secularismo era uma tendência irreversível e que
nunca mais a fé desempenharia um papel importante nos acontecimentos
mundiais. Acreditava-se que, tornando-se mais racionais, os homens já
não teriam necessidade da religião ou a restringiriam ao âmbito pessoal e
privado. Contudo, no final da década de 1970, os fundamentalistas
começaram a rebelar-se contra essa hegemonia do secularismo e a
esforçar-se para tirar a religião de sua posição secundária e
recolocá-la no centro do palco” (Ibidem, p. 10).
Em
outras palavras, a preocupação fundamental da autora é assegurar aos
agentes secularistas que continuem expandindo-se vorazmente, corroendo
as raízes religiosas do ocidente, confinando os “religiosos” em sua
intimidade até que os mesmos sejam totalmente aniquilados, e o homem
pós-moderno possa continuar sendo alvo de um projeto
pseudo-civilizatório irreligioso.
“No início de seu monumental Projeto Fundamentalista,
em seis volumes, Martin E. Marty e R. Scott Appleby afirmam que todos
os ‘fundamentalismos’ obedecem a determinado padrão. São formas de
espiritualidade combativas, que surgiram como reação a alguma crise.
Enfrentam inimigos cujas políticas e crenças secularistas parecem
contrarias à religião. Os fundamentalistas não vêem essa luta como uma
batalha política convencional, e sim como uma guerra cósmica entre as
forças do bem e do mal. Tentam aniquilá-lo e procuram fortificar sua
identidade sitiada através do resgate de certas doutrinas e práticas do
passado. Para evitar contaminar-se, geralmente se afastam da sociedade e
criam uma contracultura; não são, porém, sonhadores utopistas.
Absorveram o Racionalismo pragmático da modernidade e, sob a orientação
de seus líderes carismáticos, refinam o ‘fundamental’ a fim de elaborar
uma ideologia que fornece aos fiéis um plano de ação. Acabam lutando e
tentando ressacralizar um mundo cada vez mais cético” (Ibidem, p. 11).
A
obra citada por Karen Armstrong é a maior enciclopédia sobre o
“fundamentalismo”, composta em cinco volumes, escrita ao longo de quatro
anos e conduzida sob os auspícios de – nada mais, nada menos que – a Fundação MacArthur, que patrocina centenas de projetos de pesquisa científica.
Trata-se
de uma ação coordenada e inteligente para bloquear a resistência
religiosa à Nova Ordem Mundial pela via da estigmatização verbal:
qualquer tipo de pretensão pública da religião ou das pessoas religiosas
deve ser taxada implacavelmente como “fundamentalista”.
Para
eles, a religião deve ser aprisionada na vida privada, até desaparecer
por completo. Toleram momentaneamente conviver com ela, desde que se
restrinja à intimidade de cada indivíduo e não tenha nenhuma incidência
na coletividade. E tudo em nome de um secularismo que precisa se impor, a
despeito da reação espontânea do povo, que anseia pela transcendência,
pela espiritualidade.
O pior é que
muitos que se presumem espertos, até mesmo dentro da Igreja, acabam por
apregoar justamente este conceito, construído para exterminá-los. Caíram
numa armadilha preparada justamente para não ser percebida, e caíram
feito patinhos. Sucumbiram à sua própria ausência de fundamentos e,
chamando os outros de “fundamentalistas”, não perceberam que foram
induzidos a fazê-lo e que o uso indiscriminado do termo
“fundamentalismo” favorece unicamente um esquema de poder.
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