[unisinos]
Dado que o Vaticano é uma instituição global, compreendê-lo exige
muitas vezes uma familiaridade com línguas estrangeiras. O italiano é
importante, o latim ainda ajuda e, na era do Papa Francisco, o espanhol nos auxilia e muito – especialmente o “porteño”, versão do espanhol falado na Argentina, terra natal de Bergoglio.
Talvez o idioma mais desafiador, no entanto, é o que poderíamos chamar de “vaticanês”,
com o que se quer dizer um conjunto de termos e frases frequentemente
desconcertantes que tomam forma a todo instante e que, em geral, só
possuem sentido claro aos “iniciados”.
O comentário é de John L. Allen Jr., jornalista, em artigo publicado por Crux, 15-01-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Um termo que recentemente entrou para o léxico é o “lobby gay”, tendo surgido durante o primeiro escândalo de vazamentos de documentos sigilosos sob o comando do Papa Bento XVI em 2012 e que ainda pululam as manchetes da imprensa italiana.
Logo após a sua eleição, Francisco teria dito que precisava “ver o que podemos fazer” sobre este “lobby gay” em uma sessão informal junto aos líderes das ordens religiosas masculinas. Mais recentemente, o Cardeal Oscar Rodriguez Maradiaga, coordenador do Conselho dos Cardeais, disse em entrevista a um jornal existir, realmente, um tal “lobby gay” e que Francisco está tentando desfazê-lo aos poucos.
E aqui vem o que confunde a todos: quando os italianos dizem “lobby gay”,
eles não querem dizer lobby no sentido político convencional e, em
geral, não querem dizer “gay” no sentido sexual estritamente.
Em geral, um “lobby” é um grupo de pressão política
com um conjunto claro de objetivos. Como exemplo podemos citar a luta
contra o controle de armas empreendida pela Associação Nacional de Rifles (National Rifle Association), ou a defesa dos direitos abortistas do grupo Parentalidade Planejada (Planned Parenthood), ambas nos EUA.
No entanto, quando os italianos dizem existir um lobby gay no
Vaticano, eles não têm em mente um grupo organizado com o objetivo de
mudar o ensino católico sobre a homossexualidade ou o matrimônio homoafetivo.
Diferentemente, o que querem dizer é uma rede informal, vagamente
organizada, de sacerdotes que apoiam uns aos outros, guardam os seus
segredos e ajudam-se na subida da ladeira. Tem-se que o grupo possui um
interesse em frustrar as tentativas de reforma, posto que eles se
beneficiam do sigilo e do modus operandi da velha guarda.
É chamado de “gay” porque, segundo consta, a homossexualidade
de uma autoridade vaticana pode ser um segredo muito poderoso,
especialmente se a pessoa é sexualmente ativa, e a prática de ameaçar
expô-la pode ser uma maneira eficiente de mantê-lo na linha.
Dificilmente esta é a única possibilidade, no entanto, e, de qualquer
forma, a ênfase não está no sexo, mas no sigilo, bem como na impressão
de as pessoas receberem promoções ou de decisões estarem sendo feitas
com base em favorecimentos pessoais.
Isso não quer dizer que a percepção de uma presença generalizada de
gays no clero não seja parte importante do quadro geral, em especial à
luz do furor em torno do monsenhor polonês Krzysztof Charamsa, ex-autoridade vaticana que assumiu sua homossexualidade na dianteira de um polêmico Sínodo dos Bispos sobre a família.
De qualquer forma, as especulações sobre um “lobby” não estão, de
fato, sobre a orientação sexual, mas na impressão de um sistema em que
as pessoas que vivem vidas pessoalmente conflitivas vão cuidar umas das
outras. Nesse sentido, o termo “lobby gay” é sinônimo de corrupção, sigilo e um tipo imoral de proteção pessoal.
Pensemos da seguinte maneira: suponhamos que você tenha duas
autoridades vaticanas, um das quais é um defraudador e o outro, uma
pessoa que fez acordos dúbios para ser promovido. Eles acabam sabendo
dos segredos um do outro, e forjam um pacto de se ajudarem para expandir
a sua influência.
A maioria dos italianos diriam que eles são membros do “lobby gay”, muito embora nenhum dos envolvidos sejam gays.
Assim, por exemplo, quando apresentam a teoria conspiratória popular de que o Papa Bento XVI foi destituído pelo “lobby gay”, eles não querem dizer um grupo que visou Bento com base nas opiniões dele sobre os direitos homoafetivos, ou que havia somente sacerdotes gays envolvidos.
Em vez disso, querem dizer que uma velha rede sombria estava aflita com o desejo de Bento
pela “purificação”, e fizeram o que puderam para dificultar o seu
papado e sabotá-lo; alguns membros dessa rede podem ser gays, mas
certamente nem todos o são.
É esse o sentido no qual muitos italianos ainda se veem convencidos de que Paolo Gabriele, o ex-mordomo papal condenado e, mais tarde, perdoado por furtar documentos da mesa de Bento e vazá-los a jornalistas, foi um bode expiatório agindo para o “lobby gay”.
Da mesma forma, quando as pessoas – às vezes incluindo o próprio pontífice – dizem que Francisco
está tentando erradicar o “lobby gay”, não estão querendo dizer que ele
está lançando uma caçada às bruxas contra o clero gay, ou que ele está
traçando limites contra qualquer alteração na doutrina.
Diferentemente disso tudo, em vaticanês “lobby gay” é um termo amplo para significar todo o tipo de corrupção
e ajuda mútua, e erradicá-lo significa uma busca por transparência,
responsabilização e fazer as coisas à luz do dia, em vez de fazê-las sob
o véu da escuridão.
Em resumo: o suposto “lobby gay” do Vaticano não é
um lobby, e não diz respeito exclusivamente aos gays. Não é de se
maravilhar, no entanto, que este termo acabe confundindo os que não
acompanham de perto a cidade-Estado... e, às vezes, até mesmo os que o
acompanham.
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