[unisinos]
Na perspectiva evolutiva, a teologia interpreta a presença do mal
de modo diferente. As criaturas, pela sua estrutura temporal, podem
acolher a perfeição somente em pequenos fragmentos na sucessão de
eventos sucessivos. Cada criatura material está em devir e, como tal,
não só é limitada, mas também incompleta.
A análise é do teólogo italiano Carlo Molari, padre e ex-professor das universidades Urbaniana e Gregoriana de Roma, em artigo publicado na revista Rocca, n. 3, 01-02-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O ano jubilar da misericórdia repropôs a reflexão sobre o pecado e sobre a redenção. Recentemente, o Papa Francisco, falando do batismo, também relembrou a doutrina tradicional do pecado original.
Acho útil retomar a reflexão para favorecer um desenvolvimento da
doutrina de fé. Essa é precisamente a tarefa da teologia e corresponde à
indicação precisa da constituição pastoral do Concílio Vaticano II, em que se afirma: A Igreja "aprendeu, desde os começos da sua história, a formular a mensagem de Cristo
por meio dos conceitos e línguas dos diversos povos, e procurou
ilustrá-la com o saber filosófico. Tudo isso com o fim de adaptar o
Evangelho à capacidade de compreensão de todos e às exigências dos
sábios. Essa maneira adaptada de pregar a palavra revelada deve
permanecer a lei de toda a evangelização" (GSp 44 EV 1, 1.461).
Paulo VI, no discurso do dia 11 de julho de 1966 aos
teólogos reunidos para um simpósio sobre o pecado original, também
expressou a convicção de que "bispos e sacerdotes não podem desempenhar
dignamente a sua missão de iluminação e de salvação do mundo moderno, se
não forem capazes de apresentar, defender e ilustrar as verdades da fé
divina com conceitos e palavras mais compreensíveis às mentes formadas
pela atual cultura filosófica e científica" (Paulo VI). Sobre o pecado
original, o esclarecimento que a teologia desenvolveu ainda não foi
difundido.
As contradições do Catecismo da Igreja Católica
A doutrina do pecado original da forma como está exposta no Catecismo da Igreja Católica
(1992) contém elementos contraditórios. Várias vezes no catecismo se
levanta a interrogação sobre a presença do mal: "E se o mundo provém da
sabedoria e da bondade de Deus, qual a razão do mal? De onde ele vem?
Quem é responsável por ele? E será que existe uma libertação dele?" (n.
284). "Se Deus Pai todo-poderoso, Criador do mundo ordenado e bom, tem
cuidado com todas as suas criaturas, por que o mal existe?" (n. 309).
"Por que Deus não criou um mundo tão perfeito que nenhum mal pudesse
existir nele?" (n. 310).
A resposta do Catecismo é complexa e permanece
ancorada no modelo estático segundo o qual as criaturas humanas foram
constituídas desde o início em um estado de perfeição, e só o evento do
pecado dos anjos e, depois, dos seres humanos teria introduzido o mal no
âmbito das criaturas.
A encarnação do Verbo e o nascimento de Jesus também são explicados como eventos condicionados pelo pecado original. Na primeira parte, o Catecismo
resume as etapas da história da salvação e admite a dificuldade da
resposta ao problema do mal: "A essa questão, tão premente como
inevitável, tão dolorosa como misteriosa, não é possível dar uma
resposta rápida e satisfatória. É o conjunto da fé cristã que constitui a
resposta a essa questão: a bondade da criação, o drama do pecado, o
amor paciente de Deus que vem ao encontro do homem pelas suas alianças,
pela Encarnação redentora de seu Filho, pelo dom do Espírito, pela
agregação à Igreja, pela força dos sacramentos, pelo chamamento à vida
bem-aventurada, à qual as criaturas livres são de antemão convidadas a
consentir, mas à qual podem, também de antemão, negar-se, por um
mistério terrível. Não há nenhum pormenor da mensagem cristã que não
seja, em parte, resposta ao problema do mal" (n. 309).
Posteriormente, o Catecismo recorre ao modelo
evolutivo, mas de modo insuficiente. De fato, ele escreve: "No seu poder
infinito, Deus podia sempre ter criado um mundo melhor (em nota,
refere-se a Tomás de Aquino, Summa theologiae,
I, 25, 6). No entanto, na sua sabedoria e bondade infinitas, Deus quis
livremente criar um mundo 'em estado de caminho' para a perfeição
última. Esse devir implica, no desígnio de Deus, juntamente com o
aparecimento de certos seres, o desaparecimento de outros; o mais
perfeito, com o menos perfeito; as construções da natureza, com as suas
destruições. Com o bem físico também existe, pois, o mal físico,
enquanto a criação não tiver atingido a perfeição (cita-se São Tomás de Aquino, Summa contra gentiles , 3, 71)" (n. 310).
Essa última reflexão do Catecismo também é citada pelo Papa Francisco na encíclica Laudato si':
"De certa maneira, [Deus] quis limitar a Si mesmo, criando um mundo
necessitado de desenvolvimento, onde muitas coisas que consideramos como
males, perigos ou fontes de sofrimento, na realidade, fazem parte das
dores de parto que nos estimulam a colaborar com o Criador" (n. 80; na
nota 49, escreve: "O Catecismo ensina que Deus quis criar um mundo em
caminho para a perfeição última, o que implica a presença da imperfeição
e do mal físico").
Desse modo, a imperfeição da criação é atribuída a uma misteriosa
livre escolha de Deus, que, embora podendo criar o mundo perfeito, teria
preferido, em vez disso, criá-lo incompleto e, por isso, em devir.
No entanto, quando se defronta a reflexão sobre a criação do ser humano, o Catecismo parece esquecer essa admissão e defende que, com o ato criativo de Deus, "Adão e Eva
foram constituídos em um estado de santidade e de justiça originais"
(n. 375), razão pela qual, "enquanto permanecesse na intimidade divina, o
homem não devia nem morrer" (n. 376).
De fato, portanto, o Catecismo atribui o sofrimento e
a morte do ser humano não à sua estrutura incompleta e temporal, mas
sim a uma culpa original sua e, portanto, a uma punição de Deus: "Toda
essa harmonia da justiça original, prevista para o homem pelo plano de
Deus, será perdida pelo pecado dos nossos primeiros pais" (n. 379).
Sublinha-se, assim, a historicidade do evento: "A narrativa da queda
(Gn 3) utiliza uma linguagem feita de imagens, mas afirma um
acontecimento primordial, um fato que ocorreu no princípio da história
do homem (cita-se em nota o Concílio Vaticano II, Gaudium et spes,
13). A Revelação nos dá uma certeza de fé de que toda a história humana
está marcada pela culpa original, livremente cometida pelos nossos
primeiros pais" (n. 390; cita-se em nota o Concílio de Trento, DS1513; Pio XII, Enc. Humani generis: DS 3897; Paulo VI, alocução do dia 11 de julho de 1966).
Perspectiva evolutiva
Na perspectiva evolutiva, no entanto, a teologia interpreta a
presença do mal de modo muito diferente. As criaturas, pela sua
estrutura temporal, podem acolher a perfeição somente em pequenos
fragmentos na sucessão de eventos sucessivos. Cada criatura material
está em devir e, como tal, não só é limitada, mas também incompleta.
Enquanto Deus é plenitude total, perfeição integral, a criatura humana é
fragmento em processo. A ação criadora não se sobrepõe nem se substitui
jamais às criaturas, mas as alimenta de dentro, de modo que, "do
próprio seio das coisas, possa brotar sempre algo de novo" (Francisco, Laudato si', n. 80).
O relato do pecado original traduz a descoberta dessa condição e a
sua continuidade na história. Portanto, ele ensina que cada geração
humana incide na geração posterior não só transmitindo a vida, mas
também a poluição acumulada com as escolhas negativas feitas ao longo do
caminho.
É interessante a esse respeito a reflexão de Christian De Duve (1917-2013), prêmio Nobel de Biologia de 1974. No livro Genética do pecado original (Ed.
Cortina, Milão, 2010) ele (em perspectiva ateísta) reflete sobre a
incidência negativa do passado sobre o futuro da humanidade.
Ele escreve: "A seleção natural, esse motor muito poderoso da
evolução, privilegiou nos genes dos nossos antepassados características
que eram imediatamente favoráveis à sua sobrevivência e à sua
reprodução, nas condições vigentes no seu tempo e no seu ambiente, sem
qualquer consideração pelas consequências futuras. Essa é, de fato, uma
propriedade intrínseca da seleção natural: ela não vê nada mais do que o
imediato; o futuro está além do seu horizonte" (p. 171).
Desse modo, a "seleção natural privilegiou características que
favorecem a coesão dentro dos grupos e a hostilidade entre grupos
diferentes" (p. 172), enquanto "não privilegiou a previsão e a sabedoria
necessárias para sacrificar as vantagens imediatas para as exigências
do futuro" (p. 173). "Úteis no passado, em uma certa fase da nossa
evolução, essas características se tornaram nocivas. Elas constituem um
fardo natural que assumimos no nascimento" (p. 173) e que "agora podemos
anular através da educação" (p. 174).
No horizonte da fé em Deus, a garantia da salvação está na
possibilidade de desenvolver a vida espiritual, de acolher a energia
criadora e de traduzi-la em resistência aos impulsos instintivos
violentos. A humanidade, agora, parece capaz de desenvolver novos
estilos de vida e formas inéditas de cooperação.
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