Ao analisar o cenário interno e externo
da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana a partir de meados do
século passado, um observador verificará que muita coisa mudou, tendo
sido introduzidas reformas profundas na liturgia, na disciplina, no
comportamento social através do ecumenismo, na teologia, na moral
individual e familiar, na protelação da administração dos sacramentos do
batismo, da crisma, da confissão e da comunhão.
Não
vou me ocupar das particularidades dessas transformações, mas apenas
apontar as manobras sutis e cavilosas propostas por tantos agentes que
operaram no silêncio e na noite, como salteadores e ladrões que se
apoderam dos bens alheios. Houve, igualmente, silêncios enigmáticos,
conscientes e premeditados, visando introduzir nos meios católicos
ideias já condenadas por São Pio X em sua Encíclica Pascendi, no início do século XX.
Como
uma engrenagem bem azeitada, tais mudanças obedeceram a um processo
desde a morte de São Pio X (1914). Os meios católicos foram sendo
modificados paulatinamente, os expoentes contrários ao modernismo foram
afastados de seus cargos e substituídos por outros menos rigorosos e até
defensores de doutrinas heterodoxas. O rigor doutrinário baixou até às
capilaridades, pois até os candidatos ao sacerdócio já se apresentavam
aos seminários contagiados por ideias avessas à sã doutrina.
O
campo se encontrava descuidado e, portanto, apto para que nele
grassassem as ervas daninhas como o joio e a cizânia. Em meados do
século passado, os seminaristas que mais tarde tornar-se-iam párocos e
bispos já se encontravam eivados dos princípios e das doutrinas da
filosofia e da sociologia modernas, conduzindo-os consciente ou
inconscientemente ao marxismo-leninismo então em voga. Cunharam até uma
nova teologia para servir de caudal aos inovadores, chamada de Teologia
da Libertação.
Pregadores começaram a
silenciar verdades fundamentais sobre a salvação eterna, a negligenciar
os Mandamentos da Lei de Deus, as devoções populares como a recitação
do terço, as coroações a Nossa Senhora, as procissões, para se ocuparem
de temas temporais como o bem-estar das pessoas neste mundo,
impregnando-as de ideias socialistas e até mesmo comunistas ao falarem
de fome, de pobreza, de minorias, de marginalizados. O reino de Deus
deveria ser aqui na Terra e agora.
Como
ocorreu esse minucioso e profundo trabalho revolucionário nas fileiras
católicas e em todos os campos da cultura, da arte, da liturgia, dos
costumes, nas maneiras de ser, no interior das famílias, no trato
social, na economia, na política? No campo das ideias, houve a rejeição
da filosofia aristotélico-tomista, cujo valor e grandeza haviam sido
ressaltados por Leão XIII em razão de sua elevação e sublimidade, pois
nem a fé podia esperar que a razão lhe conferisse mais argumentos.
Concomitante
a isso não se ouvia mais a voz dos sinos, que deixaram de vibrar, de
emitir os seus apelos, pois as sentinelas da casa do Senhor deixaram de
vigiar e defender as ovelhas. Minguaram as missões, que pregavam as
verdades eternas e sempre convidavam os fiéis à frequência dos
sacramentos, ao afervoramento religioso e ao combate aos erros e aos
vícios, além de proibir os católicos de qualquer composição com seitas
protestantes.
Pouco a pouco, foram
sendo introduzidos nos salões paroquiais divertimentos profanos como
bailes e danças, com a finalidade de adquirir fundos para obras de
assistência social. As músicas religiosas populares foram substituídas
por outras de sabor protestante e mundanas. Erodidos os bons costumes, a
mentalidade e a espiritualidade de outrora, consubstanciou-se um
abandono de todo o passado glorioso da Santa Igreja que remontava ao
Concílio de Trento e a Constantino.
O
progresso desta implacável revolução só foi possível devido às ideias
luteranas que foram sendo introduzidas nos meios católicos, sempre
apresentadas como perspectivas de modernizar a Igreja, de torná-la mais
aberta, mais democrática e compreensiva em relação àqueles que não
comungavam – e não comungarão nunca, apesar de todas as concessões – com
os princípios emanados do supremo Magistério e a vida da Igreja como um
todo.
Uma análise retrospectiva do
desastre acarretado pelas medidas contemporizadoras da hierarquia
católica leva a concluir que os fiéis teriam reagido energicamente se
desde o princípio tivessem visto para onde a Barca de Pedro estava sendo
conduzida. Se, por exemplo, soubessem que a mentalidade de um Pelágio
ou de um Jansênio voltaria a ter cidadania dentro da Igreja, não se
confiando mais na graça, nos meios sobrenaturais e divinos, para
acreditar apenas nos próprios esforços.
O
silêncio, a ausência de sacerdotes nas paróquias, os leigos cada vez
mais à frente das mesmas e dirigindo a comunidade religiosa, vai-se
acentuando a ideia de que a presença do padre não faz falta, sendo mesmo
desnecessária, podendo ele aparecer apenas em certas ocasiões, pois o
resto o leigo faz. E, diante de tudo isso, concluir o quanto a Igreja se
distanciou de seu passado santo e glorioso, quando o essencial se dava
em torno do altar na celebração da Missa, nas bênçãos do Santíssimo, nas
festas do padroeiro…
A
igreja matriz irradiava a imagem de uma verdadeira família paroquial,
um centro de onde emanava o bem, o fervor, a ortodoxia, a pureza de
costumes; era o ponto monárquico de tudo. Por isso se chamava matriz,
porque mãe de várias capelas que leigos bem formados não deixavam de
frequentar a fim rezar e estudar a doutrina cristã. Outros eram os
tempos, outros os ventos, outros os rumos: a glória de Deus e a salvação
das almas.
O padre estava imbuído de
seu dever sagrado como ministro do Altíssimo, de seu poder
incomparável, por ter sido ordenado sacerdote segundo a ordem de
Melquisedec, sentindo-se capaz de combater o mal e seus agentes, de
abrir as portas do Reino do Céu. É difícil aquilatar o poder que exerce
neste mundo um padre inteiramente fiel à sua missão, pois ele se torna o
sal que salga e a luz que ilumina.
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