[unisinos]
A relação final do último Sínodo sobre a Família, no parágrafo 85 (como se sabe), fala de “acompanhamento” e de “discernimento” com relação aos divorciados recasados,
pois é evidente que nem todas as histórias nem todas as situações são
iguais. No documento, não se fala explicitamente do acesso ao sacramento
da eucaristia: e isto fez alguns afirmarem que nesse texto não existe
nenhuma indicação ou via para readmitir os divorciados, caso por caso;
outros se declararam desiludidos, porque certas propostas de abertura
não foram aprovadas.
A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 22-02-2016. A tradução é de André Langer.
É interessante ler agora um ensaio do bispo de Albano, Marcello Semeraro, intitulado O Sínodo da Família contado à minha Igreja (Edições MiterThev), com o qual o prelado, que participou dos trabalhos do Sínodo e foi um dos relatores do documento final, comunica aos seus padres e fiéis o resultado da última assembleia dos bispos.
No ensaio, o bispo Semeraro insiste sobre o “primado
da graça (o que é como dizer o primado da misericórdia)”, o que implica
“a atenção primária das pessoas, na singularidade e não
‘homologabilidade’ de suas histórias, do caminho de vida de cada um, com
suas feridas e suas misérias, para as quais se dirigem os olhos de
Deus. São olhos de misericórdia, que não se fixaram em primeiro lugar na
lei, para justificar ou culpar, mas na pessoa, para curar e sanar”.
O bispo de Albano, teólogo dogmático, observa: “Esta
passagem da moral da lei à moral da pessoa é de fundamental
importância. Parece-me que foi uma das coisas mais importantes deste Sínodo; sobre as quais o Sínodo
se comprometeu, fazendo uma proposta ao Papa. A questão, em resumo, não
é apenas de questões individuais, mas, primeiro, de enfoque da teologia
moral”.
Com respeito à admissão dos divorciados recasados aos sacramentos, Semeraro escreveu: “O Sínodo
absteve-se de propor ao Papa de maneira simplesmente teórica e abstrata
a questão específica da possibilidade de admissão aos sacramentos da
penitência e da eucaristia dos fiéis batizados que vivem conjugalmente
na condição de divorciados recasados no civil. Pediu para aproximar-se
da pessoa. No entanto, não se esquivou do problema, mas assentou as
bases para uma solução com o fato de ter incluído a questão sobre o
discernimento de imputabilidade justamente nos números que falam deles
diretamente”.
Particularmente interessantes, a respeito, são as notas que acompanham o texto do bispo de Albano. Em uma delas (n. 32), Semeraro
anota: “Estará claro, de qualquer maneira, que as soluções ‘in foro
interno’ não são nada idênticas à simples ‘decisão de consciência’, que
se relaciona exclusivamente com o indivíduo (ou, neste caso, o casal)
diante de Deus; ou seja, vão muito além disso”.
Para evitar os “riscos de uma privatização indevida do acesso à
eucaristia, tanto desde um dualismo entre objetividade doutrinal e
subjetividade moral”, é importante precisar que “o quanto acontece no
foro interno, entendido em sentido próprio, é um verdadeiro processo
(‘foro’) que se desenvolve no âmbito sacramental (‘interior’, ou seja,
no sacramento da reconciliação ou da penitência) que envolve um fiel e
um ministro autorizado da Igreja”.
Na nota seguinte (n. 33), o bispo recorda que “a solução proposta” pelo documento final do Sínodo coincide “com o que foi afirmado, durante o Pontificado de Paulo VI, pela Sacra Congregação para a Doutrina da Fé”.
Refere-se à carta “Haec Sacra Congregatio” de 11 de abril de 1973 sobre
a indissolubilidade do matrimônio, em cujo parágrafo final se lê: “Em
relação à admissão aos sacramentos, os ordinários do lugar queiram, por
um lado, convidar à observância da disciplina vigente na Igreja, e, por
outro, fazer com que os pastores das almas tenham uma particular
preocupação com aqueles que vivam em uma união irregular, aplicando na
solução de tais casos, além de outros meios justos, a aprovada práxis da
Igreja em foro interno”.
Esta resposta da Congregação, aprovada pelo Papa Montini, foi confirmada pela carta de 21 de março de 1975, enviada pelo secretário do ex-Santo Ofício, Jean Jérôme Hamer, ao arcebispo de Chicago, Joseph Louis Bernardin, nessa época presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos.
É interessante notar que no documento da Congregação para a Doutrina da Fé, aprovado por Paulo VI,
fala-se explicitamente da admissão aos sacramentos para aqueles que
vivem em “uma união irregular” e da aplicação da “aprovada prática da
Igreja em foro interno”. Mas sem ulteriores especificações ou
restrições.
Quem considerou acrescentar a cláusula do compromisso de viver “em plena abstinência”, até aquele momento ausente, foi João Paulo II, na homilia de encerramento do VI Sínodo dos Bispos (de 25 de outubro de 1980). Como se sabe, a mesma cláusula foi introduzida pelo próprio Papa Wojtyla no n. 84 da Encíclica Familiares Consortio,
onde o próprio pontífice voltou a propor a importância do discernimento
das diferentes situações, com palavras citadas também no documento final do último Sínodo:
“Saibam os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a
discernir bem as situações. Há, na realidade, diferenças entre aqueles
que sinceramente se esforçaram para salvar o primeiro matrimônio e foram
abandonados de maneira injusta, e aqueles que por grave culpa
destruíram um matrimônio canonicamente válido. Há ainda aqueles que
contraíram uma segunda união com vistas à educação dos filhos, e, às
vezes, estão subjetivamente certos em consciência de que o primeiro
matrimônio, irreparavelmente destruído, nunca tinha sido válido”.
O bispo Semeraro recorda a este respeito que o teólogo moralista Bernhard Häring indicou naquela época qual era a origem desse compromisso de viver a abstinência. “Na prática conciliar – escreveu Häring em 1990, em seu livro Pastoral dos divorciados
– os padres que se casaram, violando a lei do celibato e faltando à sua
promessa, pediam para serem absolvidos por si, na companhia da mãe de
seus filhos (a mulher com a qual se casaram no civil), renunciavam
efetivamente a qualquer relação conjugal e estavam dispostos a viver
‘como irmão e irmã’”.
O compromisso com a abstinência total de relações sexuais era aplicada até o Concílio
para os padres que após terem-se comprometidos a viver em celibato
tiveram filhos e se casaram no civil para garantir a subsistência de
seus descendentes, em uma época na qual ser filhos “ilegítimos”
implicava em graves consequências.
A cláusula restritiva da abstinência total como condição para que os
divorciados recasados possam acessar os sacramentos, que não estava
presente nos pronunciamentos da Congregação para a Doutrina da Fé durante o Pontificado de Paulo VI, apesar de ser repetida “por textos sucessivos” depois da Encíclica Familiares Consortio, agora não aparece na “‘Relatio finalis’ do Sínodo – escreve dom Semeraro.
De acordo com um procedimento próprio da reflexão teológica, esta
decisão é uma modalidade para deixar em ‘aberto’ um texto que o Sínodo quis encomendar a um novo discernimento do Sumo Pontífice”.
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