Por
O Papa Francisco assinou, no dia 19 de Março (dedicado a
São José) um documento denominado exortação pós-sinodal. Este documento
já era esperado como conclusão do Sínodo sobre a Família encerrado no
ano passado.
Podemos dizer que milhares ou milhões de católicos
participaram, mesmo que indiretamente, desse sínodo, pois a todas as
paróquias do mundo foi enviado um conjunto de reflexões e perguntas
(Lineamenta). Diversos grupos e movimentos puderam enviar suas
respostas, que foram consolidadas por dioceses e enviadas ao Vaticano.
Além disso, bispos, sacerdotes e leigos de todo o mundo participaram das
reuniões sinodais.
Por tanto envolvimento dos fiéis e especialmente por se
tratar da família, há grande ansiedade por tal exortação que ainda não
foi divulgada. Contudo, os vários documentos já publicados, como
discursos do Papa durante o sínodo e relatórios, nos fazem esperar que a
exortação venha com grande apelo pastoral e com inovações práticas, mas
sem grandes questões doutrinárias.
Um dos pontos importantes da esperada exortação deve ser a
questão da preparação para o Matrimônio. Parece novidade que a Igreja
venha pedir aprofundamento nisso, mas não é. Já em 1981, na encíclica
Familiaris Consortio, de João Paulo II, a Igreja foi convidada a
estruturar o itinerário de formação em três etapas (você sabe quais
são?). Destas três etapas, não tenho receio em dizer que a grande
maioria dos noivos somente têm contato com uma. Em geral o que acontece
é um curso de fim de semana com palestras sobre alguns temas e,
infelizmente, em data próxima da data da celebração do Matrimônio.
Aquilo que deveria acontecer com antecedência, como um percurso
catequético (Preparação Próxima), ocupou o lugar de outra etapa que é
destinada à uma revisão, oração e preparação da celebração (Preparação
Imediata). Em 1996, o documento Preparação para o Sacramento do
Matrimônio nos ofereceu mais pistas, principalmente sobre o
comprometimento com nossa formação, o conteúdo, a forma e a fidelidade
ao Magistério da Igreja.
Minha esposa e eu estamos nessa missão há mais de 15 anos.
No começo pensávamos estar no caminho certo e talvez até convencidos de
que fazíamos o que a Igreja nos indicava. Mas o fato é que não
conhecíamos quais eram essas indicações e, embora encontrássemos
satisfação por parte dos noivos, percebemos que a Igreja nos pede mais e
de modo diferente. Nosso primeiro questionamento era sobre o conteúdo.
Descobrirmos que a Igreja nos pede um corpo mínimo de conteúdos
enquanto o que encontramos na maioria das paróquias são palestras
desconexas e até, por algumas vezes, contrárias ao Magistério da Igreja.
E isso sob a tutela de palestrantes que pensam ter mais experiência e
sabedoria que a Igreja, esta guiada pelo Espírito Santo. Ou preferem
ganhar algumas salvas de palmas e escutarem o salão tremer em risadas de
aprovação de suas piadas que paganizam o sagrado e fazem os noivos
esquecerem que o Matrimônio é muito mais que um fato social, é um
sacramento.
Em minhas viagens pelo Brasil, assessorando equipes de
preparação para o Matrimônio, é comum encontrar pessoas de muita boa
vontade, mas que atuam há anos, talvez há décadas nesta pastoral sem
nunca ter estudado os capítulos sobre Matrimônio de nosso Catecismo, das
encíclicas e de documentos como o Preparação para o Sacramento do
Matrimônio (que completa 20 anos em 2016!). Este mesmo documento, ainda
desconhecido, indica que os agentes que atuam com noivos sejam pessoas
de “doutrina segura e fidelidade indiscutível ao Magistério da Igreja”. É
comum em assembleias estaduais com duas a três centenas de pessoas,
encontrar de dez a vinte que sabem da existência de tais documentos.
O segundo ponto de nosso questionamento foi sobre a forma.
Como trabalhar temas profundos e algumas vezes complexos em forma de
palestras? Encontramos eco também nos documentos citados. Eles são
unânimes em dizer que é preciso “tempo e cuidados necessários”
para a realização da Preparação Próxima (os nossos cursos ou encontros).
Há anos me questionava como poderíamos dizer que trabalhávamos com
noivos fazendo, de vez em quando, uma palestra? E, em geral, a mesma
palestra utilizando a mesma ficha amarelada ou o mesmo “power point”
onde até sabemos a hora em que vão rir ou chorar…. O pior disso tudo é
considerar normal que um casal seja o responsável pelo mesmo tema de
palestra durante anos e passe distante de outros temas. Mas, se são
casados, deveriam ser capazes de partilhar qualquer um dos temas da vida
de casados, não? Casos mais delicados são encaminhados aos
especialistas, mas os agentes devem ter noções ( e vivência) gerais,
como um médico generalista.
O Papa Francisco, em 18 de Fevereiro, lamentou: “para um
Sacramento que é para toda a vida, três, quatro palestras…” Ele
demonstra claramente a preocupação com o que tem acontecido. Mas,
repito, não acontece por falta de orientação. A Igreja, seja o Vaticano
como também a CNBB, oferece orientações e subsídios, resta-nos buscar
formação.
Talvez você possa estar no coro daqueles que dizem que não
dá pra mudar, pois os noivos não aceitariam fazer nada diferente do que
já acontece. Ou ainda seu pároco (ou talvez o senhor mesmo, se for um
sacerdote) pode pensar que reunir os noivos por algumas horas já seja
uma vitória neste mundo corrido e, por isso, que se mantenha como está.
Pode ser uma vitória manter em funcionamento os cursos da
forma como acontecem, mas mantê-los assim com a justificativa que
ninguém aceitaria mudanças é, me desculpe a sinceridade, história para
boi dormir… Ora, estamos falando de sacramento! Por acaso, se os
vocacionados ao seminário começarem a dizer que desistem do sacerdócio
por não aceitarem tantos anos de estudo, deveríamos reduzir a formação
do padre para um ou dois anos?? Da mesma forma, se os noivos chegam com
essa desculpa, estão mais uma vez provando que não entenderam o que é o
Matrimônio. Nivelar por baixo pode ser cômodo e pode agradar a gregos e
troianos, mas não é a solução.
Pode acontecer que o devido valor e cuidado com a
preparação do Matrimônio resultem em menor número de matrimônios, num
primeiro momento. Alguns vão dizer que não querem mais se casar na
Igreja pelas dificuldades que colocamos. Nós colocamos? Dificuldades são
as modas que a sociedade consumista e exibicionista impõem e estes
noivos as absorvem com se fossem regras. Que sejam em menor número, mas
com certeza serão de melhor qualidade…
No Brasil, várias paróquias e dioceses inteiras já investem
na mudança estrutural há anos. Temos casos até de dioceses que, por
decreto episcopal, ficou proibida a realização dos tradicionais
encontros/cursos de fim de semana, e isso na década de 90! Há diversas
experiências positivas de muitos anos com equipes que buscam a
fidelidade nos temas e na estrutura, realizando vários encontros com os
noivos. Assim permitem melhor entendimento sobre o Matrimônio, além de
gerar vínculo entre os agentes e os noivos.
Além disso, a equipe de agentes tende a aumentar. Neste
modelo não precisamos de casais que falem em público e façam palestras, o
que treme as pernas de muitos casais aptos a colaborar. Se aproximarão
da equipe outros casais que, no modelo de partilha em pequenos grupos,
se sentirão à vontade para partilhar, apoiados por um material ou guia
para as reuniões.
Mas isso exige compromisso. Ao invés de fazer algumas horas
de palestras por ano, nos encontramos quase semanalmente com os noivos.
Terminamos uma turma e já começa outra. É perseguir o compromisso da
“Igreja em saída”. No primeiro relatório do Sínodo em Outubro de 2014
já tínhamos a indicação da necessidade de um “maior compromisso na
preparação dos noivos para o Matrimônio”. Compromisso de todos, dos
próprios noivos, dos leigos e do clero.
O relatório final do Sínodo destaca a palavra acompanhar
que é bem diferente de fazer palestras: “Os percursos de preparação para
o matrimónio sejam propostos também por cônjuges capazes de acompanhar
os nubentes antes do casamento e nos primeiros anos de vida
matrimonial.” (parágrafo 58 do relatório final do Sínodo 2014-2015). E o
documento base, um desconhecido de nossas equipes, orienta que ”…serão
necessários encontros frequentes, num clima de diálogo, de amizade, de
oração, com a participação de pastores e de catequistas”.(PSM37)
Me permita relatar nossa experiência, a de um casal que
buscava servir no formato tradicional por mais de 10 anos e realizamos a
transição ao modelo de acolhimento, onde nos encontramos com os noivos
uma vez por semana em reuniões que duram aproximadamente 1h30.
Desconfiança, insegurança e outros sentimentos estiveram presentes
diante das mudanças. Mas se Igreja nos pede isso, não pode dar errado. E
não deu!
De início, em nossa paróquia, funcionaram os dois modelos e
mesmo havendo o modelo tradicional, que logo resolve a necessidade dos
noivos de ter o tal certificado, tínhamos noivos interessados nos
encontros por acolhimento. O interesse deles era fruto de uma boa
propaganda, principalmente por parte do pároco e vigário que
recomendavam aos noivos com os quais tinham oportunidade de conversar.
Ao fim de um ano, o pároco se mostrou favorável a não mais oferecermos o
modelo condensando em fim de semana, fruto da diferença percebida por
ele ao conversar com noivos oriundos dos dois modelos. Hoje realizamos a
Preparação Próxima em 12 encontros.
Em nossa cidade há várias paróquias. Próximo à nossa, a
poucos minutos, encontramos outras paróquias que oferecem os
encontros/cursos no modelo de 1, 2 ou 3 noites. Chegamos a pensar que os
noivos buscariam tais opções. Investimos na informação com folhetos,
muitos avisos nas missas e nos programas de rádio, além da boa
propaganda boca a boca. Resultado: começamos a primeira turma do ano,
que vai de Fevereiro a Maio, com 12 casais, o que significa um número
próximo ao que tínhamos no modelo de fim de semana.
Nos informes, devemos avisar de forma clara e insistente
que a preparação para o Matrimônio deve ser buscada com antecedência
mínima de 6 meses da data do casamento. Ideal que seja antes mesmo de
definir a data, pois faz parte do processo de discernimento.
Eu sei que nem todos poderão fazer desta forma e teremos
várias exceções. Mas eles devem ser tratados como exceções, com
disponibilidade de nossa parte e da paróquia, mas não devem virar
regras.
Nosso discurso é sempre afiado ao dizermos que a família
corre perigos, que os Matrimônios estão fracos, que os jovens não têm
preparo suficiente e tantas coisas mais. Nossa prática precisa reagir ao
nosso discurso. Precisamos buscar aprofundamento no cuidado com aqueles
que caminham em direção ao Matrimônio.
Se você colabora na preparação de noivos, precisa refletir
sobre isso. Se seu pároco não quer nem falar sobre isso, sugiro uma boa
conversa começando com o que nos diz o Papa Francisco:“A pastoral em
chave missionária exige o abandono deste cômodo critério pastoral:
“fez-se sempre assim”. Convido todos a serem ousados e criativos nesta
tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos
evangelizadores das respectivas comunidades”. (Papa Francisco, Evangelli
Gaudium, 2013).
Paz e bem!
***
André Parreira (alparreira@gmail.com),
da diocese de São João del-Rei-MG, é autor de livros sobre namoro,
Matrimônio e família. É responsável no Brasil pelo DVD “Sim, Aceito!”.
Professor, empresário, casado e pai de 7 filhos, atua na formação
jovens, casais e agentes de pastoral em todo o país. É colunista
colaborador do ZENIT e também escreve para outros veículos católicos e
laicos.
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