Na Síria, seguindo os passos de Cristo e dando a vida pelos irmãos
[zenit]
Por Federico Cenci
Frei Ibrahim Alsabagh, pároco de Aleppo dos Latinos, conta como é vivida a fé na Síria cinco anos depois do início da guerra
Foi em 15 de março de 2011 que explodiu a guerra na Síria, cujo
estopim foram as manifestações contra o regime de Bashar al-Assad. Cinco
anos depois, o resultado é devastador. As vítimas fatais são mais de
270 mil. Pelo menos metade da população foi forçada a fugir da própria
terra. Um país que foi próspero e pacífico está hoje arruinado.
Símbolo da catástrofe é a enorme extensão de poeira e esqueletos de
edifícios a que se reduziu a cidade de Aleppo. Patrimônio mundial da
UNESCO e antiga capital industrial da Síria, ficou desde 2012 no centro
de uma batalha obstinada entre o exército sírio regular e seus aliados,
por um lado, e, por outro, as várias milícias jihadistas e os opositores
do Exército Sírio Livre.
Neste atoleiro bélico, a fé resiste como chama que aquece o coração,
mantida graças à assistência espiritual e humana de muitos, entre os
quais os sacerdotes católicos. O pároco da comunidade latina de Aleppo, o
damasceno frei Ibrahim Alsabagh, explica a ZENIT qual é a situação
atual e o que leva os líderes espirituais a desafiar a morte para se
manterem fiéis ao seu rebanho.
***
ZENIT: Pe. Ibrahim, qual é a situação atual de Aleppo? A trégua está dando resultados positivos?
Pe. Ibrahim: Nos últimos dias a água voltou a várias
áreas. Para nós é um grande sinal de esperança, depois de mais de
cinquenta dias sem. Várias milícias aderiram à trégua e a respeitam,
enquanto outras milícias continuam lançando mísseis contra as casas e
estradas. Há eletricidade durante poucas horas por dia, mas isto já é um
grande acontecimento depois de cinco meses sem luz. Em suma, a situação
hoje é bem melhor do que um mês atrás. Mas esperamos uma trégua mais
longa e em paz. As pessoas que vivem no sofrimento há mais de cinco anos
não aguentam mais.
ZENIT: Como é que a comunidade cristã de Aleppo vive a quaresma no contexto desta guerra?
Pe. Ibrahim: Como católicos, nós aceitamos o convite
da carta da quaresma do papa Francisco como um programa para o nosso
caminho penitencial deste ano. A nossa quaresma assume a forma das obras
de misericórdia corporais e espirituais. Tentamos sempre encontrar
novas formas de praticar a misericórdia, aliás. Na homilia da missa da
sexta-feira passada, logo após a Via Crucis, eu agradeci e louvei ao
Senhor pelos cristãos de Aleppo. Apesar do seu sofrimento e da sua
grande necessidade, eles não se fecham no egoísmo, e, com grande
desprendimento, se abrem às necessidades dos outros. Indiquei a eles
que, apesar das nossas feridas, do alto número de pobres, viúvas, órfãos
e idosos sem apoio, de muitas famílias sem renda mensal, existe um
espírito de solidariedade e de verdadeira caridade. Muitos ajudam os
idosos que vivem nos seus bairros; abrem a própria casa para acomodar
famílias desabrigadas, apesar do espaço mínimo. Na última semana, cinco
famílias que têm duas casas em Aleppo ou que vivem fora da cidade nos
deram as chaves dessas casas para acomodarmos famílias em necessidade. O
que eu vejo, como pároco, é a bela imagem de uma comunidade viva na
caridade, que respira misericórdia. É uma grande consolação para mim,
porque é uma grande consolação do Mestre.
ZENIT: Entre os cristãos de Aleppo nunca surgiu a tentação de
pegar em armas e formar milícias locais para combater o Estado Islâmico
(EI)?
Pe. Ibrahim: Defender-se do perigo é um direito
humano fundamental que não pode ser contestado. Como Igreja, nós não
incentivamos o uso das armas porque armar-se é uma faca de dois gumes.
Vários cristãos que vivem em países vizinhos e que começaram a pegar em
armas para se defender dos inimigos que os atacavam acabaram eles mesmos
se matando entre si. Em todo caso, o serviço militar é obrigatório
aqui. Então, querendo ou não, muitos dos nossos jovens fazem parte do
exército regular e oferecem todos os dias muitos sacrifícios para
defender a pátria, a liberdade do seu povo e suas famílias. Voltando às
milícias locais, poucos aqui em Aleppo se juntaram a esse projeto. De
qualquer maneira, com muitos sacrifícios, aqueles poucos conseguiram
ajudar a frear o avanço do EI.
ZENIT: E como os cristãos de Aleppo vivem a comunhão com a Igreja no resto do mundo?
Pe. Ibrahim: Nós, cristãos de Aleppo, pertencemos
por natureza à Igreja toda. O Magistério e as palavras do Santo Padre
nos encorajam. Graças aos meios de comunicação, nós seguimos com grande
interesse as atividades diárias do papa, com “a obediência do coração e
da mente”. Concretizamos a comunhão que nos une dentro da única Igreja
oferecendo o nosso sofrimento pelo bem de todo o Corpo de Cristo.
Oferecemos também todas as nossas orações; os jejuns e sacrifícios são
vividos para edificar esse Corpo. Vários grupos de cristãos de fora me
falaram do valor do nosso testemunho, vivendo a nossa fé seriamente
nesta situação de crise. Eu quero dizer a todos eles o mesmo: o
testemunho de vocês também, de uma vida de fé nas várias crises que
vocês enfrentam em seus países, é fonte de grande edificação para nós.
Continuem rezando por nós, mas, pelo amor de Cristo e por amor a nós,
vivam profunda e radicalmente a sua pertença a Cristo.
ZENIT: O que leva vocês, padres, a permanecer no país apesar da guerra e do alto risco para a sua segurança?
Pe. Ibrahim: O nosso sacerdócio vem do sacerdócio de
Cristo, nos torna semelhantes a Ele na Perfectae Caritatis. Um
sacerdote fiel ao Mestre, por sua natureza e pela vida cotidiana de
comunhão que vive com Jesus, é contagiado pela sua caridade perfeita:
uma caridade sem limites e sem condições, uma caridade que não fica no
próprio bem e interesse, uma caridade perseverante e contínua, uma
caridade pronta para pensar e preferir o bem do outro, uma caridade que
mantém o sacerdote pronto para dar o sangue pelos irmãos. É uma virtude
reforçada no coração do sacerdote com a imposição das mãos, mas que
precisa de crescimento constante. É nosso dever cuidar sempre dela, com a
oração e a contemplação, com os sacramentos e a prática da caridade
como pastores. Quando esta caridade cresce, ela dá sentido a toda a
nossa vida. Esta caridade irradia no coração do sacerdote
espontaneamente, porque é uma caridade ligada à própria natureza do seu
sacerdócio. Uma caridade que pode tornar corajoso um homem que sente o
medo, corajoso para enfrentar todos os perigos; que pega uma pessoa
cheia de hesitação e dúvida e a torna mais firme e mais decisiva,
seguindo a estrada dos bravos e grandes heróis. Respondendo à pergunta,
eu digo que vejo que esta é a coisa mais natural que um sacerdote pode
fazer. É da sua natureza estar pronto para dar a vida pelos irmãos.
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