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Durante a tradicional celebração do Domingo de Ramos, na praça de São
Pedro, e enquanto lia a sua homilia sobre a paixão do Senhor, o Papa
Francisco improvisou algumas palavras para chamar a atenção sobre a
situação dos migrantes e refugiados.
O Papa chegou na praça a pé, com uma mitra dourada e uma capa pluvial
e se aproximou do obelisco central para abençoar os ramos de oliveira.
Posteriormente, foi em processão até o altar localizado na fachada da
basílica de São Pedro, onde presidiu a celebração eucarística.
Publicamos a seguir o texto completo da homilia pronunciada pelo
pontífice aos mais de 60 mil fieis, em sua grande maioria jovens, vindos
de todo o mundo para a celebração:
***
«Bendito seja o que vem em nome do Senhor» (cf. Lc 19,
38): gritava em festa a multidão de Jerusalém, ao receber Jesus. Fizemos
nosso aquele entusiasmo: agitando ramos de palmeira e de oliveira,
exprimimos o nosso louvor e alegria e o desejo de receber Jesus que vem a
nós. Na realidade, como entrou em Jerusalém, assim deseja entrar nas
nossas cidades e nas nossas vidas. Como fez no Evangelho – montando um
jumentinho –, Ele vem a nós humildemente, mas vem «em nome do Senhor»:
com a força do seu amor divino, perdoa os nossos pecados e
reconcilia-nos com o Pai e com nós mesmos.
Jesus fica contente com a manifestação popular de afeto da multidão e
quando os fariseus O convidam a fazer calar as crianças e os outros que
o aclamam, responde: «Se eles se calarem, gritarão as pedras» (Lc
19, 40). Nada poderia deter o entusiasmo pela entrada de Jesus; que
nada nos impeça de encontrar n’Ele a fonte da nossa alegria, a
verdadeira alegria, que permanece e dá a paz; pois só Jesus nos salva
das amarras do pecado, da morte, do medo e da tristeza.
Entretanto a Liturgia de hoje ensina-nos que o Senhor não nos salvou
com uma entrada triunfal nem por meio de milagres prestigiosos. O
apóstolo Paulo, na segunda leitura, resume o caminho da redenção com
dois verbos: «aniquilou-Se» e «humilhou-Se» a Si mesmo (Flp 2, 7.8). Estes dois verbos indicam-nos até que extremos chegou o amor de Deus por nós. Jesus aniquilou-Se a Si mesmo:
renunciou à glória de Filho de Deus e tornou-Se Filho do homem,
solidarizando-Se em tudo connosco – que somos pecadores – Ele que é sem
pecado. E não só… Viveu entre nós numa «condição de servo» (v. 7): não
de rei, nem de príncipe, mas de servo. Para isso, humilhou-Se e o abismo da sua humilhação, que a Semana Santa nos mostra, parece sem fundo.
O primeiro gesto deste amor «até ao fim» (Jo 13, 1) é o lava-pés. «O Senhor e o Mestre» (Jo
13, 14) abaixa-Se até aos pés dos discípulos, como somente os servos
faziam. Mostrou-nos, com o exemplo, que temos necessidade de ser
alcançados pelo seu amor, que se inclina sobre nós; não podemos
prescindir dele, não podemos amar, sem antes nos deixarmos amar por Ele,
sem experimentar a sua ternura surpreendente e sem aceitar que o
verdadeiro amor consiste no serviço concreto.
Mas isto é apenas o início. A humilhação que Jesus sofre, torna-se
extrema na Paixão: é vendido por trinta moedas de prata e traído com um
beijo por um discípulo que escolhera e chamara amigo. Quase todos os
outros fogem e abandonam-No; Pedro renega-O três vezes no pátio do
Sinédrio. Humilhado na alma com zombarias, insultos e escarros, sofre no
corpo violências atrozes: as cacetadas, a flagelação e a coroa de
espinhos tornam irreconhecível o seu aspeto. Sofre também a infâmia e a
iníqua condenação das autoridades, religiosas e políticas: é feito pecado e reconhecido injusto.
Depois, Pilatos envia-o a Herodes, e este devolve-O ao governador
romano: enquanto Lhe é negada toda a justiça, Jesus sente na própria
pele também a indiferença, porque ninguém se quer assumir a
responsabilidade do seu destino. E penso em tantas pessoas, tantos
marginalizados, tantos deslocados, tantos refugiados, de cujo destino
muitos não querem assumir a responsabilidade. A multidão, que pouco
antes O aclamara, troca os louvores por um grito de condenação,
preferindo que, em vez d’Ele, seja libertado um assassino. Chega assim à
morte de cruz, a mais dolorosa e vergonhosa, reservada para os
traidores, os escravos e os piores criminosos. Mas a solidão, a
difamação e o sofrimento não são ainda o ponto culminante do seu
despojamento. Para ser solidário connosco em tudo, na cruz experimenta
também o misterioso abandono do Pai. No abandono, porém, reza e
entrega-Se: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23,
46). Suspenso no patíbulo, além da zombaria, enfrenta ainda a última
tentação: a provocação para descer da cruz, vencer o mal com a força e
mostrar o rosto dum deus poderoso e invencível. Mas Jesus, precisamente
aqui, no ápice da aniquilação, revela o verdadeiro rosto de Deus, que é
misericórdia. Perdoa aos seus algozes, abre as portas do paraíso ao
ladrão arrependido e toca o coração do centurião. Se é abissal o
mistério do mal, infinita é a realidade do Amor que o atravessou,
chegando até ao sepulcro e à morada dos mortos, assumindo todo o nosso
sofrimento para o redimir, levando luz às trevas, vida à morte, amor ao
ódio.
Pode parecer-nos muito distante o modo de agir de Deus, que Se
aniquilou por nós, quando vemos que já sentimos tanta dificuldade para
nos esquecermos um pouco de nós mesmos. Ele vem salvar-nos, somos
chamados a escolher o seu caminho: o caminho do serviço, da doação, do
esquecimento de nós próprios. Podemos encaminhar-nos por esta estrada,
detendo-nos nestes dias a contemplar o Crucificado: é «a cátedra de
Deus». Convido-vos, nesta semana, a contemplar com frequência esta
«cátedra de Deus», para aprender o amor humilde, que salva e dá a vida,
para renunciar ao egoísmo, à busca do poder e da fama. Com a sua
humilhação, Jesus convida-nos a caminhar por esta estrada. Fixemos o
olhar n’Ele, peçamos a graça de compreender pelo menos algo da sua
aniquilação por nós; e assim, em silêncio, contemplemos o mistério desta
Semana.
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