[ipco]
A manifestação de tristeza de Nosso
Senhor apresentada neste belo Crucifixo é pungente: os lábios abertos,
os dentes separados, o queixo ligeiramente caído, dando a impressão de
tal abandono de forças que há uma carência de energias até para manter
cerrados os lábios. O olhar é distante, pairando na consideração de
outra coisa muito diversa e que O enche de tristeza.
O
artista soube muito bem representar os cabelos de Nosso Senhor: não
propriamente penteados, porque não teria propósito, depois de tudo
quanto Ele sofreu, representá-los ordenadamente. Mas são apresentados
lindamente desgrenhados! De maneira que eles formam cachos lindíssimos! A
barba é tão pequena, que não seria possível esculpi-la revolta. Ela cai
ordenadamente para emoldurar o rosto.
Analisando
a coroa de espinhos, podem-se perceber os grandes espinhos que
transpassaram a fronte de Nosso Senhor. Acima do olho esquerdo nota-se
uma machucadura terrível. Tem-se a impressão de que um espinho ali
penetrou, deixando um furo horrível!
Vê-se
o sangue que corre… Mas, com quanta delicadeza ele escorre ao longo do
corpo divino! De maneira a formar longos filetes, aparecendo na ponta de
cada um deles um rubi!
Sempre, desde
menino, o que mais me impressionou em Nosso Senhor Jesus Cristo foi a
sua dor. Estivesse Ele crucificado ou não. Tanto numa atitude como nas
imagens do Sagrado Coração, em que o Divino Redentor O mostra aos
homens, quanto entre os doutores do Templo, o que me chamava a atenção
era a dor. E dor que confere ao sofrimento aquele matiz de majestade, de
sabedoria profunda, de transcendência em relação a tudo. Mas, também,
de bondade que chega até o último ser, até o último pecador. Isto foi o
que sempre, de modo muitíssimo especial, me atraiu nEle e me levou a
adorá-Lo.
Não custei a perceber que
tal disposição de alma estava em diametral oposição à alegria de
fandango, doida, tonta, agitada e sedenta de pecado, que dominava a
minha época de menino, com a difusão da atmosfera de Hollywood, do
cinema moderno… Então, era uma alegria má. E eu ficava colocado entre a
tristeza e a má alegria.
Entretanto, naquela época, eu não sabia discernir bem entre a boa e a má alegria.
Foi
necessário o transcurso de anos para eu perceber o seguinte: aqueles
que partilham a tristeza de Nosso Senhor são os verdadeiramente alegres
desta vida! E aqueles que se apresentam alegres com Satanás são, na
realidade, os tristes neste mundo. E, apesar de ser verdadeiro o fato de
vivermos numa época de tanto pecado e tanta ignomínia – que arrancou
lágrimas de Nossa Senhora na sua aparição em La Salette, e postulou a
Mensagem de Fátima, com tudo o que ela contém – parece-me que o
verdadeiro católico pode ter sua alma alegre. Mas que tal alegria nunca
deve prescindir de um certo véu de tristeza. De tristeza digna, tristeza
nobre, varonil, como quem acompanha Nosso Senhor até o alto da Cruz!
De
onde a idéia seguinte: a vida, para ser conduzida de modo católico,
deve trazer consigo esse traço de grandeza e de seriedade, sem o qual
ela não vale nada. A vida humana é uma participação na Cruz de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Eu tenho que sofrer como Ele sofreu. E quanto mais
eu padecer, tanto melhor será, porque terei tido maior honra em me
achegar mais a Ele.
Que a Virgem
Santíssima nos ajude a conservar tais reflexões bem no fundo de nossas
almas, pois aproximamo-nos de tempos em que desconhecemos como será o
dia de amanhã.
Espreitar-nos-á a dor? Talvez! Mas devemos estar certos de um ponto: se nos espreita a dor, aguarda-nos também a glória!
Publicado originalmente em Catolicismo, N° 578 – Março de 1999(*), na seção “Ambiente, Costumes, Civilizações”
Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio para sócios e cooperadores da TFP em 21 de agosto de 1985. Sem revisão do autor.
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