[unisinos]
Os participantes de um congresso
promovido pelo Vaticano – o primeiro de seu gênero – rejeitaram, de
maneira contundente, os ensinamentos de longa data sustentados pela
Igreja Católica com base numa “doutrina da guerra justa”
dizendo que muitas vezes eles, os ensinamentos, foram usados para
justificar conflitos violentos e que a Igreja deve considerar o que
Jesus ensinou sobre a não violência.
Os membros do congresso, que durou três
dias e que foi realizado pelo Pontifício Conselho “Justiça e Paz” e pela
organização pacifista católica internacional Pax Christi, também pediram que o Papa Francisco
considere a possibilidade de escrever uma carta encíclica, ou algum
outro “documento magisterial importante”, para reorientar os
ensinamentos da Igreja a respeito da violência.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 13-04-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“Não existe ‘guerra justa’”, afirmam os
cerca de 80 participantes do congresso em um documento divulgado na
manhã desta quinta-feira (14-04-2016).
“Muitas vezes a ‘doutrina da guerra
justa’ foi usada para endossar em vez de evitar ou limitar uma guerra”,
continuam eles no texto divulgado. “Sugerir que uma ‘guerra justa’ é
possível também enfraquece o imperativo moral de desenvolvimento de
instrumentos e habilidades para a transformação não violenta dos conflitos”.
“Precisamos de um novo marco que esteja de acordo com a não violência evangélica”, dizem os participantes, observando que Francisco
e seus quatro predecessores falaram abertamente contra a guerra em
várias ocasiões. “Propomos que a Igreja Católica desenvolva e considere
mudar no sentido de uma abordagem de Paz Justa com base na não violência
evangélica”.
A doutrina da guerra justa é uma
tradição que emprega uma série de critérios para avaliar se o emprego da
violência pode ser considerado moralmente justificável. Tendo sido
referida pela primeira vez no século IV por Santo Agostinho de Hipona, a
doutrina foi mais tarde articulada em profundidade pelo teólogo São Tomás de Aquino, que viveu no século XIII, e hoje resume-se a quatro condições escritas no Catecismo da Igreja Católica.
Pela primeira vez, um congresso sob a
égide do Vaticano trouxe especialistas envolvidos em iniciativas não
violentas para reconsiderar a doutrina da guerra justa.
Este evento acontece depois que vários
teólogos criticaram o uso contínuo da doutrina nos tempos modernos,
dizendo que as capacidades poderosíssimas dos armamentos modernos e a
prova da eficácia de campanhas não violentas a tornam uma doutrina
ultrapassada.
Num evento com a presença da imprensa
durante o lançamento do documento final do congresso – documento
intitulado “Um apelo à Igreja Católica para se comprometer com a
centralidade da não violência evangélica” –, vários dos participantes
disseram que a Igreja deveria simplesmente deixar de lado a doutrina da
guerra justa.
“Vim de muito longe para este evento, com um pensamento bem claro de que a violência está ultrapassada”, disse Dom John Baptist Odama, da Arquidiocese de Gulu, Uganda. “Para o mundo de hoje ela está completamente ultrapassada”.
“Temos de enunciar isto com uma voz
vibrante”, disse o arcebispo africano. “Toda guerra significa
destruição. Não há justiça na destruição (…)”.
O Catecismo da Igreja Católica delineia
como um dos critérios para a justificação moral da guerra que “o emprego
das armas não traga consigo males e desordens mais graves do que o mal a
eliminar” e observa que “o poder dos meios modernos de destruição tem
um peso gravíssimo na apreciação desta condição”.
Odama, que preside a Conferência dos Bispos de Uganda, afirmou que as condições presentes no Catecismo “só podem ser ditas numa realidade onde não exista guerras”.
“É aqui onde o grupo foi bem incisivo”,
falou ele, referindo-se ao congresso. “Neste momento, não devemos dar
motivos para as guerras. Vamos impedi-las e promover relações
harmoniosas, relações de fraternidade, e não aceitar entrar para a
guerra”.
Marie Dennis, uma das presidentes da Pax Christi International,
disse que ela e o grupo reunido no evento “acreditam que chegou a hora
de a Igreja ter um outro discurso sobre a realidade mundial”.
“Quando olhamos para esta realidade de
guerras, quando olhamos para os ensinamentos de Jesus, nos perguntamos
qual a responsabilidade da Igreja”, disse ela. “Acreditamos que seja uma
responsabilidade de promover a não violência”.
Dennis igualmente
afirmou entender que as pessoas levantem dúvidas quanto à negação da
doutrina da guerra justa diante da necessidade de se deter agressores
injustos. Segundo Dennis, o grupo em que ela participou concorda com a ideia de que os agressores violentos precisam ser impedidos de atuar.
“A questão é como fazer isso”,
acrescentou Dennis. “A nossa crença seria a de que, enquanto nos
mantivermos dizendo que podemos fazer uso da força militar, não iremos
investir a energia criativa, o pensamento profundo, os recursos
financeiros e humanos na criação ou identificação de alternativas que,
de fato, podem fazer alguma diferença”.
“Enquanto continuarmos dizendo que jogar
bombas vai resolver o problema, nós não iremos em busca de outras
soluções. Acho que isso fica cada vez mais claro para a Igreja”, disse.
O congresso de abril sobre a doutrina da
guerra justa vinha sendo discutido há meses e foi o primeiro evento
realizado pelo Pontifício Conselho “Justiça e Paz” e o Pax Christi, uma coalizão católica internacional no modelo da Anistia Internacional que conta com grupos nacionais autônomos em muitos países.
O evento foi organizado em quatro
sessões que permitiram aos participantes dialogarem e partilhar
experiências entre si. A única palestra programada nos dias de encontro
foi proferida pelo Cardeal Peter Turkson, presidente do citado Pontifício Conselho, que também leu uma carta enviada aos participantes escrita pelo Papa Francisco.
Entre os participantes estavam alguns
bispos da Nigéria e do Japão, além de representantes das ordens
religiosas masculinas e femininas sediadas em Roma. Também estiveram no
evento um representante do Instituto da Paz, dos EUA, vários teólogos e Mairead Maguire, vencedora irlandesa do Prêmio Nobel da Paz.
O documento final emitido pelo grupo
afirma sucintamente: “Chegou a hora de a Igreja ser um testemunho vivo e
investir muito mais recursos humanos e financeiros na promoção de uma
espiritualidade e uma prática de não violência ativa”.
“Em tudo isso, Jesus é a nossa
inspiração e o nosso modelo”, declaram. “Nem passiva nem fraca, a não
violência de Jesus era o poder do amor em ação”.
Odama disse que Jesus
“sempre pedia a seus seguidores a não recorrer à violência na resolução
dos problemas, inclusive no último estágio de sua vida”.
“Na cruz, disse Jesus: ‘Pai, perdoa-lhes
porque não sabem o que fazem’”, disse o arcebispo africano. “Nesse
dizer, ele uniu a humanidade inteira sob um único pai”.
“Ele não usa palavras violentas nem pratica ações violentas”, disse Odama. “Eis o ensinamento quanto à maneira como devemos lidar com as nossas situações: sem violência”.
Dennis falou que um dos
objetivos para a organização do congresso era “levar, em última
análise, a uma encíclica ou um processo que produza um importante
ensinamento católico sobre a não violência”.
“Até agora nós não enfrentamos nenhum
obstáculo”, disse ela. “Também não existe nenhuma promessa nesse
sentido. O que realmente queremos que aconteça é um processo que envolva
o Vaticano e as comunidades católicas em geral em torno destas
questões”, disse Dennis. “O que mais podemos saber
sobre o papel que a não violência pode desempenhar na transformação do
nosso mundo em um mundo melhor?”
Ken Butigan, professor
da DePaul University, em Chicago, e diretor executivo da ONG Pace e
Bene, falou: “Há meses estamos vendo um sinal positivo de que o Papa Francisco estaria disposto a levar adiante este tema”.
“Estamos determinados a fazer uso desta vontade neste momento histórico”, declarou. “Sabemos que o Papa Francisco tem uma visão de mundo e nós aqui estamos para apoiar esta visão”.

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