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Um convite oportuno
"A ideia de convidar para o Vaticano o Grande Íman de Al-Azhar foi uma escolha muito boa, feita no momento certo". Padre Samir Khalil Samir,
jesuíta egípcio, professor de Estudos Islâmicos em Beirute e no
Pontifício Instituto Oriental de Roma, comenta sobre a recente visita ao
Cairo de uma delegação do Vaticano, na Universidade de al-Azhar, para
convidar o grande Íman, Dr. Ahmad Al-Tayyib. Da visita
ao Cairo falou também o Papa Francisco, durante a conferência de
imprensa, no voo de regresso do México, afirmando que é seu desejo
encontrar o Íman, e que sabe que o próprio reitor de Al-Azhar também gostaria do encontro.
A entrevista é de Fabio Colagrande, publicada pela Rádio Vaticano, 02-04-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.
Eis a entrevista.
Retomar o diálogo
"Durante o pontificado de Bento XVI - diz Samir
- as relações eram delicadas, devido ao conflito que nasceu quando
usaram algumas de suas palavras como pretexto, que na realidade não eram
dirigidas contra ninguém, mas eram para defender a liberdade religiosa.
O convite é uma maneira de retomar o diálogo com o Islã Sunita, porque A-Azhar, como se sabe, é o Ateneu
que forma o maior número de Ímanes sunitas, milhares ao ano, e é a
Universidade muçulmana mais famosa, existente há mais de mil anos".
A crise no mundo muçulmano
"Aquele do Vaticano - diz o estudioso do Islã
- é um passo para retomar o contato com um dos principais centros de
formação intelectual islâmico, e portanto, para enfrentar a um dos temas
chaves da crise do mundo muçulmano. O fato de que o Papa tenha enviado à
instituição sunita o Núncio Apostólico no Egito, Mons. Musarò, e o secretário do Dicastério para o Diálogo Inter-religioso, Dom Guixot Ayuso, tem grande importância simbólica, e espero que o reitor da Al-Azhar venha ao Vaticano para encontrar o Papa e retomar um diálogo já iniciado, e que foi interrompido cinco anos atrás".
Apoiar o Islã para combater o Daesh
"O mundo islâmico - explica ainda Samir - está
vivendo, hoje, talvez, a mais grave crise já experimentada nas últimas
décadas. Um verdadeiro ‘choque interno’, causado pela ideologia
propagada pelo autointitulado Estado Islâmico, EI ou DAESH. Uma ideologia – aquela do EI
- sem precedentes, inaceitável e que subverte o próprio mundo
islâmico". "O pretexto de recriar os califados é sem qualquer
justificação e não se entende por que põe em questão o Ocidente",
acrescenta Samir. "Precisamente por esta razão, é muito
importante apoiar hoje o mundo muçulmano. Não adianta lutar contra ele,
mas, ao contrário, é preciso estar-lhe próximo e oferecer-lhe a própria
experiência, visto que na Igreja Católica experimentamos problemas
semelhantes".
O núcleo interpretativo do Alcorão
"A questão de fundo, hoje, no pensamento islâmico, - explica Samir - é de fato a da interpretação do Alcorão.
É impossível, hoje, a interpretação literal, especialmente das
passagens que envolvem violência. E por isso é impossível aplicar os
princípios pregados pelo EI ou Daesh. Ora, a Universidade de Al-Azhar se opõe completamente, cem por cento, a esta interpretação literal do Corão,
mas é também verdade que os terroristas do Ei se apoiam em
interpretações, cursos e textos de ímanes sunitas, que não a condenam
abertamente. Dialogando com os muçulmanos, sempre me esforço de
lembrar-lhes que já na Idade Média o Islã
tinha resolvido essa disputa, acrescentando à conclusão, que o texto
deve ser interpretado, e que, apenas há um século, domina essa tendência
de aplicá-lo literalmente. A mudança feita sob a influência de
correntes fundamentalistas, como "wahhabismo", uma doutrina proveniente
da Arábia Saudita e do Qatar, que são as províncias mais ricas do mundo
islâmico e, portanto, capazes de difundir, impor, por todos os lados sua
ideologia, mais do que sua teologia. Por isso, penso ser essencial
manter a amizade com Al-Azhar, para ajudá-lo e encorajá-lo a contrastar estas tendências".
A palestra em Regensburg
"Caminhando nessa direção, o terrorismo será visto apenas como terrorismo, sem conexão alguma com o verdadeiro Islã", conclui padre Samir. "Reinterpretar o Alcorão
é, hoje, o caminho da salvação. Nós, como cristãos, podemos incentivar
esse processo, mostrando como também em nossa tradição, a interpretação
literal da Bíblia foi superada". “Não é um ato de que se envergonhar,
não é um sinal de infidelidade a Deus, mas é apenas uma maneira de usar a
razão. O ponto chave é combinar 'fé e razão’, precisamente o que Bento XVI
explicava em seu famoso discurso em Regensburg, que foi mal
interpretado. É este o verdadeiro passo para frente, para sair da crise
do Islã".

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