[unisinos]
"Precisamos reencontrar formas de celebrar mais simples e conviviais.
A ceia de Jesus deve manifestar a dimensão carinhosa que o evangelho de João mostra que o Mestre revelou aos discípulos que ceavam com ele na noite da Páscoa", escreve Marcelo Barros, monge beneditino, escritor e teólogo brassileiro.
Eis o artigo.
Em todas as culturas os momentos fortes de alegria e união se
celebram com uma refeição ou algum alimento repartido. Quase todas as
tradições espirituais têm uma partilha de comida como sinal de comunhão.
Para as Igrejas cristãs, a ceia de Jesus é o sinal de sua presença em
nós e entre nós. Desde a Idade Média, anualmente, a Igreja Católica
dedica uma festa à Eucaristia.
Nesse ano, a festa do Corpo e Sangue de Cristo se realiza nessa quinta
feira. Quando foi criada, a intenção era fortalecer nos fieis a devoção à
presença de Jesus na eucaristia. Atualmente, ela contém duas dimensões
importantes para a fé:
1o – a importância do corpo. Ao adorar o corpo de
Cristo, somos chamados a perceber que somos templos do Espirito e o
nosso corpo merece cuidado e todo o respeito à sua dignidade sagrada.
2o – ao fazer do alimento um sinal de sua presença
em nós e entre nós, Jesus quis dar ao mundo uma profecia do estilo de
vida que devemos assumir: uma vida partilhada.
De fato, todas as Igrejas chamam esse evento de “comunhão”.
Esse termo evoca uma “comum união”, mas pode também vir da expressão
latina “comum múnus”. Comungar o múnus é assumir o peso da vida, durezas
e sofrimentos que cada irmão e irmã carrega.
Conforme o testemunho do Novo Testamento, no primeiro século, as
comunidades cristãsrealizavam a ceia de Jesus nas casas uns dos outros,
como expressão de uma vida partilhada. Ao repartir o pão, a comunidade
fazia memória da doação que Jesus fez da sua vida edava um sinal de que
Deus quer que toda humanidade viva uma economia de partilha e de
solidariedade. Durante os séculos, ao se inserir em cada cultura, as
Igrejas fizeram da ceia de Jesus um culto mais formal. Pouco a pouco, a
reunião que, no início, era mais simples e convivial,se tornou parecida
com os cultos de outras religiões antigas. Os serviços de coordenação
tomaram uma dimensão sacerdotal, como nos cultos das antigas religiões. A
teologia passou a explicar a ceia como atualização do sacrifício da
Cruz. Atualmente, essa linguagem do sacrifício deveria ser revista para
que ninguém pense que Deus Pai precisaria da morte do seu próprio filho
para salvar o mundo e nos reconciliar consigo. Não podemos negar o valor
da história e nem reduzir o sentido mais profundo do mistério que
celebramos. No entanto, ao dar graças a Deus por sua presença em nós, em
cada eucaristia, fazemos a memória de Jesus não apenas
em repetir suas palavras, mas em tomar o mesmo caminho dele, caminho de
amor, doação aos outros e serviço. Por isso, temos de encontrar formas
mais expressivas para ligar de modo mais profundo a eucaristia que
celebramos com a realidade que vivemos e com o caminho que a sociedade
toma. Precisamos reencontrar formas de celebrar mais simples e
conviviais. A ceia de Jesus deve manifestar a dimensão carinhosa que o evangelho de João mostra que o Mestre revelou aos discípulos que ceavam com ele na noite da Páscoa.
Todas as orações antigas da Igreja e até hoje a primeira oração eucarística do Missal Romano lembram que, na missa, os fieis participam da ação de graçasficando de pé, em redor do altar.
Em 2004, o papa João Paulo II escrevia: “A eucaristia
não é somente expressão de comunhão na vida da Igreja. É também projeto
de solidariedade da comunidade cristã com toda a humanidade. Na
celebração eucarística, a Igreja renova continuamente a sua consciência
de ser “sinal e instrumento” não somente da íntima união com Deus, mas
também da unidade de todo o gênero humano” (Carta apostólica Mane
Nobiscum, Domine, 17).
No século IV, ao falar aos cristãos batizados na noite da Páscoa, o bispo Santo Agostinho
afirmava: “O pão da eucaristia representa o que vocês são: o corpo de
Cristo, ou seja, a sua presença transformadora para o mundo. Então, se
vocês tiverem recebido bem o alimento que é o próprio Cristo que se doa a
nós, vocês se tornarão isso que vocês receberam. Vocês são o que vocês
receberam”.
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