"Há vários anos, quando conheci a homossexualidade do meu filho, eu me comprometi não apenas comigo mesma, mas também com ele e com a Pastoral da Diversidade Sexual (Padis+),
da qual eu faço parte. Hoje, graças às mudanças que, como Igreja, temos
experimentado em relação às pessoas homossexuais, eu também reconheço
um desejo de buscar juntos novos caminhos de inclusão e acolhida para
viver o amor nas diversas situações de vida que as famílias experimentam
hoje em dia."
A opinião é da leiga católica chilena Carmen Luz Güemes Álvarez, integrante do Grupo de Pais da Pastoral da Diversidade Sexual (Padis+), de Santiago do Chile. O artigo foi publicado no blog Territorio Abierto, da Comunidade de Vida Cristã (CVX) da capital chilena, 25-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Quando me propuseram escrever para este
espaço, a minha resposta espontânea foi sim. Eu não fiquei dando muitas
voltas, apenas pensei, neste momento, que era uma oportunidade para
expressar a minha opinião pessoal sobre a exortação do Papa Francisco
e também senti que, através de mim, eu podia transmitir o que eu
compartilhei com muitas outras pessoas, leigas e leigos membros da
Igreja que, como eu, vamos a pé construindo esta Igreja, que é de todos,
e dando testemunho da boa nova do Evangelho na cotidianidade das nossas
vidas.
Pouco a pouco, fui me dando conta de que
não seria tão fácil escrever, porque, ao fazê-lo, eu me exporia e me
comprometeria publicamente, e isso às vezes tem os seus custos. No
entanto, ao longo da minha vida, eu fui descobrindo e confirmando que eu
quero viver a vida intensamente, aproveitando tudo o que me é dado e
também o que me é tirado, e, para isso, não posso ser turista nem
observar de longe a vida que me cabe viver, mas, ao contrário, ser
protagonista dela.
Há vários anos, quando conheci a
homossexualidade do meu filho, eu me comprometi não apenas comigo mesma,
mas também com ele e com a Pastoral da Diversidade Sexual (Padis+),
da qual eu faço parte, para ajudar a minha Igreja a avançar e a
reconhecer plenamente a existência de milhares de pessoas que, como o
meu filho, buscam um tratamento justo e respeitoso na sociedade e na
comunidade cristã. Hoje, graças às mudanças que, como país e como
Igreja, temos experimentado em relação às pessoas LGBTI [1],
eu também reconheço um desejo de buscar juntos novos caminhos de
inclusão e acolhida para viver o amor nas diversas situações de vida que
as famílias experimentam hoje em dia.
É por isso que tudo o que foi vivido nos Sínodos
prévios ao texto da exortação despertou em mim muitas expectativas e
esperanças. Os documentos emitidos em cada uma das Assembleias davam
conta de uma abertura, um novo tom pastoral. Muitos esperavam que o Papa Francisco
se pronunciasse sobre assuntos que tocavam diretamente na vida dos
nossos filhos. Ele mudaria a doutrina, deixariam de falar de
"tendências" ou "comportamentos desordenados"? O que ele diria a nós,
suas mães, pais, irmãos e amigos? Eu não posso deixar de esperar e
confiar que as coisas vão mudar. Talvez não agora, não para nós. Mas sim
para as gerações que virão.
Por isso, eu escrevo e, a partir daqui,
também quero fazer a minha contribuição e mostrar o que os outros não
veem, seja porque não podem, seja porque não querem. Mas eu sim posso,
quero e devo fazê-lo. Porque na Padis+, eu encontrei uma nova missão nesta etapa da minha vida, pela qual eu me jogo e me entrego em plenitude.
A partir desse caminho, eu descobri o
chamado do Senhor para ser testemunha do Seu amor misericordioso em
nosso meio. Para proclamar, louvar e agradecer pela vida da Padis+, a "Alegria do Amor" encarnada.
Minha experiência de acompanhamento pastoral
O que vivemos diariamente na Padis+ [2] fala dessa Igreja acolhedora que queremos e ansiamos; essa Igreja de Jesus Cristo
que não pergunta nem questiona, mas que abre os seus braços para
acolher a quem se aproxima dela, sem condições de qualquer tipo. Fala de
um sacerdote que se comoveu como Jesus fez diante da
dor do homem e da mulher do seu tempo; que soube escutar e descobrir
naquele primeiro encontro em 2010 o próprio Jesus encarnado naqueles
jovens que o visitaram. Eles, assim como nós, "desnudaram" a sua
fragilidade, os seus desejos e alegrias. Não lhes exigiu explicações,
nem lhes ofereceu grandes respostas.
A Padis+ fala de uma comunidade eclesial, a Comunidade de Vida Cristã (CVX),
que, sabendo ler os sinais dos tempos, quis ir à fronteira e embarcar
em um caminho inédito de acolhida e inclusão na Igreja chilena para
pessoas LGBT, suas mães, pais e família.
Dou fé e posso dar testemunho de como a
boa nova do Evangelho se faz vida em cada pai e mãe que chega
desesperançado e angustiado ao grupo, buscando formas de ajudar e
acompanhar o seu filho ou filha depois de conhecer a sua
homossexualidade. Muitos de nós experimentaram a rejeição e as culpas
que, durante anos, nos paralisaram e afastaram dos nossos filhos, a
vergonha e a falta de sentido, a violência e a agressão que alguns
receberam, inclusive em nossas comunidades cristãs e a partir das nossas
próprias famílias.
A Padis+ nos deu um
olhar esperançoso e nos permitiu sair do círculo que nos mantinha
trancados e estancados. Nela, reafirmamos que, apesar de todas as nossas
dúvidas e temores, o amor pelos nossos filhos e filhas não muda, que a
alegria que eles nos deram com as suas vidas segue intacta e que o nosso
compromisso como mães e pais permanece, mesmo quando acreditamos que
tudo está perdido.
Todos chegaram com dúvidas e dores. No
entanto, apesar do desgarramento e da incerteza, nos alegramos e nos
enchemos de alegria ao encontrar na Pastoral da Diversidade Sexual esse lugar que, no seio da Igreja, dá a vida e presenteia esperança.
Reconhecermo-nos em comunidade e saber
que somos acompanhados por outros no caminho faz com que todos aqueles
que fazem parte dessa Pastoral possam ter experimentado o Tabor
de que Jesus nos fala no Evangelho, exclamando juntos, assim como os
discípulos: "Como é bom estarmos aqui, armemos as nossas tendas".
Ansiamos isso não só para nós, mas também para os nossos filhos e para
todos os que ainda não se sentem plenamente convidados a instalar as
suas tendas na Igreja.
A partir desse lugar é que eu valorizo o
tom pastoral da exortação e me alegro que a sua chave de leitura seja o
amor. Eu vejo o papa sendo consequente com aquilo que ele foi nos
mostrando desde que assumiu como bispo de Roma, de
querer ser bispo com cheiro de ovelhas, que saiu e convidou a Igreja a
buscar a todos, sem exceção, sem discriminação de qualquer tipo.
O seu convite para que sejamos uma
Igreja que sirva como hospital de campanha, distribuindo misericórdia e
em atitude de escuta, nos lembra mais uma vez que a nossa fé deve ser
"arruaceira" [callejera], que Jesus sai conosco e deve ir ao
encontro do outro. Essa imagem é a que reencantou e reafirmou muitos de
nós em nossas esperanças.
Tudo isso foi e é ar novo para a Igreja, e, através de Francisco,
sentimos e reconhecemos o sopro do Espírito como um grito de socorro
para recuperar o caminho que a Igreja tinha descuidado. O papa tem
estado dialogando constantemente com a sociedade e também foi
autocrítico sobre a sua ação e a de seus companheiros sacerdotes,
convidando-os a serem humildes e próximos, a reconhecer que eles também
foram responsáveis pelas maneiras com que apresentaram as nossas
convicções e crenças como Igreja, especialmente em matérias relacionadas
com a nossa sexualidade e vida afetiva.
Eu valorizo enormemente que se restitua a
pessoa como centro da ação pastoral, e que parte do seu trabalho como
pastores seja formar e acompanhar as nossas consciências, em nenhum caso
substituí-las. Porque "a Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna,
onde há lugar para todos com a sua vida fadigosa" (AL, n. 310).
Os desafios
Nesse sentido, eu não posso ficar
somente na complacência da novidade que o papa nos mostra em seu tom e
enfoque pastoral. No entanto, a Igreja fica em dívida, assim como o Papa Francisco.
Não vou me deter sobre todos os pontos da exortação, mas vou me
referir, sim, à linguagem utilizada para descrever a realidade dos
nossos filhos e àquilo que acontece a nós como famílias ao conhecer a
sua homossexualidade.
Embora eu valorize enormemente que não apareça nenhuma menção às frases com que o Catecismo
descreve a sexualidade dos nossos filhos ("comportamentos
intrinsecamente desordenados"), preocupa-me constatar que, para a
Igreja, a nossa situação como famílias continua sendo compreendida como
uma situação problemática e irregular. Como se ter um filho gay ou uma
filha lésbica sempre fosse motivo de pena e dor, um fardo do qual temos
que nos sentir culpados.
Agradeço pelo fato de que se considere a
nossa realidade, por anos omitida, mas acho que a aproximação deveria
sempre começar pelo positivo, não assumindo de entrada que o que vivemos
é, per se, uma situação complexa.
Explicitamente, a exortação se refere à nossa realidade no artigo 250, dentro do capítulo sobre "Algumas situações complexas".
E o faz descrevendo a situação das famílias "que vivem a experiência de
ter no seu seio pessoas com tendência homossexual" (AL, n. 250).
Para além dos problemas de tradução [3] entre as diversas versões da Amoris laetitia,
o texto se expressa de maneira incorreta e inaceitável para mim. Os
nossos filhos e filhas NÃO têm tendências homossexuais, nem se tornam
homossexuais ou estão em uma fase homossexual do seu desenvolvimento.
Eles SÃO homossexuais, essa é a sua natureza, presenteada e querida por
Deus. Não pode ser outra coisa.
A palavra "tendências" me fala de algo
que se pode tirar ou mudar com força de vontade e capricho. É a
armadilha em que muitos pais e mães caem, quando preferem não acreditar
nos nossos filhos e os mandam para terapias para que mudem e corrijam as
suas "tendências". Não é o que eu vejo no meu filho, em seus amigos e
amigas; não é a forma pela qual eu me refiro aos heterossexuais. Não
entendo por que insistir nessa linguagem.
Talvez, nessa insistência, esconda-se a dificuldade da Igreja de ajustar a sua doutrina à realidade das pessoas LGBTI.
Não reconhecer a homossexualidade como outra expressão da sexualidade
humana só nos mantém no mesmo estado de invisibilidade que a Igreja nos
manteve ao longo da história e não dá luzes de querer ser essa Igreja
profética que faz bagunça [hace lío] e se indigna com as injustiças, a violência e os maus tratos.
Como disse Pedro Labrín SJ em uma entrevista de rádio,
não é necessário mudar a doutrina para que a Igreja erradique e condene
todo tipo de práticas discriminatórias, injustas e violentas em relação
às pessoas LGBTI. Quando entendermos que a linguagem
também causa dano, e muito, compreenderemos por que muitos de nós
continuamos considerando ofensivo que se reduza a experiência dos nossos
filhos a um mero conjunto de tendências.
Isso também faz com que a Igreja
continue olhando com receio e sensação de ameaça qualquer iniciativa que
reconheça o direito universal ao amor e o cuidado entre pessoas do
mesmo sexo. Eu desejo que o meu filho seja feliz. Se a sua vocação é o
amor, e por sua própria natureza esse amor é com uma pessoa do seu mesmo
sexo, eu vou apoiá-lo e vou lutar pela sua felicidade e pela de muitos
mais. Porque a felicidade dos meus filhos, eu a desejo para todos
igualmente.
Mais adiante, no oitavo capítulo da Amoris laetitia, o papa nos fala da Pastoral do Acompanhamento
e assinala que "os sacerdotes têm o dever de acompanhar as pessoas
interessadas pelo caminho do discernimento segundo a doutrina da Igreja e
as orientações do bispo" (AL, n. 300).
Eu me pergunto: quem e como se acompanha
os presbíteros, para que eles também possam fazer esse itinerário de
acompanhamento e de discernimento? Para todos aqueles que são Igreja,
leigos, religiosos e presbíteros, somos chamados a fazer esse
itinerário.
A lógica da misericórdia pastoral que
nos é proposta pelo papa é para todos. "Às vezes custa-nos muito dar
lugar, na pastoral, ao amor incondicional de Deus" (AL, n. 311), e, para
que possamos ser essa Igreja acolhedora que distribui misericórdia, a
casa paterna onde há lugar para todos, devemos avançar todos juntos.
O mundo homossexual também espera e está
necessitado da compreensão, perdão e inclusão plena, para continuar
crescendo e participando da Igreja. Ninguém deveria se ver obrigado a
escolher entre a sua fé e a sua sexualidade. A Igreja deve favorecer os
processos, e não impedi-los, muito menos contribuir para que a vida seja
um problema.
Como leigos que somos, devemos confiar
em nossas autoridades eclesiásticas e esperar delas o modo como esse
documento vai ser "baixado". Deus continua nos conduzindo na Igreja,
apesar de todas as nossas fragilidades. A Padis+ é um
dos meios que Deus presenteou à Igreja. Assim como nós, há muitos mais
trabalhando por uma sociedade mais justa, respeitosa e inclusiva. Oxalá o
clero chileno e a sociedade como um todo possam trabalhar unidos e de
forma colaborativa, para que nenhuma pessoa se sinta filho de segunda
classe.
Que este tempo de Pentecostes
nos permita sair dos nossos confinamentos e reconhecer a vida que
existe fora dos nossos círculos. Que o espírito de discernimento nos
seja dado e sopre forte em nosso meio, especialmente entre aqueles que
terão a responsabilidade de "baixar" a exortação e fazer da "Alegria do Amor" uma experiência que toque a todos igualmente.
Notas:
1. Sigla que identifica as pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais.
2. Para conhecer mais sobre o que fazemos na Padis+, recomendo-lhes a leitura desta reportagem da revista Viernes: "Papás por la Diversidad Sexual" [disponível aqui, em espanhol].
3. A esse respeito, recomendo-lhes a leitura da declaração da Rede Global de Católicos Arco-Íris, da qual a Padis+ faz parte [disponível aqui, em espanhol].
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jbpsverdade: O que essa mãe chega a dizer, é no mínimo uma afronta a Deus que criou o homem e a mulher... Para além dos problemas de tradução [3] entre as diversas versões da Amoris laetitia,
o texto se expressa de maneira incorreta e inaceitável para mim. Os
nossos filhos e filhas NÃO têm tendências homossexuais, nem se tornam
homossexuais ou estão em uma fase homossexual do seu desenvolvimento.
Eles SÃO homossexuais, essa é a sua natureza, presenteada e querida por
Deus. Não pode ser outra coisa.
Penso que o Papa deveria ler este artigo para ver como está completamente equivocada, além dela, muitas outras pessoas que creem ser natural e aceita por Deus a abominação do homossexualismo. Dizer que o homossexualismo é um presente de Deus é mesmo uma afronta ao Criador. Que Deus tenha misericórdia dos que pensam assim.

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