[unisinos]
"O reconhecimento da igualdade entre homem e mulher no que diz
respeito também ao direito de exercer ministérios é uma questão básica
de justiça. O fato de que a sociedade antiga era patriarcal não
justifica que nós o sejamos", escreve Marcelo Barros, monge beneditino, escritor e teólogo brasileiro.
Eis o artigo.
No dia 12 de maio, ao receber no Vaticano 900 religiosas da União dos
Superiores de Congregações Religiosas, o papa se dispôs a responder a
perguntas das irmãs. As questões tinham sido enviadas com antecedência e
uma delas queria saber se a hierarquia da Igreja poderia abrir o
diaconato para mulheres. O papa respondeu como algo espontâneo e
simples: “- Sim. Podemos abrir uma comissão de estudos sobre isso.
Aceito a sugestão e prometo fazer isso”. Os dois últimos papas antes de Francisco haviam fechado qualquer possibilidade de abertura sobre esse assunto. Na ocasião do jubileu do ano 2000, o cardeal Carlo Martini, arcebispo de Milão, tinha declarado: “Na história da Igreja, já houve diaconisas. Podemos pensar nessa possibilidade”.
Para a Igreja, abrir à mulher a possibilidade de receber um
ministério ordenado é uma mudança mais básica e importante do que
qualquer outra. Atualmente, os pastores da Igreja refletem sobre como
atualizar o diálogo com a humanidade sobre questões de moral sexual. Há
quem pense que o essencial é o caminho ecumênico – a unidade das
Igrejas. No entanto, o reconhecimento da igualdade
entre homem e mulher no que diz respeito também ao direito de exercer
ministérios é uma questão básica de justiça. O fato de que a sociedade
antiga era patriarcal não justifica que nós o sejamos. Contra a cultura
discriminadora da sua época, Jesus se relacionou com homens e mulheres e
tinha um grupo de mulheres que o seguia, como faziam os apóstolos (Cf. Lc 18,
1 – 3). Na carta aos gálatas, Paulo escrevia: “Homens e mulheres,
judeus e gregos, somos uma coisa só no Cristo Jesus” (Gl 3, 27- 28).
Essa abertura de Jesus e do seu primeiro grupo às mulheres pode ser
considerado a semente do movimento pela promoção da mulher em todo o
mundo. Por isso, é importante voltar a essa sensibilidade e superar
séculos de discriminação e de justificativas teológicas e bíblicas para a
marginalização da mulher nas Igrejas.
O papa vai instituir uma comissão de peritos para estudar os textos do Novo Testamento e dos primeiros séculos do Cristianismo.
É certo que as Igrejas antigas tinham diaconisas, mas não é claro que
função elas tinham nas comunidades. Talvez os estudiosos cheguem à
conclusão de que as diaconisas se encarregavam de trabalhos sociais de
ajuda aos mais pobres e fracos. No entanto, não se sabe se, para isso,
eram ordenadas. Alguns usam essa dúvida como argumento para ser
contrários hoje à ordenação de diaconisas. Isso não parece argumento
justo, já que também não é claro se no primeiro século os próprios
homens eram ordenados. Só com o tempo, as comunidades cristãs foram
definindo os ministérios e a especificidade de cada um. Como a história
não é clara, para sermos justos na pesquisa, é bom ter claro o objetivo:
Logo depois de ter aberto essa discussão, o papa Francisco esclareceu
que o importante é que esse passo não venha clericalizar os serviços
que as mulheres já prestam e sim nos leve a uma valorização real da
função da mulher na Igreja. De fato, o estilo dos ministérios, hoje,
praticados nas Igrejas têm uma base evangélica, mas foram concebidos e
organizados levando em conta as culturas do mundo antigo. Das religiões
do Império Romano, os ministérios cristãos receberam uma auréola de
sacralidade, como se, nas comunidades do Evangelho, houvesse cristãos
que, por seu ministério, fossem mais sagrados do que outros. Ainda bem
que o Concílio Vaticano II
retomou para a Igreja Católica a valorização do sacerdócio comum de
todos as pessoas batizadas. Não conseguiu aprofundar a relação entre os
ministérios ordenados e o sacerdócio do batismo, mas deixou claro que
tem uma profunda conexão. Infelizmente, até hoje, a imagem predominante
nas comunidades ainda é a do padre, homem do sagrado e profissional do
culto. Se ficarmos presos a essa ótica da Cristandade medieval, a
conclusão sobre o diaconato feminino será negativa e é melhor que o
seja. É preciso voltar à simplicidade do evangelho e à concepção de uma
comunidade toda ela ministerial. Então, a ordenação não será apenas um
grau de poder. Será, sim, uma bênção para um serviço a cumprir. Então,
homens e mulheres, poderão receber uma ordenação que é sacramental no
sentido de visibilizar e valorizar uma missão que já existe na prática
e, de fato, muitas mulheres já a exercem nas comunidades. O diaconato
feminino revelará mais ainda o rosto feminino de Deus que nos acolhe no
seu útero de misericórdia e nos faz nascer de novo para uma vida nova.
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