O pressuposto de quanto se publica nesta
secção é que, por motivos não apenas convencionais, certas cores,
certas linhas, certas formas de objetos materiais, certos perfumes e
certos sons têm afinidade com estados de espírito do homem. Há cores que
são afins com a alegria, outras com a tristeza. Há formas que chamamos
majestosas, outras simples. Dizemos de uma família que é acolhedora. E o
mesmo podemos dizer de uma casa. Dizemos da conversa de alguém, que é
encantadora. E o mesmo podemos afirmar de uma música. Podemos achar que
um perfume é vulgar, e o mesmo podemos dizer das próprias pessoas que
gostam de o usar.
Ambiente é a
harmonia constituída, pela afinidade de vários seres reunidos em um
mesmo lugar. Imagine-se uma sala com proporções amenas, decorada com
cores risonhas, mobiliada com objetos graciosos, em que há muitas flores
exalando um aroma suave; alguém toca nesta sala uma música alegre.
Forma-se aí um ambiente de alegria.
É
claro que o ambiente será tanto mais expressivo quanto mais numerosas
forem as afinidades entre os seres que em tal sala se encontram. E
assim, esse ambiente poderá ser, além de alegre, também digno,
cultivado, temperante, se a dignidade, a cultura e a temperança
existirem nas pessoas e coisas que ali se encontram.
O
ambiente será o contrario de tudo isto, ou seja, triste, extravagante,
feio, vulgar, se os objetos que o constituírem tiverem, todos, estas
notas. Exemplo, algum salão da Bienal de arte moderna que ora se realiza
em S. Paulo.
Os homens formam para
si ambientes à sua imagem e semelhança, ambientes em que se espelham
seus costumes e sua civilização. Mas a recíproca também é verdadeira em
larga medida: os ambientes formam à sua imagem e semelhança os homens,
os costumes, as civilizações. Em pedagogia, é isto trivial. Mas valerá
só para a pedagogia? Quem ousaria negar a importância dos ambientes na
formação dos adultos; formação, dizemos com toda a propriedade, pois
nesta vida o homem, em todas as idades, tem de se dedicar ao esforço de
formar-se e reformar-se, preparando-se assim para o Céu, que é só onde
cessa a nossa marcha para a perfeição.
Assim, o católico pode e deve exigir dos ambientes em que está, que sejam instrumento eficaz para sua formação moral.
* * *
Da
importância do ambiente para o equilíbrio da vida mental e a retidão da
formação moral do homem, temos uma prova na sabedoria, beleza e
magnificência com que Deus dispôs todo o quadro da natureza para que o
contemplemos. Há no universo, não um, mas mil e mil ambientes, e todos
propícios a instruir e formar o homem. A tal ponto é isto verdade, que a
Sagrada Escritura numerosas vezes apela para seres materiais para nos
fazer entender e apreciar realidades espirituais e morais. O homem, com
seu poder limitado, constitui seus ambientes fazendo seres sem vida –
móveis, estofos, etc. – e fabricando figuras da realidade: pinturas,
esculturas, mosaicos. Deus, pelo contrário, fez a própria realidade, e,
Autor da vida, deu realce e riqueza ao ambiente da criação colocando
nele seres vivos: plantas, animais, e sobretudo o homem.
De
que poder de expressão são para este último os seres inferiores e
sobretudo os animais, temos provas no Evangelho. Assim, no seu formoso
sermão de missão dos apóstolos, (Mt. 10,16 ), Nosso Senhor nos dá a
pomba e a serpente como modelos de duas altas virtudes: a inocência e a
prudência.
* * *
Harmoniosa
nas linhas, simples no colorido, graciosa nos vôos e nos movimentos,
“afável” para com os outros animais, pura e cândida em todo o seu ser, a
pomba nada faz que possa sugerir a ideia de rapina, de agressão, de
injustiça, de intemperança, de impureza. É pois muito adequadamente que
na linguagem do Salvador é símbolo da inocência.
Mas
algo lhe falta: as aptidões pelas quais um ser assegura sua
sobrevivência, na luta contra os fatores adversos. Sua perspicácia é
mínima, sua combatividade nula, sua única defesa consiste na fuga. E por
isto o próprio Espírito Santo nos fala em “pombas imbecis, sem
inteligência!” ( Ozeas 7, 11 ).
O que
nos faz lembrar certos católicos deformados pelo romantismo, para os
quais a virtude consiste só e sempre em apagar-se, em baixar a cabeça,
em levar pancada, em recuar, em deixar-se calcar aos pés.
* * *
Quão
diversa é a serpente, agressiva, venenosa, falsa, perspicaz e ágil!
Elegante e ao mesmo tempo repugnante; frágil a ponto de poder ser
esmagada por um menino, e perigosa a ponto de matar um leão com seu
veneno; adaptada por toda a sua conformação, seu modo de mover-se e de
agir, ao ataque velado, traiçoeiro, fulminante; tão fascinante que em
certas espécies hipnotiza, e ao mesmo tempo espalhando em torno de si o
terror, é ela bem o símbolo do mal, com todos os encantamentos e toda a
felonia das forças de perdição.
Mas
em toda esta malícia quanta prudência, quanta astúcia. A prudência é a
virtude pela qual alguém emprega os meios necessários para chegar aos
fins que tem em vista. A astúcia é um aspecto, e de certo modo um
requinte da prudência, pelo qual se mantém todo o silêncio e se empregam
todos os disfarces lícitos, necessários para se chegar a um fim. Tudo
na serpente é astúcia e prudência, desde a penetração de seu olhar, até o
esguio de sua forma, e o terrível de sua arma essencial: uma só e
pequena perfuração na pele da vítima, mas através disto, um veneno que
em poucos instantes circula pelo corpo inteiro.
* * *
O
Íbis nos dá um exemplo magnífico de como se podem aliar numa só ação a
inocência da pomba e a astúcia da serpente. Faz ele seu ninho em
árvores, e protege com vigilância e energia a sua progênie. Exemplo de
virtude séria e forte, que assim dá ao homem.
Vem
porém a cobra, e traga-lhe um ovo, ameaçando deglutir os demais. Não
menos hábil e capaz do que o réptil, o íbis o ataca no ponto certo,
inutilizando-lhe todos os recursos de agressão e de defesa. Depois de
algum tempo de pressão, a serpente entrega o ovo, e cai desfalecida ao
chão.
O íbis alcançou um objetivo honesto como a inocência da pomba, empregando os meios de luta que venceram em astúcia a serpente.
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Publicado originalmente em “Catolicismo” Nº 37 – Janeiro de 1954 – na seção “Ambiente, Costumes, Civilizações”

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