[domtotal]
Por Fabrício Veliq*
Os novos convertidos sempre estão com o discurso da verdade, com o discurso certo.
Fico com a esperança de que aquela pessoa um dia verá que as coisas não são tão dizíveis assim. |
Nesses dias tive conversas interessantes com pessoas interessantes. As duas sobre temas diferentes, contudo com pontos em comum.
Dentre esses pontos em comum, uma que me chamou bastante atenção, foi
sobre os novos convertidos. Conversávamos sobre essa relação com os
novos convertidos e o porquê desses terem a necessidade de convencer a
todos de que encontraram a verdade.
Um ponto que acho interessante de perceber, e talvez fosse uma boa
analogia do processo como um todo, é imaginarmos aqueles meninos que
acabaram de entrar na escola. Assim que os mesmos chegam em casa,
começam a falar sobre tudo o que aconteceu, sobre as coisas que
aprenderam, sobre o que a professora falou e geralmente quando
discordamos deles, os mesmos afirmam categoricamente que o correto é o
que a professora disse, mesmo que mostremos que aquilo que foi dito não é
dessa forma.
Percebo que do mesmo modo, notamos essa atitude em vários de nossos
novos convertidos. Eles sempre estão com o discurso da verdade, com o
discurso certo, com a revelação divina, com a real interpretação da
palavra de Deus e n outros discursos que poderia citar.
Geralmente, ao me deparar com pessoas assim, que possuem o discurso
da verdade, duas coisas me vêm à mente: em primeiro lugar, sinto-me um
pouco triste. Triste por perceber que, na maioria, essas pessoas não
refletiram sobre sua prática, não pensaram sobre o porquê de suas ações
serem do modo que são.
Em segundo lugar, tento olhar essa pessoa como aquela criança que
falei no início, uma criança que está aprendendo as coisas agora, e como
criança, necessita ter esse discurso de que aquilo que a professora ou o
professor falou está correto e não tem como ser de outra forma senão
daquele jeito.
Sempre tento levantar as questões para que essa pessoa pense e tente
refletir sobre aquilo que diz e aquilo que faz, contudo muitas vezes as
pessoas não conseguem ainda digerir as questões e, em outras, não querem
pensar sobre isso.
Fico sempre com a esperança de que aquela pessoa um dia crescerá e
verá que as coisas não são tão dizíveis e tangíveis quando nos querem
fazer crer, como diria Rilke. No que é possível, tento cooperar para que
a mesma se desenvolva e penso que deveria ser um papel dos líderes o
fazer isso também.
Sempre me indigno com uma legitimação de ignorância, pessoas que não
querem fazer com que os outros pensem, pois esses são mais fáceis de
serem conduzidos e dominados se permanecerem desse modo.
No entanto, penso também que enquanto pessoas mais maduras na fé,
devemos sempre suportar as debilidades dos que não o são. Suportar
entendido não enquanto aturar, mas enquanto conceito bíblico de ser
suporte uns aos outros como dito em Romanos.
E com esse suportar, sempre que possível, questionar os que sobre nós
apoiam até ao ponto de eles mesmos passarem a serem suportes para os
outros. Questionar para que repensem suas práticas, para que vejam que a
interpretação cristã é uma a mais das n possíveis e para que
entendam que o Reino de Deus é um reino pensante e deve sempre ser
ruminado todos os dias como bem nos diria Nietzsche.
Trabalho difícil de fazer e que exige muita paciência de nossa parte,
bem como bastante compreensão, encarando que isso faz parte do processo
de crescimento, contudo não aceitando que seja algo permanente.
Penso que nesse contrabalancear da coisa teremos pessoas que, ao
mesmo tempo que não deixam de crescer, aproveitam cada fase do início da
vida cristã por mais angustiante que seja para nós.
*Fabrício Veliq é mestre e doutorando em teologia pela
Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE), formado em matemática e
graduando em filosofia pela UFMG. Atualmente ministra cursos de teologia
no curso de Teologia para Leigos do Colégio Santo Antônio, ligado à
ordem Franciscana. É protestante e ama falar sobre teologia em suas
diversas conversas por aí.
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