Em reposta à escassez sacerdotal aguda no mundo, o Papa Francisco pode bem decidir que o próximo Sínodo dos Bispos foque o ministério – incluída aí a questão sobre se homens casados poderiam ser ordenados para celebrar os sacramentos, com efeito criando um sacerdócio paralelo.
A reportagem é de Austen Ivereigh, publicada por Crux, 12-08-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Após a dura porém frutífera experiência do Sínodo sobre a família, uma coisa ficou clara: Francisco criou um instrumento de discernimento que é capaz de lidar com os grandes problemas da Igreja na contemporaneidade.
O Sínodo reformado – uma consulta mundial, seguida
por duas assembleias separadas por um ano, concluindo com um documento
magisterial papal importante que redefine a estratégia pastoral para a
próxima geração – significa que grandes temas não mais podem ser
escanteados com base na ideia de que eles seriam grandes demais para
serem abordados.
Se um tópico tão amplo como a preparação da Igreja para o matrimônio
e sua forma de lidar com os fiéis divorciados pode ser debatido, isso
significa que outras questões candentes podem ser também discutidas. E
no topo dessa lista encontram-se questões sobre o ministério: o acesso
aos sacramentos, o papel das mulheres e dos leigos, bem como o papel dos
diáconos.
Alguns têm dito que os ministérios pastorais vão ser o tema do próximo Sínodo, provavelmente a acontecer em 2018-2019.
Não há dúvidas de que este tema é urgente. Mais da metade das comunidades católicas no mundo não possuem um sacerdote residente.
A Prelazia do Xingu, no Pará, por exemplo, possui 800 paróquias ou missões em um território do tamanho da Alemanha,
mas conta apenas com 27 padres, o que quer dizer que mais de 2/3 dos
fiéis vão a uma missa dominical não mais do que 2 ou três vezes ao ano.
Xingu pode ser um caso extremo, mas nos países
desenvolvidos, seja nas zonas rurais, seja nas cidades, os índices que
relacionam a quantidade de padres e a quantidade de fiéis são muito
baixos no hemisfério norte, em parte porque as distâncias são enormes e
as congregações estão crescendo mais rapidamente do que quantidade de
padres formados.
Porém há ainda exemplos dramáticos na Europa, onde catequistas ou leigos administram paróquias nos intervalos das raras visitas feitas pelos párocos.
Em maio de 2007, quando os bispos latino-americanos
se reuniram em uma grande assembleia pancontinental no Santuário de
Aparecida, em São Paulo, um número considerável deles quis discutir a
questão dolorosa da falta de acesso aos sacramentos.
Todavia, um representante vaticano assegurou-lhes que aquele não era
nem o tempo, nem o local adequado para abrir tal debate sem a aprovação
de Roma.
O então cardeal arcebispo de Buenos Aires, principal autor do documento final de Aparecida, estava bem ciente do desejo de seus iguais por aquela discussão, assim como viu, no Sínodo
sobre a Eucaristia em Roma dois anos antes, o quão ávidos os bispos
estavam para debater o acesso aos sacramentos por parte dos fiéis
divorciados e recasados no civil.
Na época, estes prelados ouviram que o Sínodo, da forma como estava constituído, não era o local para uma tal discussão e Bergoglio concordou – motivo pelo qual, depois da sua eleição, Francisco introduziu um novo formato que pudesse permitir um tal discernimento.
Da mesma forma como o acesso aos sacramentos por parte dos fiéis
divorciados e recasados no civil constituiu a questão nevrálgica no Sínodo sobre a família
– problema em torno do qual os desacordos aconteceram –, num Sínodo
futuro sobre os ministérios teremos a situação das paróquias sem padres.
E, assim como houve uma proposta polêmica e de longo prazo como uma
resposta à questão dos católicos recasados – o convite do Cardeal Walter
Kasper a considerar a abordagem ortodoxa –, há uma proposta também para
as paróquias com escassez sacerdotal.
Uma solução foi lançada há anos por Fritz Lobinger, bispo emérito alemão que viveu em Durban, África do Sul.
Durante os 50 anos que morou nesse país, e ao longo de suas viagens a
muitas partes do mundo, Lobinger observou o quão inúmeras comunidades
cristãs em áreas remotas são conduzidas, na prática, por pequenos grupos
de leigos e leigas – pessoas maduras e comprometidas.
A solução que ele apresentou é ordená-las após uma breve formação, de
forma que possam administrar os sacramentos dentro daquela comunidade
unicamente.
Estes “ministros ordenados localmente” – Lobinger
diz ser importante não chamá-los de padres, muito embora envolveria
exatamente os mesmos sacramentos da ordenação sacerdotal –
constituiriam, com efeito, um sacerdócio paralelo, complementar à norma
existente no Rito Latino de um sacerdote celibatário, formado em
seminário, enviado por seu bispo a paróquias ou missões diferentes.
Lobinger aponta para um precedente em Atos dos Apóstolos
14,23 quando São Paulo e Barnabé designaram – ou ordenaram – “anciãos”
nas jovens comunidades cristãs, com o termo não se referindo tanto à
idade das pessoas, mas à maturidade ou adequação para a tarefa.
Tratava-se de equipes de homens que não eram enviados às suas
comunidades, mas que eram saídos delas; pessoas que ministravam à
comunidade em tempo parcial, enquanto continuavam trabalhando em suas
profissões; eram fiéis que possuíam famílias.
Isso mostra, afirma Lobinger em livro publicado
recentemente em espanhol, que a Igreja, durante vários séculos, ordenou
líderes locais escolhidos pela comunidade, pessoas que tinham provado um
merecimento ao longo do tempo.
Francisco já deu muitos sinais de estar disposto a abrir a questão da
ordenação de homens casados, até mesmo incentivando as igrejas locais a
apresentarem propostas.
Dom Erwin Kraütler,
da Prelazia do Xingu – ele próprio austríaco de nascimento –, declarou
que, em audiência privada com Francisco em abril de 2014, eles comparam
dados sobre como a escassez sacerdotal afeta a Igreja na América Latina.
Kraütler disse que o papa citou uma diocese mexicana – presume-se que
seja a de San Cristóbal, em Chiapas – onde paróquias eram administradas
por diáconos, que somente precisariam ser ordenados a fim de celebrarem a
missa.
Francisco descreveu a proposta de Lobinger como uma de várias “hipóteses interessantes” e instou Kraütler
a sair e construir um consenso na conferência episcopal por “propostas
ousadas e concretas” que, então, poderiam ser trazidas a Roma.
“O papa disse que está aberto à questão, que quer ouvir as igrejas
locais. Mas disse que nenhuma igreja local, ou nacional, deveria decidir
por conta própria”, segundo declarou o arcebispo a um jornal irlandês
na época.
Isto, é claro, foi exatamente a mensagem que o papa deu à Igreja
alemã quando se falava, em 2013, sobre a readmissão de casais
divorciados à Comunhão após um acompanhamento individual, caso a caso.
A proposta de Lobinger vem sendo desenvolvida na América Latina por um teólogo brasileiro da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Antonio José de Almeida, quem publicou recentemente um livro sobre os “novos ministérios”.
Almeida aponta para os 40 mil “Delegados da Palavra” em Honduras, ou para os 400 diáconos indígenas de Chiapas, como sinais da emergência de vocações “presbiterais” originadas na comunidade, do tipo aquele referido em Atos.
O teólogo, por sua vez, está assessorando uma comissão da Igreja
brasileira que reflete a respeito do assunto, a qual inclui dois
cardeais próximos ao Papa Francisco: Dom Claudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo, e Dom Raymundo Damasceno Assis, de Aparecida.
Se eles concluírem que a ordenação de anciãos locais não só é uma
solução para a escassez sacerdotal, mas também um sinal de que o
Espírito Santo está falando à Igreja, Francisco mostrar-se-ia altamente propenso a convocar um Sínodo para deliberar sobre tema.
Enquanto isso, Lobinger está publicando um livro de debates em inglês – a obra estará disponível em breve – chamado “The Empty Altar: An Illustrated Book to Help Talk About the Lack of Parish Priests” (O altar vazio: um livro ilustrado para ajudar a falar sobre a falta de párocos, em tradução livre).
Aos que gostam de se prepararem com antecedência para os Sínodos dos Bispos, uma obra dessas parece ser de leitura essencial.

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