Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. Ora, o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. Procurai o que é agradável ao Senhor, e não tenhais cumplicidade nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, condenai-as abertamente. (Ef 5, 8-11)
sexta-feira, 12 de agosto de 2016
“Tu não cometerás adultério” (Ex. 20,14): Considerações sobre a Exortação Apostólica ‘Amoris Laetitia’
“Todo aquele que abandonar sua mulher e casar com outra, comete adultério; e quem se casar com a mulher rejeitada, também comete adultério” (São Lucas 16,18).
Uma vez que a família é a célula básica da sociedade, quando ela entrar em crise arrasta consigo toda a sociedade.
Hoje,
a família está abalada pelo desaparecimento da noção do papel
fundamental da indissolubilidade conjugal como garantia da estabilidade
no casamento e educação dos filhos. Os frutos dessa crise da família se
refletem no espantoso número de divórcios que degradam o casamento quase
a torná-lo um mero arranjo provisório de vida em comum.
Mesmo
entre os católicos, sobretudo em virtude do liberalismo de inúmeros
teólogos e bispos, a perda da noção da indissolubilidade vai evanescendo
cada vez mais. E mesmo entre os católicos o divórcio vai se tornando
comum. Na verdade, ao invés de trabalhar para restaurar o verdadeiro
significado do casamento, lembrando aos fiéis o ensino perene e imutável
da Igreja a este respeito, esses teólogos e bispos, favorecem a
tendência geral para o relativismo moral e a perda da noção do pecado.
Lamentavelmente, a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Lætitia,
por causa de suas insinuações, ambigüidades, omissões e
unilateralidades, em vez de revigorar as sagradas instituições do
matrimônio e da família, contribui para a sua desintegração.
Papa Leão XIII
Alguns têm observado que Amoris Laetitia
tem também muitas coisas boas. Entretanto, é preciso sempre lembrar que
uma coisa só é boa quando o é em todos os aspectos, pois “o bem procede
de uma causa íntegra e o mal de qualquer defeito.”[1]
O mal e o erro, quando misturados com o bem e a verdade, são mais
prejudiciais do que isoladamente. Porque, como o Papa Leão XIII
(1878-1903) nos lembra,
“Nada é mais perigoso do que aqueles hereges que, preservando no resto a integridade da doutrina, com uma única palavra, como gota de veneno, corrompem a pureza e a simplicidade da fé do Senhor, e que recebemos da tradição apostólica.”[2]
É lícito tratar desta questão? Ao dissertar sobre o Magistério da Igreja, Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira observou:
“Um
católico devoto do Papado, e portanto cioso do caráter monárquico da
Igreja, poderia perguntar-nos liminarmente: é lícito versar tais
assuntos? Não seria mais piedoso acatar como infalível tudo que ensinam
quer os Papas, quer os Bispos? Responder-lhe-íamos que os fiéis não
devem considerar a Igreja como Nosso Senhor não A fêz. Se sôbre um ponto
tão fundamental da doutrina católica pairam dúvidas, é da missão de
jornais católicos esclarecê-las, pois a doutrina da Igreja não é esotérica.”[3]
É neste espírito que vamos analisar agora alguns aspectos deste importante documento do Magistério Ordinário do Papa.
A “Tese Kasper”
A Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Lætitia (doravante, “AL”)[4]
é a conclusão de discussões acaloradas entre teólogos, cardeais, bispos
e leigos, que começou com o discurso do Cardeal Walter Kasper (foto ao lado)
, no Consistório Extraordinário de fevereiro de 2014, continuou na
Terceira Assembléia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos de outubro
2014, e depois na XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos
de outubro 2015.O que chocou os católicos foi o fato de que em seu
discurso ─ que o Papa Francisco elogiou como “teologia serena”, uma forma de “fazer teologia de joelhos”[5]
─ o Cardeal Kasper propôs algo contrário às palavras de Nosso Senhor
Jesus Cristo no Evangelho; à tradição da Igreja, às advertências de São
Paulo, ou seja, que os católicos divorciados e civilmente recasados
fossem autorizados a receber a Sagrada Comunhão.[6] Além de livros e artigos de grande peso histórico e teológico escritos por cardeais, bispos, sacerdotes e leigos refutando a “tese Kasper”, mais de 800.000 assinaturas foram coletadas em todo o mundo por Filial Súplica,
uma coalizão de TFPs e outras organizações. Mais de 200 cardeais e
bispos assinaram esse pedido ao Papa para que dissesse uma palavra de
esclarecimento dissipasse tanta confusão.
III. A lei de Deus não é aplicável a todos?
Em última análise, AL aceita a “tese
Kasper”, da comunhão a adúlteros, não apenas na nota 351 do parágrafo
305, mas ao longo de toda a confusa e ambígua linha de raciocínio que
segue.[7]
Deixando
de lado o sociologismo do documento, sua argumentação teológico-moral
tem por base o princípio de que a Lei Divina e a Lei Natural não se
aplicam universalmente a todas as pessoas, tendo que ser adaptadas às
circunstâncias específicas da vida de cada uma e a suas consciências
subjetivas . AL minimiza o caráter normativo da Lei Natural,
apresentando-a apenas como uma “fonte de inspiração objectiva para o seu
processo, eminentemente pessoal, de tomada de decisão” (n. 305).
Sendo
os exemplos são tão numerosos que seria impossível citá-los todos aqui,
nos limitamos à seguinte citação, que resume toda a argumentação:
“Se se tiver em conta a variedade inumerável de situações concretas, como as que mencionamos antes, é compreensível que se não devia esperar do Sínodo ou desta Exortação uma nova normativa geral de tipo canónico, aplicável a todos os casos. É possível apenas um novo encorajamento a um responsável discernimento pessoal e pastoral dos casos particulares, que deveria reconhecer: uma vez que ‘o grau de responsabilidade não é igual em todos os casos’, as consequências ou efeitos duma norma não devem necessariamente ser sempre os mesmos.” (n. 300)
De
acordo com AL, os fatores que eximem as pessoas de culpa do pecado no
foro interno são tais, que não se deve mais presumir que os divorciados
recasados e os casais que coabitam são pecadores públicos:
“Por
isso, já não é possível dizer que todos os que estão numa situação
chamada ‘irregular’ vivem em estado de pecado mortal, privados da graça
santificante”. (n. 301)
“Por causa dos condicionalismos ou dos factores atenuantes, é possível que uma pessoa, no meio duma situação objectiva de pecado – mas subjectivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja”. (n. 305)
“Já não é possível”? O que é que já não nos permite presumir que os casais “irregulares” são pecadores públicos? É algo novo em relação à doutrina e à prática pastoral tradicionais da Igreja?
Durante
seu vôo de volta da Grécia, o Papa Francisco foi perguntado por um
jornalista se existem agora novas possibilidades concretas que não
existiam antes da publicação da AL. A resposta do Papa foi enfática: “Eu posso dizer “sim”; e ponto final”.[8]
Mas como podemos explicar essa alteração, quando pensamos nas palavras do Divino Redentor: “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mt 24:35)?
Abrindo o caminho para dar a Sagrada Comunhão aos adúlteros Se
essas pessoas estão em estado de graça, enquanto ainda adúlteros, por
que não poderiam receber a Sagrada Comunhão? Com este sofisma, em nota
de rodapé a este número 305, AL conclui que eles podem receber a
Comunhão, “em certos casos”:
“Em certos casos, poderia haver também a ajuda dos sacramentos.
Por isso, ‘aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma
câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor’ [Francisco,
Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 44: AAS 105 (2013), 1038]. E de igual modo assinalo que a Eucaristia ‘não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos’ [ Ibid., 47: o. c., 1039].” (ibid., 47: 1039)”. (n. 305, nota 351)
Apesar
da falta de clareza da nota de rodapé, se considerarmos que, no
contexto do parágrafo 305 ─ que trata dos casais irregulares ─ torna-se
claro que “os fracos” que devem ser ajudados com os
Sacramentos são esses casais ilegítimos. Também que a afirmação de que
Sagrada Eucaristia não é um prêmio “para os perfeitos”, (isto é, aqueles que estão em estado de graça), mas um remédio “para os fracos”, segue-se, logicamente, que a Sagrada Comunhão está sendo oferecida “em certos casos” para esses casais irregulares.
Agora, o argumento de que a “Eucaristia ‘não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos’”,
e que, portanto, deve ser dada a pessoas que são “fracas” por causa do
pecado, já foi respondida por São Tomás de Aquino como segue:
“Nem
todos os remédios são bons para todas as doenças. Porque um remédio que
se dá àqueles que saíram da febre, para fortalecê-los, seria
prejudicial àqueles ainda com febre. Assim, o Batismo e a Penitência são
remédios purgativos, que são dados para remover a febre do pecado.
Enquanto este Sacramento [a Eucaristia] é um medicamento dado
para fortalecer, que não deve ser administrado senão àqueles que foram
libertados do pecado”.[9]
A consciência individual substitui Lei Moral A
argumentação acima da AL, que tenta justificar a Comunhão para pessoas
em estado de público adultério, repete, os velhos erros da “Moral de
Situação” (ou “Ética de Situação”), condenado inúmeras vezes pelos papas, que nega a aplicação universal das leis morais. “Situação”
é apalavra-chave da AL, aparecendo trinta e duas vezes na tradução
portuguesa do documento.O Papa Pio XII, por exemplo, em um discurso 1952
para a Federação Mundial da Juventude Católica Feminina, condena esse
erro.
Essa nova moral, diz o Papa, poderia ser chamada de “existencialismo ético.” Continua Pio XII: “A marca desta moral é que ela não é de forma alguma baseada em leis universais da moral, por exemplo, os Dez mandamentos, mas em condições ou circunstâncias reais e concretas nas quais se deve agir e de acordo com as quais a consciência individual vai julgar e escolher”.
Essa nova moral, continua o Pontífice, “está tão totalmente fora da fé e dos princípios católicos que até uma criança que conhece seu catecismo percebe isso”.[10]
Também
o João Paulo II na Encíclica Veritatis Splendor, mencionando em nota de
rodapé a condenação de “Moral de Situação” pela Congregação do Santo
Ofício de 1956,[11] explica que,
“A consciência formula assim a obrigação moral à luz da lei natural: é a obrigação de fazer aquilo que o homem, mediante o ato da sua consciência, conhece como um bem que lhe é imposto aqui e agora. O
carácter universal da lei e da obrigação não é anulado, antes fica
reconhecido, quando a razão determina as suas aplicações na realidade
concreta.O juízo da consciência afirma por último a conformidade de um certo comportamento concreto com a lei;
ele formula a norma próxima da moralidade de um acto voluntário,
realizando ‘a aplicação da lei objectiva a um caso particular’.”[12]
No entanto, lemos em AL que,
“…a consciência das pessoas deve ser melhor incorporada na práxis da Igreja em algumas situações que não realizam objetivamente a nossa conceção do matrimónio”. (n. 303)
“…um pastor não pode sentir-se satisfeito apenas aplicando leis morais àqueles que vivem em situações ‘irregulares’, como se fossem pedras que se atiram contra a vida das pessoas. É o caso dos corações fechados, que muitas vezes se escondem até por detrás dos ensinamentos da Igreja ‘para se sentar na cátedra de Moisés e julgar, às vezes com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas’. Na mesma linha se pronunciou a Comissão Teológica Internacional: ‘A lei natural não pode ser apresentada como um conjunto já constituído de regras que se impõem a priori ao sujeito moral, mas é uma fonte de inspiração objectiva para o seu processo, eminentemente pessoal, de tomada de decisão’.” (n. 305)
Omissão do mal intrínseco AL também não menciona um princípio fundamental da moral católica que é o conceito de mal intrínseco,
ou seja, atos que são maus em si mesmos, independentemente das
circunstâncias, como ensinado por toda a tradição moral católica.A mesma
Encíclica Veritatis Splendor, recorda brevemente este princípio fundamental da moral:
“Ao ensinar a existência de atos intrinsecamente maus,
a Igreja cinge-se à doutrina da Sagrada Escritura. O apóstolo Paulo
afirma categoricamente: «Não vos enganeis: Nem imorais, nem idólatras,
nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas,
nem ladrões, nem avarentos, nem maldizentes, nem os que se dão à
embriaguez, nem salteadores possuirão o Reino de Deus» (1 Cor 6, 9-10).
Se
os atos são intrinsecamente maus, uma intenção boa ou circunstâncias
particulares podem atenuar a sua malícia, mas não suprimi-la.”[13]
Esses
atos, e adultério é um deles, em si mesmos, não podem ser bons em
nenhum caso, não importando as circunstâncias ou as intenções com que
são praticadas, pois:
“…a intenção é
boa quando visa o verdadeiro bem da pessoa na perspectiva do seu fim
último. Mas os atos, cujo objeto é ‘não ordenável’ a Deus e ‘indigno da
pessoa humana’, opõem-se sempre e em qualquer caso a este bem”.[14]
VII. O adultério é análogo ao casamento? Uma
analogia é uma relação estabelecida entre diferentes realidades que, no
entanto, têm algo em comum. Assim, existe alguma analogia entre o
estado de adultério ou o concubinato e o casamento, uma vez que em cada
caso, um homem e uma mulher vivem juntos em um estado de comunhão
íntima.
Mas a partir desta analogia material não se pode tirar uma conclusão moral
sobre o estado de adultério e o casamento legítimo, porque, embora eles
tenham algo em comum do ponto de vista material, trata-se de duas
realidades morais diferentes e opostas: uma virtuosa e a outra viciosa.
Como diz São Tomás, “em relação ao que pertence diretamente à essência
de virtude, seu contrário é vício.”[15]
Embora reconhecendo que não há nenhuma analogia possível entre o chamado “casamento” entre pessoas do mesmo sexo e o verdadeiro casamento (n. 251), depois de falar do ideal cristão do casamento, AL diz o seguinte sobre o estado de adultério e concubinato:
“Algumas formas de união contradizem radicalmente este ideal, enquanto outras o realizam pelo menos de forma parcial e analógica. Os Padres sinodais afirmaram que a Igreja não deixa de valorizar os elementos construtivos nas situações que ainda não correspondem ou já não correspondem à sua doutrina sobre o matrimónio”. (n. 292)
Tal
como no conjunto de AL, a construção da frase é sinuosa e confusa, mas
sugere que situações matrimoniais irregulares já contêm “elementos construtivos”,
como se esses elementos pudessem ser separados do estado de pecado em
que estão inseridos, embora a graça possa usá-los como uma ocasião para
levar a pessoa a conversão.
Não há
dúvida de que as pessoas em estado de pecado podem fazer o bem. Mas é um
bem simplesmente natural, pois falta-lhes a graça santificante, que é
necessária para o mérito sobrenatural. Caso contrário, se cairia em uma
forma de Pelagianismo em que o homem pode fazer o bem sobrenatural
meritório sem a ajuda da graça. Como São Tomás ensina, “não há nenhum
mérito para aqueles que não têm a graça”.[16]
Mas o conjunto da “pastoral”
(leia-se “teologia”) de AL é baseada no princípio de que os adúlteros e
pessoas em concubinato não são membros mortos da Igreja,[17] mas sim membros vivos, vivificados pelo Espírito Santo. Assim, diz AL:
“…os baptizados que se divorciaram e voltaram a casar civilmente
devem ser mais integrados na comunidade cristã sob as diferentes formas
possíveis, evitando toda a ocasião de escândalo. A lógica da integração
é a chave do seu acompanhamento pastoral, para saberem que não só pertencem ao Corpo de Cristo que é a Igreja, mas podem também ter disso mesmo uma experiência feliz e fecunda. São baptizados, são irmãos e irmãs, o Espírito Santo derrama neles dons e carismas para o bem de todos.” (n. 299)
VIII. O Espírito Santo inspira o feminismo? O
igualitarismo que prevalece em nossa sociedade conduz ao feminismo. Em
geral, porém, os autores apresentam o feminismo moderno como tendo
origem em intelectuais marxistas tais como Simone de Beauvoir, Shulamith
Firestone, Betty Friedan e o grupo de marxistas da “Escola de Frankfurt”, que teorizou o “marxismo cultural.” AL cita o psicanalista marxista Eric Fromm, da Escola de Frankfurt.[18]
O feminismo destrói a harmonia natural entre homem e mulher e estabelece uma “batalha dos sexos”
análogas à luta de classes marxista que lhe serve de inspiração.
Embora, em teoria, possa existir um feminismo não-marxista, não é o que
prevalece hoje.
A própria expressão,
feminismo, já não sugere uma revolta contra a ordem estabelecida por
Deus, a harmonia entre o homem e a mulher?
Como uma aplicação de seus princípios igualitários, o feminismo se volta contra o que chama de “patriarcado”, “cultura patriarcal,” e “machismo”.
Por isso, é surpreendente ver o Papa Francisco
adotar um termo tão carregado de um espírito anti-católico e
anti-tradicional como “feminismo.” Embora faça uma vaga reserva, ele
diz:
“Aprecio o feminismo, quando não pretende a uniformidade nem a negação da maternidade”. (n. 173)
E AL atribui o movimento feminista a uma ação do Espírito Santo:
“Se aparecem formas de feminismo que não podemos considerar adequadas, de igual modo admiramos a obra do Espírito no reconhecimento mais claro da dignidade da mulher e dos seus direitos”. (n. 54)
Da mesma forma, AL adota o vocabulário feminista e ataca as “culturas patriarcais”:
“A história carrega os vestígios dos excessos das culturas patriarcais, onde a mulher era considerada um ser de segunda classe…”(n. 54)
Não somente isso, mas AL qualifica aqueles que criticam o feminismo como “machistas”:
“Alguns consideram que muitos dos problemas atuais ocorreram a partir da emancipação da mulher. Mas este argumento não é válido, ‘é falso, não é verdade! Trata-se de uma forma de machismo’”. (n. 54)
Além disso, AL adota uma perspectiva feminista para interpretar São Paulo, e o acusa de ser influenciado por uma “cultura patriarcal”!
“E não obstante ele [São Paulo] escrevesse numa época em que dominava uma cultura patriarcal, na qual a mulher era considerada um ser completamente subordinado ao homem…. (n. 154).
“É
importante deixar claro a rejeição de toda a forma de submissão sexual.
Por isso, convém evitar toda a interpretação inadequada do texto da Carta
aos Efésios, onde se pede que «as mulheres [sejam submissas] aos seus
maridos» (Ef 5, 22). São Paulo exprime-se em categorias culturais
próprias daquela época; nós não devemos assumir esta roupagem cultural, mas a mensagem revelada que subjaz ao conjunto da perícope”. (n. 156)
Ora,
a mensagem revelada que este texto escriturístico transmite sempre foi
interpretada como a necessidade de a sociedade conjugal ─ como qualquer
outra sociedade ─ ter uma autoridade para unificá-la. Caso contrário,
reinaria a discórdia.
Exemplo desse ensinamento é encontrado na admirável encíclica do Papa Pio XI sobre a família, Casti Conubii, (“A casta união conjugal”), de 1930:
“Ligada, enfim, com o vínculo desta caridade na sociedade doméstica, florescerá necessariamente aquilo que Santo Agostinho chama a ordem do amor. Essa ordem implica
de um lado a superioridade do marido sobre a mulher e os filhos, e de
outro a pronta sujeição e obediência da mulher, não pela violência, mas
como a recomenda o Apóstolo com estas palavras: ‘Sujeitem-se as mulheres
aos seus maridos como ao Senhor; porque o homem é cabeça da mulher,
como Cristo é cabeça da Igreja’ (Ef 5, 22-23)”.[19]
Nada há nada de tirânico ou absolutista nesta submissão, observa Pio
XI; ela pode sofrer alguma variação no tempo e quando o marido deixa de
cumprir a função que lhe é própria, esta, então, deve ser assumida pela
esposa. “Mas ─ insiste o Papa Pio XI ─ em nenhum tempo e lugar é
lícito subverter ou prejudicar a estrutura essencial da própria família
e a sua lei firmemente estabelecida por Deus”.[20]
Na
verdade, quando esta hierarquia entre os cônjuges falta, como acontece
em nossos tempos igualitários, qualquer desacordo entre eles pode
facilmente envenenar-se e destruir os laços afetivos abrindo o caminho
para o divórcio. Esta é, por sinal, uma das causas muito comum na
epidemia atual de divórcios, mesmo entre os católicos.
Cônjuges castos, ou afundados prazer? A
Igreja sempre usou de extremo pudor ao tratar da intimidade no
casamento. Basta recordar a acima mencionada encíclica do Papa Pio XI,
cujo título próprio é um programa de vida: Casti Conubii (“A casta união conjugal”).A repeito da intimidade dos esposos, diz o Pio XI:
“…as próprias manifestações mútuas de familiaridade entre os cônjuges devem ser caracterizadas pela castidade, de sorte que os cônjuges se comportem em tudo segundo a lei divina e natural e procurem seguir sempre a vontade do seu sapientíssimo Criador, com grande reverência para com a obra de Deus.[21]
O contraste entre o pudor de Casti Conubii e erotismo da AL não poderia ser maior. Por exemplo, lê-se nesta última:
[O amor entre marido e mulher] “é uma uma ‘união afetiva’, espiritual e oblativa, mas que reúne em si a ternura da amizade e a paixão erótica … (n. 120) [20]
Um dos subtítulos de AL é revelador da nova linguagem eclesiástica: “A dimensão erótica do amor” (n. 150).
Quando,
como nos nossos tempos, em que se perdeu o senso de pudor e o amor pela
castidade, em que as pessoas são bombardeadas com apelos eróticos de
todos os lados, dedicar longos parágrafos ao “erotismo” do amor conjugal é minar ainda mais a instituição já tão golpeada do casamento.
Assim, exaltando erotismo, AL critica a doutrina e a prática pastoral tradicionais por supostamente colocar “uma ênfase quase exclusiva no dever da procriação” (n. 36). E, mais adiante, lê-se que o matrimônio “não foi instituído só em ordem à procriação” (n. 125),
embora discretamente reconheça alhures que a união conjugal “está
ordenada para a geração ‘por sua própria natureza’.” (n. 80 )
A“fumaça de Satanás” na Igreja A Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Lætitia semeou a confusão entre o clero e os fiéis, trazendo à mente as palavras do Papa Paulo VI em 29 de junho de 1972 sobre a “fumaça de Satanás”, que entrou na Igreja.[22]
Amoris Laetitia
não faz as distinções adequadas entre a ordem natural e a sobrenatural,
entre o pecado e a virtude, o bem e o mal. Favorece todo o miasma de
doutrinas secularistas e o hedonismo dominante.
Mas, talvez, a mais grave afirmação feita por AL é que,
“Ninguém pode ser condenado para sempre, porque esta não é a lógica do Evangelho!” (n. 297)
Tal afirmação sugere que se uma pessoa permanece “para sempre”, isto é, durante anos, em um estado estável do pecado, ela não pode mais ser “condenada”
como um pecador. Como se um longo período de tempo no pecado pudesse
torná-lo legítimo! Além disso, pelo menos implicitamente, AL nega a
existência do Inferno, ou a eterna condenação a ele. Entretanto, as
palavras de Nosso Senhor são claras:
“Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos”. (São Mateus 25,41).
A A Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Lætitia é inaceitável Nestes
breves observações destacamos apenas alguns pontos que falam por si aos
católicos instruídos, o público específico a que nos dirigimos. No
entanto, o que foi dito é suficiente para concluir que a “nova moral”
apresentada em Amoris Laetitia é incompatível com o ensinamento moral perene da Igreja.
Na verdade, o documento reintroduz erros que já foram condenados, como a “Moral de Situação”. Isso faz com que Amoris Laetitia
seja inaceitável. É inaceitável não só por causa de seus graves erros,
mas igualmente por suas insinuações, ambigüidades, omissões e
unilateralidades, todas orientadas no sentido de favorecer o relativismo
moral e dogmático expressos, por exemplo, na “tese Kasper,” que é aplicado não só a situações de adultério, mas também às uniões homossexuais. Católicos que desejam permanecer fiéis ao seu Batismo devem rejeitá-la.
Embora
essas considerações sejam feitas com o maior respeito pela pessoa
augusta do Sumo Pontífice, para manter a integridade da fé e da moral
nas presentes circunstâncias a verdade deve ser mostrada na sua
totalidade.
XII. Confiança na Divina Providência por meio de Maria Santíssima
É nestas horas de crise que devemos ter a maior confiança na Divina
Providência e recorrer mais do que nunca à intercessão de Maria
Santíssima, Esposa do Espírito Santo e Mãe da Igreja. Mantenhamo-nos
firmes, que Nosso Senhor não nos abandonará: “Eis que venho sem demora: guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa” (Ap 3,11).
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