Por Pierluigi Mele
Dissidência diz respeito à teologia e à "geopolítica da misericórdia" de Francisco.
Os sites tradicionalistas desencadeiam
uma espécie de "ciberguerra" contra as ações do Papa Francisco. Quais
são os sites e quem são esses superintegralistas "católicos"?
Conversamos a respeito com Giacomo Galeazzi, vaticanista do jornal La
Stampa, autor, junto com Andrea Tornielli, de uma investigação sobre aquela área eclesial que vive de ressentimentos nostálgicos contra o Vaticano II e a modernidade.
Eis a entrevista.
Galeazzi, você e Andrea Tornielli foram autores de uma bela investigação jornalística sobre a resistência (ou a dissidência) ao Papa Francisco, publicada nos últimos dias no Vatican Insider, queremos aprofundar alguns dos pontos da sua investigação. Comecemos fazendo um pequeno mapa: onde se situa mais a área da dissidência?
Há um mês, quando começamos a nossa viagem na galáxia dos opositores
de Bergoglio, logo aplicamos um método muito rigoroso. Encontros,
conversas, visitas: tudo gravado, escrito, inatacável. E, de fato,
depois da publicação da nossa investigação, as reações dos sites
ultratradicionalistas devem se agarrar aos espelhos da conspiração,
porque não têm elementos para contestar nem mesmo uma vírgula daquilo
que relatamos. Nós mergulhamos durante semanas em uma frente eclesial,
política e cultural que, na web e nos círculos, une "leguistas" [da Liga
Norte, partido de extrema direita italiano], nostálgicos de Ratzinger,
inimigos do Concílio. Por exemplo, na sua página oficial
no Facebook, Antonio Socci defende que Bento XVI não quis realmente
renunciar, mas ainda se considera papa, querendo, de algum modo,
compartilhar o "ministério petrino" com o sucessor. Interpretação que o
próprio Ratzinger desmentiu.
A dissidência se manifesta mais não só com livros, mas também, como você já disse, com o instrumento da web. A rede se torna, assim, a arma para desencadear a oposição a Francisco. Pode nos dar alguns nomes dos principais opositores?
O que mantém unida a galáxia da dissidência é a aversão a Francisco. É
uma área variada que vai dos lefebvrianos que decidiram "esperar por um
pontífice tradicional" para voltar à comunhão com Roma aos católicos
"leguistas" que contrapõem Francisco ao seu antecessor Ratzinger e
lançam uma campanha "O meu papa é Bento". Há os ultraconservadores
da Fundação Lepanto e os sites próximos de posições sedevacantistas,
convencidos de que Socci tem razão ao defender a invalidez da eleição
de Bergoglio apenas porque, no conclave de março de 2013, uma votação
tinha sido anulada sem ter sido escrutinada. O motivo? Uma cédula a mais
inserida por engano por um cardeal. A votação tinha sido imediatamente
repetida, justamente para evitar qualquer dúvida e sem que nenhum dos
purpurados eleitores levantasse objeções. Nessa galáxia, também há
prelados, e intelectuais tradicionalistas assinam abaixo-assinados ou
protestam contra as aberturas pastorais do pontífice argentino sobre a
comunhão para os divorciados recasados e sobre o diálogo com o governo
chinês.
Qual o peso dessa área?
Depois da publicação da nossa investigação no La Stampa, um grande
colega do jornalAvvenire, Luigi Rancilio fez-se exatamente esta
pergunta: quantas pessoas estão envolvidas nessa frente
anti-Bergoglio na web? Assim, ele analisou o tráfego dos blogs e dos
sites citados em setembro, usando SimilarWeb (que pode não ser 100%
exato, mas é muito confiável). Aqui estão os resultados: La Nuova
Bussola Quotidiana, uma média de 11.200 leitores por dia. O blog
de Antonio Socci, média de 6.833 leitores diários. Il Timone, média de
3.253 leitores diários. O blog de Sandro Magister na L’Espresso, média
de 2.870 leitores diários. Riscossa Cristiana, média de 2.440 leitores
diários. Unavox, média de 1.456 leitores diários. O blog do Pe. Giorgio
De Capitani, média de 730 leitores diários. O blog Chiesa e
Postconcilio, média de 284 leitores diários. Rosso Porpora, média de 57
leitores diários. Mesmo fingindo que nenhum desses sites ou blogs tenha
leitores em comum (o que é impossível), estamos falando de cerca de
29.123 pessoas por dia. Portanto, o Papa Francisco pode dormir
tranquilamente. A dissidência contra o papa une pessoas e grupos muito
diferentes e não comparáveis entre si.
A linha pastoral de Francisco, que, no rastro do Vaticano II, propõe uma eclesiologia inclusiva (a visão da "Igreja como hospital de campanha"), é contestada por alguns cardeais e por uma parte da Cúria Romana. O que contestam ao Papa Francisco? Qual é a crítica mais feroz do ponto de vista teológico?
Um dos principais centros de resistência, de acordo com o historiador
ultratradicionalista Roberto De Mattei (presidente da Fundação Lepanto)
é oInstituto João Paulo II para a Família. Na mira dos críticos também
está a contribuição que a política migratória de Francisco, na opinião
dos seus detratores, fornece para a desestabilização da Europa e para o
fim da civilização ocidental. Entre aqueles que são considerados
estrelas-guia por parte desse mundo, estão, sobretudo, o purpurado
estadunidense Raymond Leo Burke, patrono dos Cavaleiros de Malta, e o
bispo auxiliar de Astana, Athanasius Schneider. Os bispos católicos no
mundo são mais de cinco mil, lembrou-nos o sociólogo Massimo Introvigne.
A dissidência consegue mobilizar uma dezena, muitos dos quais
aposentados, o que mostra precisamente a sua falta de consistência.
Vimos que a rede se torna o grande contêiner onde se abriga o ressentimento, a deslegitimação (e, em alguns casos, também o ódio) contra o papa. Embora entre diferenças de posições, parece haver uma "direção" comum que alimenta essa dissidência. É verdade? Ou é uma visão "conspiratória" imaginar isso?
Introvigne defende que essa dissidência está presente mais na web do
que na vida real e é sobreavaliada: de fato, há dissidentes que escrevem
comentários nas redes sociais debaixo de quatro ou cinco pseudônimos,
para dar a impressão de serem mais numerosos. E é um movimento que não
tem sucesso, porque não é unitário. Existem pelo menos, de acordo com
Introvigne, três dissidências diferentes: a política das fundações
estadunidenses, de Marine Le Pen e de Matteo Salvini que não estão muito
interessados nas questões litúrgicas e morais – muitas vezes, sequer
vão à igreja –, mas somente na imigração e nas críticas do papa ao
turbo-capitalismo. A dissidência nostálgica de Bento XVI, mas que não
contesta o Vaticano II. E a dissidência radical da Fraternidade São Pio
X ou de Mattei e Gnocchi, que, ao contrário, rejeita o Concílio e aquilo
que veio depois.
Entre os protagonistas, além de teólogos e alguns elementos da hierarquia, há os jornalistas. Entre os mais conhecidos, lembramos: Magister (mais sofisticado), Socci (defensor da tese da invalidade da eleição de Francisco) e Rusconi (tradicionalista de Ticino). Notei a ausência de Aldo Maria Valli, vaticanista do TG1, um dos mais críticos, embora refinado, contra o papa. Por quê?
Fizemos uma fotografia daquilo que existe. Foi um trabalho capilar e
extenuante. Certamente, também há outras vozes de dissidência a
Francisco. Relatamos aquelas que consideramos como as mais
significativas. A dissidência contra o papa une pessoas e grupos muito
diferentes e não comparáveis entre si: há os distanciamentos soft do
jornal online La Bussola Quotidiana e da revista Il Timone, dirigidos
por Riccardo Cascioli. Há a repreensão quase diária ao pontífice
argentino divulgada online pelo vaticanista emérito
da L’Espresso, Sandro Magister. Há os tons apocalípticos e zombadores
de Maria Guarini, animadora do blog Chiesa e Postconcilio, até chegar às
críticas mais duras dos grupos ultratradicionalistas e sedevacantistas,
aqueles que consideram que não houve mais um papa válido depois de Pio
XII.
Não há só a teologia. A dissidência também diz respeito à "política" e até mesmo à "geopolítica da misericórdia" de Francisco. Aqui, o espectro vai dos católicos conservadores estadunidenses (que votam em Trump) aos católicos leguistas que torcem por Putin. Não é absurdo ter Putin como um interlocutor a ser contraposto ao Papa Francisco? Sem esquecer a direita "soberanista". Sobre que base se fundamenta essa insurreição?
Visitamos os lugares e nos encontramos com os protagonistas dessa
oposição aFrancisco, numericamente limitada, mas muito presente na web,
para descrever um arquipélago que, pela internet, mas também com
encontros reservados entre eclesiásticos, mistura ataques frontais e
públicos com estratégias mais articuladas.Introvigne nos fez notar uma
surpreendente característica comum a muitos desses ambientes: é a
idealização mítica do presidente russo Vladimir Putin, apresentado como o
líder "bom" a ser contraposto ao papa líder "ruim", por causa de suas
posições em matéria de homossexuais, muçulmanos e imigrantes. A
dissidência anti-Francisco conta com a colaboração de fundações russas
muito ligadas a Putin.
Você acha que essas posições têm alguma possibilidade de alcançar um consenso mais amplo na comunidade eclesial?
No livro Il Concilio di Papa Francesco (Elledici), eu pude listar
razões e questões que dividem esses opositores de Bergoglio da
esmagadora maioria dos fiéis. Entre os inimigos de Francisco, muitos
assumem o Vaticano II como o "grande inimigo". Francisco, precisamente
por ser o primeiro papa que não participou do Concílio, tem como direção
fundamental a realização e a atualização da primavera conciliar. E isso
contrasta com o lugar comum de um período histórico da Igreja
totalmente concluído e que deve ser celebrado quase com um obséquio
retórico obrigatório, mais ou menos convicto, mais ou menos hipócrita.
Francisco considera que o Concílio, ao contrário, permaneceu
praticamente não aplicado e que, em vez de celebrá-lo ritualmente,
justamente, ele deve ser vivido na experiência pastoral cotidiana. A
referência ao Concílio me permitiu, também através de um amplo
reconhecimento entre as opiniões dos mais influentes protagonistas do
debate eclesial, de formular distinções entre termos que se confundem
demais para ser esclarecedores. Aqueles que se lembram da diferença
essencial, por exemplo, entre miséria e pobreza, para os quais a
primeira é indignidade, a segunda é estilo de vida, e o Evangelho diz,
de fato, "bem-aventurados os pobres", e não "bem-aventurados os
miseráveis". Justamente para contestar assimilações ideológicas ingênuas
ou maldosas, é útil recordar as palavras de Francisco que reivindicam a
primogenitura da palavra evangélica sobre a importância do "cuidado dos
pobres", em comparação com reivindicações marxistas totalmente
estranhas à concepção cristã da vida.
Como o Papa Francisco reage a tudo isso?
Francisco é um dom providencial para a Igreja e para o mundo. Basta
acompanhar, a cada dia, no Vatican Insider, a atividade de Bergoglio e
ver os seus extraordinários efeitos globais para entender o porte
histórico do seu pontificado. Àqueles que atacam Bergoglio
acriticamente, de cabeça baixa, e, apesar de se chamarem de católicos,
chegam a insultá-lo nos sites ultratradicionalistas definindo o Vigário
de Cristo como "um monótono palhaço de pouco valor", vale a pena indicar
a leitura de O nome de Deus é misericórdia (Planeta), o livro no qual o
papa demonstra esplêndida e inequivocamente a Andrea Tornielli como o
Evangelho é a única orientação da sua ação. As respostas de Bergoglio a
Tornielli dão a entender de maneira inequívoca como o pontífice traz no
coração exclusivamente a evangelização. Venenos medíocres e mesquinhos
de pequenas poças poluídas não conseguem sequer tocar o grande rio
alimentado pelo Espírito Santo.
Rainews / IHU - Tradução: Moisés Sbardelotto.
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