Por Maria de Lourdes Zavarez*
A sensibilidade feminina atinge o que é considerado pequeno, aparentemente sem valor.
Um dos maiores tesouros trazidos pela
renovação Conciliar foi o resgate da Liturgia da Palavra, com sua
identidade e força sacramental, sua igual importância e
inter-complementaridade com a mesa da Ceia Eucarística como celebração
da Aliança e “único ato de culto” (SC 56), oferecendo substancioso e
abundante alimento para a vida cristã com a riqueza dos Lecionários, com
variados e importantes textos da Sagrada Escritura no decorrer do ano
litúrgico (Cf. SC 51).
Com a recuperação da liturgia da Palavra como parte integrante da celebração cristã, descortina-se uma efetiva participação e valiosa contribuição das mulheres na liturgia como leitoras, salmistas, instrumentistas, animadoras, cantoras, espaço até então marcadamente masculino.
O número cada vez mais crescente de comunidades que, impedidas de celebrarem a eucaristia por falta de ministros ordenados, reúnem-se aos domingos, foi consolidando a presença e o protagonismo das mulheres na animação e na presidência da celebração dominical da Palavra: uma sábia alternativa, aberta e incentivada pelo magistério da Igreja para as 70% das comunidades celebrarem o Dia do Senhor e das quais, 90% são animadas por mulheres (cf. SC 35,4; CNBB, doc.43,25.100; cf.CNBB, doc 52).
Mas foram, sobretudo nas Comunidades eclesiais de base, em pequenas comunidades populares e espaços informais, onde o masculino e o feminino se incluem espontaneamente, que floresceram os inúmeros ministérios femininos, dando à eclesiologia nova característica e uma expressão litúrgica mais coerente com a imagem de Deus que a Bíblia nos apresenta. As celebrações dos Intereclesiais que se realizam periodicamente desde 1975, testemunham e registram esta realidade já bem consolidada. No “catolicismo popular” as mulheres sempre ocuparam espaços de liderança e exerceram ministérios: como benzedeiras, na reza do terço, ladainhas cantadas, procissões, romarias, animando e sustentando a fé e a luta pela vida.
Porém, não se trata apenas de abrir para as mulheres ministérios e serviços, impelidos pelo direito e força da vocação batismal e cidadania eclesial, em igualdade com os homens e, sim, de imprimir também à Igreja, comunidade de irmãos e irmãs, uma feição, uma maneira de ser, de agir e celebrar onde o feminino e o masculino se revelem em harmoniosa complementaridade e cumplicidade.
A reaproximação que nós mulheres estamos fazendo das Sagradas Escrituras, nos círculos bíblicos, celebrações da Palavra, leitura orante da Bíblia, Ofício Divino das Comunidades e outras tantas formas de celebrar a vida, nas casas, nos pequenos grupos, na oração pessoal, tem nos oferecido, pela atuação amorosa do Espírito, uma nova interpretação, nova maneira de fazer hermenêutica, nova compreensão, capaz de “garimpar” no decorrer da história da salvação a significativa contribuição das mulheres, que por muito tempo ficou obscurecida por uma concepção patriarcal que permeia também os textos bíblicos e a ainda está bem presente na caminhada da Igreja. Neste sentido, uma grande contribuição tem nos dado o Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), com as publicações, cursos e estudos apresentados por mulheres teólogas, biblistas e também pastoras de outras Igrejas cristãs, que se dedicam à leitura bíblica na ótica da mulher, colocando em evidência a atuação, a liderança de inúmeras mulheres na história da salvação, como: Miriam (cf. Ex 15,21); Débora (cf. Jz 5,1-31); Judith (cf. Jd16,1-16); Ana (cf. 1Sm 21,10); MARIA e Isabel (cf. Lc 1, 26-56); Marta (cf. Lc 10, 38-41; Jo 11, 1-27); Maria, da unção (cf. Lc 10,38-41; Jo 12, 1-8); Madalena (cf. Mt 27, 61. 28,1; Jo 20, 1-18); Lidia (cf. At 16, 14-40); Priscila (cf. At 18, 2.18; Rm 16,3) e tantas outras, algumas, cujos nomes nem são citados, como a Samaritana (cf. Jo 4, 1-26), a Cananeia (cf. Mt 15,21-28), mas cujas palavras e ações são reconhecidas e proclamadas como Boa nova, “evangelho”!
Acostumadas aos rituais da vida cotidiana da casa e do trabalho, as mulheres conseguem na prática celebrativa, unir ternura e força, afetividade e consciência, carinho e vigor, alegria e dor, intuição e razão, corpo e espírito. A sensibilidade feminina atinge o que é considerado pequeno, comum, aparentemente sem valor, por isto os fatos rotineiros e até corriqueiros são valorizados, carregados de novidade, de beleza, de surpresa, de encantamento e de gratuidade e, por isto, motivo de festa, de alegria, de canto, de dança, de louvor, de súplica, de celebração!
A linguagem mais coloquial nas orações, na partilha da Palavra, na relação com as pessoas, permite uma experiência mais relacional e afetiva com o Mistério, com Cristo, Palavra Viva do Pai, que atinge pela ação de seu Espírito a vida concreta das pessoas, da comunidade, em sua real conflitividade, com suas alegrias, dores e esperanças.
Outra característica da atuação das mulheres nas celebrações é a necessidade de trabalhar em equipe, distribuir tarefas, fazer circular a palavra, por isto mesmo, com maior possibilidade de partilha, de troca, de acerto, de ajuda mútua e de comunhão, rompendo com qualquer sinal de individualismo, de personalismo, de concentração de poder, de dominação que possa se projetar. O cuidado com a preparação da celebração, do espaço celebrativo organizado com antecedência, carinho e beleza, ajudam no acolhimento, onde as pessoas se sentem à vontade para falar, expressar seus problemas, participar com gosto, ativa e espiritualmente.
Contudo, é preciso reconhecer, lamentavelmente, que este protagonismo atingido pelas mulheres no período pós-conciliar, hoje entrou em declínio em muitas dioceses, paróquias e comunidades, nas quais o modelo de Igreja distanciou-se da proposta do Concílio Vaticano II, voltando ao clericalismo litúrgico que detém o poder da palavra, o controle do sagrado e deixa marcas profundamente machistas na liturgia. O grande número de diáconos permanentes tem, em muitos lugares, excluído as mulheres da presidência, da proclamação e partilha da Palavra, da animação das celebrações e reduzido consideravelmente sua atuação de liderança nas comunidades. Seu protagonismo, no entanto, permanece nas inúmeras celebrações feitas nas casas, nos espaços informais, na catequese, nas celebrações do Ofício Divino das Comunidades, nas celebrações por ocasião da doença, da morte e tantas outras circunstâncias que a vida propõe.
Na esperança prosseguimos, e como “CELEBRA, Rede de Animação Litúrgica” nos dedicamos ao cultivo “de uma liturgia cristã, fonte de espiritualidade, inculturada na caminhada solidária dos pobres,” onde se incluem as mulheres. O tempo sentido por nós como cíclico, favorece o amadurecimento lento, de semana em semana, de ano para ano, como uma demorada e sofrida gestação (cf. Carta de Princípios, 13). Mesmo que demore, o fruto esperado chegará, trazendo alegria, libertação e motivo de celebração em que mulheres e homens, festejaremos a feliz comunhão de nossas diferenças, na realização do sonhado Reino de Deus.
Com a recuperação da liturgia da Palavra como parte integrante da celebração cristã, descortina-se uma efetiva participação e valiosa contribuição das mulheres na liturgia como leitoras, salmistas, instrumentistas, animadoras, cantoras, espaço até então marcadamente masculino.
O número cada vez mais crescente de comunidades que, impedidas de celebrarem a eucaristia por falta de ministros ordenados, reúnem-se aos domingos, foi consolidando a presença e o protagonismo das mulheres na animação e na presidência da celebração dominical da Palavra: uma sábia alternativa, aberta e incentivada pelo magistério da Igreja para as 70% das comunidades celebrarem o Dia do Senhor e das quais, 90% são animadas por mulheres (cf. SC 35,4; CNBB, doc.43,25.100; cf.CNBB, doc 52).
Mas foram, sobretudo nas Comunidades eclesiais de base, em pequenas comunidades populares e espaços informais, onde o masculino e o feminino se incluem espontaneamente, que floresceram os inúmeros ministérios femininos, dando à eclesiologia nova característica e uma expressão litúrgica mais coerente com a imagem de Deus que a Bíblia nos apresenta. As celebrações dos Intereclesiais que se realizam periodicamente desde 1975, testemunham e registram esta realidade já bem consolidada. No “catolicismo popular” as mulheres sempre ocuparam espaços de liderança e exerceram ministérios: como benzedeiras, na reza do terço, ladainhas cantadas, procissões, romarias, animando e sustentando a fé e a luta pela vida.
Porém, não se trata apenas de abrir para as mulheres ministérios e serviços, impelidos pelo direito e força da vocação batismal e cidadania eclesial, em igualdade com os homens e, sim, de imprimir também à Igreja, comunidade de irmãos e irmãs, uma feição, uma maneira de ser, de agir e celebrar onde o feminino e o masculino se revelem em harmoniosa complementaridade e cumplicidade.
A reaproximação que nós mulheres estamos fazendo das Sagradas Escrituras, nos círculos bíblicos, celebrações da Palavra, leitura orante da Bíblia, Ofício Divino das Comunidades e outras tantas formas de celebrar a vida, nas casas, nos pequenos grupos, na oração pessoal, tem nos oferecido, pela atuação amorosa do Espírito, uma nova interpretação, nova maneira de fazer hermenêutica, nova compreensão, capaz de “garimpar” no decorrer da história da salvação a significativa contribuição das mulheres, que por muito tempo ficou obscurecida por uma concepção patriarcal que permeia também os textos bíblicos e a ainda está bem presente na caminhada da Igreja. Neste sentido, uma grande contribuição tem nos dado o Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), com as publicações, cursos e estudos apresentados por mulheres teólogas, biblistas e também pastoras de outras Igrejas cristãs, que se dedicam à leitura bíblica na ótica da mulher, colocando em evidência a atuação, a liderança de inúmeras mulheres na história da salvação, como: Miriam (cf. Ex 15,21); Débora (cf. Jz 5,1-31); Judith (cf. Jd16,1-16); Ana (cf. 1Sm 21,10); MARIA e Isabel (cf. Lc 1, 26-56); Marta (cf. Lc 10, 38-41; Jo 11, 1-27); Maria, da unção (cf. Lc 10,38-41; Jo 12, 1-8); Madalena (cf. Mt 27, 61. 28,1; Jo 20, 1-18); Lidia (cf. At 16, 14-40); Priscila (cf. At 18, 2.18; Rm 16,3) e tantas outras, algumas, cujos nomes nem são citados, como a Samaritana (cf. Jo 4, 1-26), a Cananeia (cf. Mt 15,21-28), mas cujas palavras e ações são reconhecidas e proclamadas como Boa nova, “evangelho”!
Acostumadas aos rituais da vida cotidiana da casa e do trabalho, as mulheres conseguem na prática celebrativa, unir ternura e força, afetividade e consciência, carinho e vigor, alegria e dor, intuição e razão, corpo e espírito. A sensibilidade feminina atinge o que é considerado pequeno, comum, aparentemente sem valor, por isto os fatos rotineiros e até corriqueiros são valorizados, carregados de novidade, de beleza, de surpresa, de encantamento e de gratuidade e, por isto, motivo de festa, de alegria, de canto, de dança, de louvor, de súplica, de celebração!
A linguagem mais coloquial nas orações, na partilha da Palavra, na relação com as pessoas, permite uma experiência mais relacional e afetiva com o Mistério, com Cristo, Palavra Viva do Pai, que atinge pela ação de seu Espírito a vida concreta das pessoas, da comunidade, em sua real conflitividade, com suas alegrias, dores e esperanças.
Outra característica da atuação das mulheres nas celebrações é a necessidade de trabalhar em equipe, distribuir tarefas, fazer circular a palavra, por isto mesmo, com maior possibilidade de partilha, de troca, de acerto, de ajuda mútua e de comunhão, rompendo com qualquer sinal de individualismo, de personalismo, de concentração de poder, de dominação que possa se projetar. O cuidado com a preparação da celebração, do espaço celebrativo organizado com antecedência, carinho e beleza, ajudam no acolhimento, onde as pessoas se sentem à vontade para falar, expressar seus problemas, participar com gosto, ativa e espiritualmente.
Contudo, é preciso reconhecer, lamentavelmente, que este protagonismo atingido pelas mulheres no período pós-conciliar, hoje entrou em declínio em muitas dioceses, paróquias e comunidades, nas quais o modelo de Igreja distanciou-se da proposta do Concílio Vaticano II, voltando ao clericalismo litúrgico que detém o poder da palavra, o controle do sagrado e deixa marcas profundamente machistas na liturgia. O grande número de diáconos permanentes tem, em muitos lugares, excluído as mulheres da presidência, da proclamação e partilha da Palavra, da animação das celebrações e reduzido consideravelmente sua atuação de liderança nas comunidades. Seu protagonismo, no entanto, permanece nas inúmeras celebrações feitas nas casas, nos espaços informais, na catequese, nas celebrações do Ofício Divino das Comunidades, nas celebrações por ocasião da doença, da morte e tantas outras circunstâncias que a vida propõe.
Na esperança prosseguimos, e como “CELEBRA, Rede de Animação Litúrgica” nos dedicamos ao cultivo “de uma liturgia cristã, fonte de espiritualidade, inculturada na caminhada solidária dos pobres,” onde se incluem as mulheres. O tempo sentido por nós como cíclico, favorece o amadurecimento lento, de semana em semana, de ano para ano, como uma demorada e sofrida gestação (cf. Carta de Princípios, 13). Mesmo que demore, o fruto esperado chegará, trazendo alegria, libertação e motivo de celebração em que mulheres e homens, festejaremos a feliz comunhão de nossas diferenças, na realização do sonhado Reino de Deus.
“O espaço interior do corpo da mulher
se apresenta como chave de compreensão do feminino, capaz de revelar e
extrair algo do ser feminino de Deus e da Igreja” (SANTISO, M. Teresa. A
Mulher, espaço de salvação, Paulinas, S. Paulo, p. 367)
__________________________
* Maria de Lourdes Zavarez é leiga, agente de pastoral com
mestrado em Liturgia, membro da equipe nacional de articulação da
Celebra Rede de Animação Litúrgica; coordena o Curso de Pós-Graduação
em Liturgia promovido pela Rede Celebra e pela Ifiteg em Goiânia, no
qual também leciona; é professora do Curso de Atualização em Liturgia em
SP, promovido pelo Centro de Liturgia D. Clemente Isnard em parceria
com a Unisal. Colabora com a CNBB em publicações sobre liturgia.
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