Dr. Lúcio Flávio de Vasconcelos Naves
Pior do que não crer é zombar de quem crê…
Assim como a palavra fé se escreve com
duas letras e um sinal sobre a última, o ato de fé só pode ser produzido
por duas faculdades da alma – inteligência e vontade – quando esta
última, a vontade, estiver bem “sinalizada” pela graça.
A fé é, portanto, uma lanterna de duas
pilhas.
Só vai iluminar nosso caminho se as duas pilhas, além de bem
conectadas uma à outra, forem estimuladas por energia divina (a Graça é
energia espiritual divina).
Porque a fé não é virtude humana que
possa vir a ser adquirida pelo nosso esforço. É dom de Deus. Mas podemos
pedir que este dom nos seja concedido.
O existencialista Albert Camus, no
prólogo do seu “Mito de Sísifo”, diz que não há senão um problema
filosófico verdadeiro, o problema do suicídio: “Julgar se a vida vale ou
não vale a pena ser vivida é responder à questão fundamental da
filosofia”.
Assim, a fé se apresenta, para o cristão,
como resposta a uma indagação fundamental. As pedras não levantam
questões a respeito de sua existência. As plantas também nada perguntam
sobre o seu destino. Nem mesmo o animal irracional o faz.
Ao contrário, a criatura humana pode tracejar em cores, sobre a tela da vida, as linhas mestras de seu caminho.
A criança desde cedo pede explicações.
Mais tarde se torna capaz de censurar seu próprio procedimento e até
mesmo de sentir vergonha de suas faltas.
Matemático ou economista, biólogo,
médico, psicólogo ou jurista, o ser humano, depois de se ter debruçado
sobre os seus objetos de estudo, haverá de continuar fazendo, a si
mesmo, as mesmas e eternas perguntas.
Qual é o sentido da minha vida? Que valor
possuo? A morte é a aparente inimiga que me espreita a cada dia e a
cada minuto. Que acontece depois dela?
A fé cristã ilumina todas estas naturais
indagações, embora pequenas sombras ainda permaneçam, a fim de que o ato
de fé continue mesclado com a virtude da humildade e haja mérito no ato
de crer. Mas há uma distância enorme entre fé e opinião:
“É da essência da opinião julgar que as
coisas poderiam ser diversas, enquanto na fé, devido à sua certeza,
julga-se que a coisa afirmada não pode ser diferente.”
A fé corresponde a uma certeza! Quando
existe dúvida, a inteligência oscila entre duas ou mais proposições sem
aderir a nenhuma delas.
Por isso, o 1º Concílio do Vaticano
definiu a fé como virtude sobrenatural, pela qual, prevenidos e
auxiliados pela graça de Deus, cremos como verdadeiro todo o conteúdo da
revelação, não em virtude de sua verdade intrínseca, vista apenas pela
luz natural da razão, mas por causa da autoridade de Deus, que jamais
poderia enganar-se ou enganar-nos.
As duas mais nobres faculdades da alma,
inteligência e vontade, unem-se harmoniosamente no ato de fé. A primeira
porque se abre para a verdade; a segunda, porque se sente atraída pelo
bem supremo.
Aliás, conforme o depoimento de todos os
convertidos, Deus age em nós por meio de sedução: “Tu me seduziste,
Senhor, e me deixei seduzir.”
Fiquei triste quando vi, pela televisão e
pela última vez, a simpática figura de Raquel de Queiroz. Fiquei assim
pesaroso porque a escritora confessou que não tinha fé. Pensei logo
comigo:
– Ah, meu Deus! Se eu pudesse lhe dar pelo menos um pouco do meu tesouro!
A fé é, de fato, um tesouro porque nos
faz perceber que este mundo visível é apenas sombra de um outro. Não sou
fariseu. Sei que minha vida cristã ainda não é uma realidade acabada,
mas procuro valorizar o mundo incrível que o cristianismo tornou crível
para mim.
Quem tem fé, dizia São Paulo, enxerga por
intermédio de um “espelho”. Alcança realidades invisíveis. Penso que
não seria conveniente substituir o “espelho” de São Paulo pelo
moderníssimo satélite artificial. Todavia me agrada a ideia de um
satélite sobrenatural.
Este satélite é que nos dá ideia bastante
clara do que existe do lado de lá. E afasta de nós o medo da morte. No
entanto, os racionalistas não o conhecem. Por que?
Não é fácil dizer. Ninguém sabe.
Poderíamos apenas conjeturar que – se Deus deseja atrair para si todas
as criaturas – qualquer obstáculo impeditivo deve estar no homem. Seria o
orgulho o obstáculo maior?
Possivelmente sim. Porque não conheci
pensador ateu que demonstrasse um mínimo de humildade. Os ímpios
contestadores, cujos nomes foram neste livro catalogados, lideram um
autêntico exército de senhores dispostos a lutar contra o “Senhor dos
Exércitos”.
No pensamento bíblico, o ateu aparece
como um todo-poderoso que se dispõe a afrontar o “Todo-poderoso”. E, de
modo aparentemente cruel, o Salmista assegura que, diante de tamanha
soberba:
“O que habita nos céus ri, o Senhor se diverte à custa deles”.
O próprio Cristo, depois de transmitir
aos pescadores, escolhidos para serem apóstolos, as mais misteriosas
revelações sobre a vida sobrenatural, exclamou:
“Eu te louvo, ó Pai, Senhor do Céu e da
Terra, porque ocultastes estas coisas aos sábios e doutores e as
revelastes aos pequeninos”.
Porém, pior do que não crer é zombar de
quem crê. Por essa razão canta o Salmista que é feliz o homem “que não
se assenta na roda dos zombadores”. É melhor reconhecer nossa
fragilidade do que inventar filosofias espúrias ou falsas teorias
justificadoras.
O objetivo, velado ou expresso, dos
sistemas filosóficos que abordamos tem sido o de pleitear, para as
criaturas humanas, liberdade moral e intelectual absolutas, por meio de
uma formal negativa da existência de Deus ou mediante exaltação da Lei
Natural, de modo a rejeitar os ensinamentos do Cristo.
Os ateus são como as mariposas. Sentem-se
irremediavelmente atraídos pelo brilho da claridade mas batalham contra
a Luz, de modo obstinado, em busca de seu próprio aniquilamento.
Afirmava o francês Littré que o divino
seria um oceano insondável, para o qual não teríamos barco nem vela.
Porém, o próprio Littré – e inúmeros outros agnósticos, que tiveram
receio de abandonar a aparente segurança da praia – foram ali mesmo,
sobre a areia, atingidos e arrebatados pelas ondas mais generosas e
envolventes do oceano infinito da misericórdia de Deus.
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