Emergindo de um arvoredo sombreado e ameno, e tendo como fundo de quadro as montanhas de delicados contornos e as águas plácidas do porto de Hong Kong, alteia-se, dominando a cidade com seu vulto a um tempo forte e esguio, o famoso Pagode Branco.
É bem certo que neste monumento não se nota o “quid” excelso,
absolutamente imponderável, impalpável, mas impressionante e vivo, que
marca os ambientes altamente impregnados pela influência católica, e que
nos imerge por assim dizer numa atmosfera sobrenatural: basta lembrar
certos lugares como a Sainte Chapelle de
Paris, por exemplo, ou Assis, ou ainda certas cenas como o Sumo
Pontífice entrando em São Pedro na sédia gestatória, ou a procissão do
Santíssimo Sacramento em Lourdes.
Não obstante, neste monumento se manifestam tantos elementos de
equilíbrio, harmonia, delicadeza e distinção, que nele poderia
instalar-se sem desdouro – assim pensa pelo menos o autor deste
comentário – uma igreja católica. Quanto nos sorri a ideia de
uma China enfim convertida à única Igreja de Deus, e este pagode
consagrado ao culto da Rainha do Céu e da terra!
Uma torre inteiramente isolada de qualquer conjunto arquitetônico é
obra difícil de se realizar com verdadeiro gosto. Pois facilmente cai
nos extremos. Se se procura dar-lhe ares de força fica exposta a parecer
vulgar e brutal. Se, pelo contrário, se a constrói muito esguia, é
difícil que não dê a impressão de caniço insignificante.
Com quanto amor ao equilíbrio, à harmonia, ao bom senso enfim, os
construtores desta torre souberam evitar ambos os excessos! A altura é
perfeitamente proporcionada ao diâmetro da base. E, para tornar o
edifício realmente leve, cada andar suporta outro menor. A leveza é
realçada por parapeitos finamente trabalhados, e por magníficos beirais
“franzidos”, quase diríamos “flexíveis”, que se terminam tão
delicadamente que parecem até flutuar no ar, prontos a se deixarem
ondular com suavidade se por eles perpassar o sopro de alguma brisa.
Para corrigir o que os beirais e os parapeitos pudessem ter de
excessivamente frágil, cada andar constitui um octógono robusto, de
paredes absolutamente lisas, aberto em cada faceta tão somente por um
arco de linhas severas, coerentes e simples. Dir-se-ia que o octógono
considerado em si mesmo tem toda a precisão, a força e o peso de um
sólido raciocínio, e os parapeitos e beirais toda a leveza, a graça, a
nobreza de uma suave fantasia.
Para terminar esta apreciação, imagine o leitor que um incêndio
destruísse o teto do último andar. E procure um outro desenho que o
substituísse bem. Dificilmente encontraria ideia melhor. Dir-se-ia que
este teto é uma flor cuja corola tenha sido voltada para a terra. Os
olhos acompanham insensivelmente as nervuras da corola, chegam até a
haste, e se comprazem em acompanhar a sequência dos anéis sempre mais
finos que a compõem, detêm-se um último instante no ornato final, e
perdem-se no céu…
Não é este o momento de fazer uma análise da religião chinesa. Sem
nos esquecermos de que a gentilidade é o reino do demônio, é preciso
reconhecer que o império do espírito das trevas não chegou a ponto de
apagar entre os chineses um certo amor ao bom senso, ao equilíbrio, à
beleza, que se patenteia de modo esplêndido neste edifício. E de quantas
outras culturas antigas se poderia fazer o mesmo elogio! É o que
explica a dileção, o cuidado, o gosto com que a Igreja, nos países de
missão, se acerca destes restos, por vezes ainda palpitantes de velhas
civilizações, conservando-os, estudando-os, purificando-os das sordícies
pagãs, para finalmente lhes infundir outro espírito e os assumir e os
integrar no imenso acervo da cultura católica.
Volvamos
os olhos, da torre alva, esbelta, forte e delicada em que a razão e a
fantasia tão harmoniosamente se fundem, para este pobre aleijão, que faz
pensar num aerólito de cristal que se tivesse espatifado em terra,
desfazendo-se em cacos, e dando no seu conjunto a impressão desordenada,
disforme, escarrapachada (para certas realidades, só certos vocábulos!), algum tanto ridícula de tudo que se desmancha e estatela (mais uma
vez. para certas realidades só certos vocábulos) no chão depois de uma
pesada queda. Este violento e desastrado conjunto de aberrações é uma
capela interconfessional desenhada para uma grande universidade do Novo
Mundo. Mas segundo os cânones de certa “arte” internacional, poderia
igualmente servir de capela católica, budista ou maometana em qualquer
parte do globo [Bruce Goff’s proposed chapel for the University of
Oklahoma ( Bruce Goff’s Crystal Chapel )].
Encontra-se nesta produção tão típica do mundo moderno neopagão algo
que exprima ainda as qualidades humanas que no próprio paganismo antigo
se afirmavam? Ou pelo contrário se diria que se exprime neste estilo
precisamente o contrário daqueles predicados, e que estamos em presença
de um monumento erguido em homenagem à extravagância, à desproporção, à
incongruência, ao grotesco enfim? Se um demônio, com permissão divina,
sacudisse com ódio e brutalidade uma capela, não é bem assim que ela
ficaria?
Triste verificação que serve de pequeno pórtico a uma grande
conclusão. O neopaganismo hodierno, fruto envenenado da apostasia, é de
uma espécie mil vezes pior que o paganismo antigo, deforma muito mais a
fundo o homem, a arte, a civilização e a vida, levando-os a um nível
infra-humano em que triunfa sem restrições o Poder das Trevas. É em
outros termos a vitória de Satanás através da vitória do maniqueísmo.
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