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Um grupo de centros de cuidados psiquiátricos pertencente a uma ordem
religiosa católica na Bélgica anunciou que irá autorizar médicos a
realizarem a eutanásia em pacientes mentalmente doentes “não terminais” em seus estabelecimentos.
A reportagem é de Simon Caldwell, publicada por Catholic News Service, 03-05-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Num documento de nove páginas, o Grupo Irmãos da Caridade afirma que permitirá que médicos pratiquem a eutanásia em
qualquer um de seus 15 centros de saúde, que fornecem cuidados para
mais de 5 mil pacientes anualmente, sujeitos a critérios cuidadosamente
estipulados.
No entanto, o Irmão Rene Stockman, superior geral,
contrariou a decisão do conselho diretivo do grupo amplamente formado
por leigos, e disse à imprensa belga que esta normativa é uma tragédia.
“Não podemos aceitar que a eutanásia seja realizada dentro dos muros das nossas instituições”, disse Stockman, especialista em acompanhamento psiquiátrico, em entrevista no dia 27 de abril ao jornal De Morgen, de Bruxelas.
Ele contou que pretende levar o assunto a autoridades católicas de Roma e aos bispos do país.
Carine Brochier, bioeticista católica de Bruxelas, declarou ao Catholic News Service, em entrevista por telefone no dia 3 de maio, que tinha certeza de que houve pressão política e financeira contra o Grupo Irmãos da Caridade para que se permitisse a eutanásia.
O novo documento normativo do grupo, elaborado em março, vem à tona um ano depois que um tribunal multou um asilo católico em Diest, na Bélgica, por se recusar a autorizar a eutanásia num paciente com câncer de pulmão em suas instalações.
O lar foi obrigado a pagar 6 mil euros depois de impedir que médicos dessem uma injeção letal a Mariette Buntjens, 74, que precisou ser levada de ambulância para um endereço particular a fim de morrer "em um ambiente pacífico".
"O movimento pró-eutanásia está feliz com o que está acontecendo", disse Brochier, acrescentando acreditar ter havido pressões internas para que a decisão do grupo fosse tomada.
"Os Irmãos da Caridade trabalham com os leigos. Estas pessoas acham que a eutanásia deve ser autorizada em seus estabelecimentos", disse. "Da mesma forma, acho que alguns dos Irmãos da Caridade queriam a permissão para a realização da eutanásia".
"Rene Stockman pensa completamente o contrário, mas os Irmãos da Caridade aqui na Bélgica são muito, muito progressistas", falou.
O novo documento harmoniza as práticas dos centros pertencentes ao grupo com a legislação belga relativa à eutanásia.
Seu texto procurou contrabalançar a crença católica na
inviolabilidade da vida humana inocente com o dever do cuidado sob o
domínio da lei e com as exigências da autonomia do paciente.
O grupo prometeu levar a sério as solicitações de morte, e manifestou a opinião de que "uma eutanásia cuidadosamente guiada pode prevenir formas mais violentas de suicídio".
O documento contendo as novas diretrizes do grupo reconhecem as dificuldades em fornecer a prática da eutanásia
a pacientes psiquiátricos, notando que a lei belga sobre a o assunto
foi "primordialmente escrita para o sofrimento físico em situação
terminal".
O sofrimento dos pacientes psiquiátricos deve, pois, ser considerado
sem esperança, insuportável e intratável para que se siga em frente com
um pedido de eutanásia, diz o texto, acrescentando que,
para serem legítimas, as solicitações devem ser feitas de forma
voluntária e repetida por um adulto autorizado.
Depois que três médicos concordarem com o pedido do paciente, a eutanásia pode seguir em frente nas dependências dos Irmãos da Caridade, conclui o documento.
"Se o procedimento da eutanásia for acontecer em uma instalação dos Irmãos da Caridade,
uma revisão preliminar se faz necessária", diz. "O motivo é que, por um
lado, queremos respeitar a liberdade terapêutica do médico, mas, por
outro lado, queremos que a eutanásia a ser feita num estabelecimento dos Irmãos da Caridade seja realizada com a máxima cautela".
Na região dos Flandres, a ordem religiosa é
considerada como a provedora mais importante de serviços voltados ao
acompanhamento psiquiátrico. A ordem também possui escolas, e emprega
cerca de 12 mil pessoas no país.
Acredita-se que aproximadamente 12 pacientes psiquiátricos aos cuidados dos Irmãos da Caridade pediram por eutanásia no último ano, com dois deles sendo transferidos para um outro lugar a fim de se submeter à prática.
Raf De Rycke, presidente do conselho do Grupo dos Irmãos da Caridade, disse ao jornal De Morgen,
em 25 de abril, que o grupo se guiou por três valores fundamentais para
produzir o novo documento: o respeito pela vida do paciente, a
autonomia do paciente e a relação entre o que fornece cuidado e o
paciente.
"A proteção da vida permanece fundamental", disse De Rycke.
"Mas nós também queremos respeitar a autonomia do paciente, mesmo se
ele tem o desejo de não mais viver. Não aprovamos o ato da eutanásia como tal, porém respeitamos a exigência e vemos a sua permissão como uma caridade".
Brochier disse suspeitar que os bispos belgas
estavam "muito envergonhados" com a norma adotada pela ordem religiosa,
mas deu a entender que eles compartilham um pouco da culpa porque,
segundo ela, "aparentemente desistiram da luta contra a eutanásia,
em parte deixando de corrigir alguns padres e médicos quando estes
defendiam o procedimento, ao mesmo tempo pretendendo ser católicos".
"É difícil ouvir uma mensagem clara sobre a eutanásia", falou Brochier.
"Mas essa prática deveria ser condenada de forma muito dura, e os
médicos que a realizam deveriam ouvir uma mensagem clara por parte da
Igreja, do papa, dos bispos, para que possam entender que estão
assassinando uma pessoa".
"O cuidado paliativo é muito bom na Bélgica. Não precisamos da eutanásia", acrescentou.
O Catholic News Service tentou repetidas vezes conversar com a Conferência dos Bispos sobre o assunto.
A Bélgica legalizou a eutanásia em 2003, um ano depois que a Holanda se tornou o primeiro país, desde a Alemanha nazista, a introduzir o procedimento.
Tecnicamente, a eutanásia na Bélgica
continua sendo um delito, com a lei protegendo os médicos de serem
processados somente se eles seguirem critérios cuidadosamente definidos.
Esta prática inicialmente incluía limitar a eutanásia
apenas em adultos que sofriam dores consideradas insuportáveis e que
eram capazes de dar o seu consentimento. Porém, em 2014, a lei
estendeu-se também a "filhos emancipados".
Apesar das salvaguardas, os críticos têm dito que a lei é interpretada de uma forma tão livre que a eutanásia
ficou disponível sob demanda, com os médicos também cada vez mais
ministrando injeções letais a pessoas deficientes, dementes ou com
doenças mentais.
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