José Manuel Vidal
Alguns o acusam Bento XVI de romper o acordo e descer à montanha novamente para intervir nos assuntos eclesiásticos e ficar contra o seu sucessor, o Papa Francisco.
O pecado ratzingeriano não tem a ver tanto com escrever o prefácio de um livro, mas escrever um prefácio para um livro do Cardeal Sarah. (Reprodução) |
"O Senhor me chamou para 'subir ao
monte', para me dedicar ainda mais à oração e à meditação em silêncio".
Era o dia 25 de fevereiro de 2013 quando o Papa Bento XVI explicava às
pessoas a sua histórica renúncia papal no último Angelus que presidiu
desde a janela da Praça de São Pedro.
Durante todos esses anos ele manteve a sua palavra. Mas agora, alguns
o acusam de romper o acordado e descer à montanha novamente para
intervir nos assuntos eclesiásticos e ficar contra o seu sucessor, o
Papa Francisco. Pelo menos indiretamente.
É o fim de um mito. "Ratzinger renuncia à renúncia", titula a RAI,
cadeia italiana de televisão pública. Por que alguns dizem que Bento XVI
quebrou o pacto de silêncio, mas ele está mesmo obrigado espiritual e
eclesiasticamente a manter este silêncio por causa da sua renúncia? A
pergunta fica aberta quando vemos o emérito papa escrevendo um prefácio
para um livro do Cardeal Sarah, intitulado “A força do silêncio”.
O “pecado” ratzingeriano não tem a ver tanto com escrever o prefácio
de um livro, mas escrever um prefácio para um livro do Cardeal Sarah, um
dos cardeais mais resistentes ao papado e às reformas de Francisco.
Além disso, no prefácio acima mencionado se exalta o prefeito da
congregação para a Liturgia, que está causando muitas dores de cabeça ao
Papa Bergoglio.
Sarah, o cardeal Africano, não é um cardeal qualquer. Junto com o
cardeal alemão Müller, é prefeito da Doutrina da Fé, o par de cardeais
resistentes com poder real na Igreja. Porque são “ministros” do Papa.
Aliás, ministros que discordam, até mesmo publicamente das ordens do seu
“chefe”.
Os outros cardeais (tanto os da “dúbia” como os da oposição à “Amoris
Laetitia”) são idosos, não ocupam cargos na Cúria ou estão de saída.
Por exemplo, Cafarra, Burke, Brandmüller, Meisner ou Rouco. Em vez
disso, Sarah e Müller ainda ostentam o “poder” e estão ainda em idade
suficiente para suceder ao sucessor de Ratzinger.
Na verdade, o setor mais extremista da Igreja (os rigoristas que
acreditam e querem que o papado de Francisco seja "uma tormenta de
verão"), aponta o cardeal Africano como seu candidato favorito para
suceder o papa argentino.
De acordo com especialistas, com seu prólogo, o Papa emérito quebra
"a consigna do silêncio" e coloca um conflito de autoridade na Igreja.
"Abre-se um conflito perigoso que exigiria da parte de Bento XVI um
comportamento mais sensato e palavras mais responsáveis", explica Andrea
Grillo, professor de Teologia no Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em
Roma.
Daí que o teólogo italiano se mostre em favor de "regular de uma
forma mais clara e precisa a 'morte institucional' do antecessor e a
plena autoridade do sucessor", em casos de renúncia, como o que vivemos
atualmente.
Além disso, ele diz que a "coabitação" entre dois papas não é
possível. "É claro que a batina branca, o poder falar e a residência
devem ser regulados em detalhe. O bispo emérito de Roma deve ficar longe
do Vaticano e em silêncio para sempre".
Portanto, segundo o professor Grillo, "o prefácio é um ponto de viragem,
porque as intenções de discrição e humildade foram abertamente
violadas, de uma forma quase escandalosa". Mais ainda, o teólogo
denuncia os "sonhos visionários interessados" daqueles que, como o
secretário pessoal de Bento XVI, Georg Ganswein, continuam falando de um
"ministério estendido".

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