Por Tânia da Silva Mayer*
O perigo é ficarmos numa piedade exterior dos ritos, símbolos, alfaias, tapetes e ostensórios, e não alcançarmos a experiência radical do encontro com Jesus Cristo.
A eucaristia que a Igreja celebra é o Memorial, sinal sensível e sacramental da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. (Divulgação) |
As semanas vão passando e o ano vai
chegando ao meio. Também por causa do caos social que vivemos, há forte
sensação de estarmos no meio no mundo, numa espécie de inércia. E é
desse lugar de conflitos que podemos vislumbrar as luzes que a fé nos
lança bem no meio deste mês, no limiar da segunda quinzena de Junho, e
que pode nos ajudar a passar com sentido por todos os acontecimentos que
sucedem em torno a nós.
O autor do Apocalipse advertia os cristãos e as
cristãs a serem quentes ou frios, nunca mornos (Ap 3,15-16). Estar em
cima do muro não é lugar adequado para quem crê. Os cristãos e as
cristãs, devemos tomar partido, realizar escolhas, fazer opções. Só
assim a inércia do meio pode ser substituída por um processo dinâmico de
inclusão, tal como Jesus desejava ao exortar: “Levanta-te! Vem para o
meio!” (Mc 3,3).
E por falar em Jesus, há um feriado exclusivo no calendário civil,
programado para esta semana, em virtude da sua Memória. E é bem verdade
que uma Memória de Jesus, promovida pelo Espírito Santo em nós, é, ou
deveria ser, vislumbrada no exercício da fé de crentes e de suas
religiões. Em diversos lugares do nosso Estado, as ruas serão enfeitadas
com belíssimos tapetes de serragem, normalmente elaborados por fiéis
voluntários, que atravessam a madrugada confeccionando verdadeiras obras
de arte. É tudo de uma boniteza sem tamanho. Tudo feito com muito amor,
para que uma procissão com o Santíssimo Sacramento possa passar pelas
ruas, por alguns momentos, gozando de nobre dignidade. Essa experiência é
vivida por milhares de pessoas na Festa de Corpus Christi, não só em
Minas Gerais, mas em muitos lugares de nosso país.
Mas como nem tudo são flores, há enorme risco dessa experiência não
alcançar o que está além das aparências. O perigo é ficarmos numa
piedade exterior dos ritos, símbolos, alfaias, tapetes e ostensórios, e
não alcançarmos a experiência radical e profunda do encontro com Jesus
Cristo, Crucificado-Ressuscitado. Precisamente, a celebração do Corpo e
Sangue de Cristo quer nos ajudar, após o Ciclo Pascal, a tomarmos a
consciência da entrega solidária de Jesus pela vida do mundo. Entrega
que é consequência do amor desmesurado. A beleza do artesanato e dos
festejos de Corpus Christi devem possibilitar-nos adentrar o Mistério
fundante da nossa fé, a ação de graças que Jesus Cristo eleva ao Pai na
entrega mesma da sua vida - corpo e sangue. Mas para que isso se
realize, nossas liturgias e manifestações religiosas precisam ser
verdadeiros espaços nos quais Jesus seja recordado como alguém, um amigo
que nos comunicou uma Vida Nova em sua Páscoa.
Precisamente, a eucaristia que a Igreja celebra é o Memorial, sinal
sensível e sacramental da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Pão e
Vinho são Corpo e Sangue de Jesus, pelos quais, ao nos alimentarmos
deles, manifestamos nossa adesão ao projeto e a missão do Mestre de
nossas vidas. Por isso, a eucaristia deveria provocar em nós nossa
responsabilidade de cristãs e de cristãos comprometidos com o Reino de
justiça, paz e liberdade para todos, onde não há acepção de pessoas e
todos são convidados a virem para o meio, para a profética luta contra a
idolatria das injustiças contra os menores do povo. Nessa esteira, é
sábia a canção que nos leva à mesa da eucaristia afirmando que “comungar
é tornar-se um perigo”.
Nesse sentido, que a eucaristia que celebrarmos possa conduzir-nos
mistagogicamente ao encontro com o pobre Jesus de Nazaré, o Cordeiro
imolado por amor das ovelhas, com o qual nos encontramos no Sacramento
do altar e no Sacramento das esquinas do mundo. Desse modo, não seremos
perenemente denunciados de nossa idolatria pelo Eu-lírico de Missa das
101.
“Ninguém vê o Cordeiro degolado na mesa, o sangue sobre as toalhas,
seu lancinante grito, ninguém.
Nem frei Jácomo”.
[1] PRADO, Adélia. O Pelicano. Rio de Janeiro: Record, 2007, pág. 37.
*Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE; graduanda em Letras
pela UFMG. Escreve às terças-feiras. E-mail:
taniamayer.palavra@gmail.com.
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