Por Sergio Brotero Lefevre
O triunfo da revolução bolchevista na Rússia, em 1917,
marcou o início de um novo período da história contemporânea. Da
história não só daquele país, mas de toda a humanidade, e especialmente
da Igreja Católica. Vitoriosos, os chefes soviéticos adotaram, desde
logo, uma posição nitidamente contraria a toda e qualquer religião,
procurando difundir o ateísmo e o materialismo por todos os meios a seu
alcance, e principalmente pela força da ditadura que acabavam de impor
ao povo russo.
A Igreja foi sendo obrigada a arrostar, nas mais diversas
frentes, um novo adversário, que se mostrava ao mesmo tempo brutal e
cheio de artimanhas. Nunca, em seus dois mil anos de existência, teve o
Catolicismo que lutar com um inimigo tão ardiloso e dotado de tal poder.
Veremos, neste artigo, o que foi e o que está sendo a guerra do
comunismo contra a Igreja na China, talvez a mais diabolicamente
inteligente que sofre a Esposa de Cristo no atual momento.NACIONALISMO EXACERBADO, ARMA DO COMUNISMO
Em sua obra, tantas vezes elogiada, «O Comunismo e a
Igreja Católica — O Livro Vermelho da Perseguição», Albert Gaiter
escreve que, entre todas as perseguições a que têm sido submetidos os
católicos nos países de obediência marxista, pode-se citar a chinesa
«como exemplo», por seus processos metódicos, por sua técnica refinada e
pelos resultados obtidos. O despertar do sentimento nacionalista
exacerbado ofereceu aos comunistas, ali, meios de ação com que não
contavam seus correligionários de outras regiões. O nacionalismo chinês,
em suas relações com a religião, foi estudado pelo «Osservatore Romano»
em 30 de janeiro de 1955 e, mais recentemente, em 14 de março deste
ano, em artigos longos e bem documentados.
Foi em 1920 que o marxismo-leninismo se introduziu na
China, por meio de agentes pagos pela Rússia. Em trinta anos conseguiu
ele impor sua ditadura a meio bilhão de almas, aproveitando-se da
situação caótica da política interna do país e das perturbações
internacionais que desde antes da última guerra mundial têm ocorrido no
Extremo Oriente.
Fundado em Xangai, em 1921, sob a chefia de Mao
Tsé-Tung, o Partido Comunista Chinês recebeu um auxilio valioso da
missão de técnicos e militares russos que se encontrava no país havia um
ano. Desde logo, o espantalho da guerra sino-japonesa foi um
instrumento precioso nas mãos dos bolchevistas indígenas, ansiosos por
dominar inteiramente sua pátria. Sob pretexto de combater o inimigo
externo, fundaram um Estado independente, o Yenan, ao norte da China.
Divulgando o «slogan»: «Um chinês não combate outro chinês, quando
japoneses estão dentro de suas muralhas», conseguiram que o chefe do
governo legal, Chang Kai-Chek, fosse preso pelos seus próprios generais,
sob acusação de entendimentos com o inimigo. Como preço de seu resgate,
obtiveram plena liberdade de ação para o Partido, e o compromisso de
Chang de responder pelas armas ao primeiro ataque japonês que houvesse.
Os japoneses atacaram em 1937, obrigando, por força
desse acordo, o governo nacionalista a entrar em uma guerra longa e
dura, para a qual a China não estava preparada e que a debilitou
material e moralmente. Os comunistas, ao contrario, graças a um plano
bem concebido, pelo qual suas forças nunca enfrentavam abertamente o
inimigo, conseguiram consolidar seu regime nas regiões do norte. Suas
guerrilhas lhes permitiram, sem muito esforço, manter em reserva tropas
descansadas e sovietizar, sem maiores perigos, o território por eles
ocupado. Por outro lado, durante a segunda guerra mundial, os aliados
fizeram pressão sobre Chang Kai-Chek para que aceitasse a colaboração
dos comunistas no alto comando, o que conferiu ao movimento vermelho um
caráter legal em toda a China.
O fim das hostilidades em 1945, com a ocupação russa
da Manchúria e da Coréia do Norte, trouxe novo e poderoso auxilio para
os planos revolucionários de Mao Tsé-Tung: seus dois milhões de soldados
beneficiaram-se com o armamento japonês e com intensa ajuda russa.
O exército nacionalista, esgotado e desfalcado, entrou
então em luta com os comunistas pela posse do território chinês. Em
outubro de 1949, depois de quatro anos de guerra civil, os bolchevistas,
senhores de toda a China continental, proclamaram em Pequim a República
Popular Chinesa.
AS CINCO FASES PRELIMINARES DA PERSEGUIÇÃO
Os católicos eram uma minoria no país - quatro
milhões, no total de 463.500.000 habitantes – mas minoria ativa e
organizada, com 20 Arquidioceses, 85 Dioceses e 39 Prefeituras
Apostólicas. Os Prelados chineses eram 27 e, dos 5.637 Padres que ali
labutavam, 2.557 eram indígenas. Sua Santidade o Papa Pio XII,
reconhecendo a importância dessa Cristandade, conferiu o chapéu
cardinalício ao Arcebispo de Pequim, em 1946.
Antes de 1945 a atitude dos comunistas chineses para
com as Missões católicas já era de perseguição aberta, se bem que
localizada e muito desordenada. Nos territórios submetidos ao jugo
bolchevista houve igrejas incendiadas, ocuparam-se edifícios de escolas e
de instituições de caridade católicas, missionários foram perseguidos e
alguns assassinados. Muitos fiéis foram presos, sendo exigidas pesadas
somas para seu resgate. Em 1934, no II Congresso Nacional dos Soviets da
China, Mao Tsé-Tung declarava: «Nos territórios soviéticos chineses, os
Padres católicos e os pastores protestantes foram expulsos pela massa
popular. As propriedades confiscadas aos missionários imperialistas
foram devolvidas ao seu legitimo proprietário: o povo. As escolas
missionárias foram transformadas em escolas soviéticas».
Os dirigentes do Partido mostravam-se mais
interessados em fatos do que em manifestações espetaculares.
Metodicamente, sabendo o que queriam, e quase em silêncio, realizaram
uma grande obra de destruição.
A luta contra a Fé obedeceu, regra geral, às seguintes
fases, estudadas de antemão e executadas em perfeita ordem: 1.o)
«liberdade e tolerância» religiosas, de acordo com o artigo 88 da
Constituição da República Popular; 2.o) «luta contra as superstições»:
campanha violenta, oral e escrita, contra a religião, apresentada como
um dos maiores males da sociedade humana; exploração, entre outros, dos
velhos temas da completa liberdade de consciência e do direito de todos
professarem qualquer religião; 3.o) «campanha de reeducação», cujo fim
era criar, progressivamente, um «novo homem»; 4.o) «oposição ativa»,
destinada a paralisar totalmente o apostolado dos missionários; 5.o)
organização da «ação popular» ou tribunais populares: em cada cidade o
Bispo, os Sacerdotes, as Religiosas e os leigos de destaque são presos e
julgados sem direito de defesa.
«MOVIMENTO DA TRIPLICE AUTONOMIA»
Conquistado o poder, os comunistas proclamaram a
liberdade geral e cessaram momentaneamente a perseguição aberta e
declarada. Mas, pela lei sobre atividades contra-revolucionárias,
publicada em fins de 1950, o governo teve armas «legais» para uma luta
mais intensa contra a Igreja e os católicos. Em nome da defesa dos
princípios e das instituições marxistas, o Clero foi isolado do povo e
posto sob vigilância, sendo-lhe recusada a liberdade de locomoção pelo
país. Começou-se também, em alguns lugares, a proibir as cerimônias
religiosas, como perda de tempo prejudicial à produção nacional. A lei
sobre atividades contra-revolucionárias serviu ainda de pretexto para o
fechamento de todos os jornais e revistas católicos.
Depois de uma violenta campanha contra o Vaticano, o
governo, atendendo aos «desejos ardentes» e «espontâneos» da cristandade
chinesa, lançou o «Movimento da Tríplice Independência» ou da «Tríplice
Autonomia». No dia 7 de janeiro de 1951, o primeiro-ministro Chu En-Lai
convidou para uma reunião em Pequim quarenta líderes católicos; nessa
ocasião foram trocados pontos de vista sobre a reforma do Catolicismo.
O Movimento exigia, para a Igreja chinesa, autonomia
de direção, autonomia econômica e autonomia de expansão. Em uma palavra,
criava um cisma, apesar de algumas declarações ilusórias que garantiam a
manutenção das relações com o Papa, na qualidade de Chefe espiritual.
Autonomia de governo significa, para os comunistas de
Chu En-Lai, que a Igreja nacional, administrada por chineses, deve
libertar-se das tradições ocidentais e criar uma nova hierarquia, uma
nova legislação e uma nova liturgia.
Autonomia econômica: a Igreja na China não deve
receber nenhum subsidio do exterior, dado que o governo se encarrega de
suprir suas necessidades.
Autonomia de expansão: os próprios chineses é que
devem propagar sua religião. Não deve haver mais missionários
estrangeiros; os temas das pregações tem que ser adaptados à mentalidade
nacional e às condições da «nova China»; é necessário estabelecer uma
nova teologia, conforme com a ideologia professada pelo governo. «Os
cristãos chineses — proclamava a Agência Nova China em 14 de janeiro de
1951 — devem descobrir os tesouros do Evangelho por si e para si. Devem
libertar-se da teologia ocidental e criar um novo sistema teológico,
adaptado à nova mentalidade. É o único meio de pôr em pratica o espírito
(revolucionário) do Evangelho de Cristo na nossa nova China». O jornal
oficial do Partido escrevia, em 8 de janeiro do mesmo ano: «Nosso fim é
reconduzir a Igreja ao seu estado primitivo e, do ponto de vista
político, adaptá-la aos desejos do povo».
Foram fundadas nessa ocasião, para pôr em pratica tais
resoluções, as «Comissões de Reforma» diocesanas e paroquiais, cuja
missão era acusar e fazer condenar os Bispos e Padres que não
pactuassem, administrar a «nova Igreja», e executar a doutrinação do
Clero e fiéis por meio de estudos do marxismo.
Esta campanha a favor de uma Igreja nacional
prosseguiu com a expulsão do Internúncio, Mons. Antonio Riberi, em
setembro de 1951, depois que este advertiu os Bispos contra o caráter
cismático do movimento.
O Santo Padre Pio XII, em outubro de 1954, reafirmou a
condenação dessa «reforma», na sua Encíclica «Ad Sinarum Gentem»: «Não
podem ser considerados nem honrados como católicos os que professam ou
ensinam verdades diferentes daquelas por Nós ensinadas, brevemente,
acima. E o caso, por exemplo, dos que aderiram aos princípios nefandos
chamados das Três Autonomias, ou a outros do mesmo gênero... »
UMA CRISTAND4DE EM «IDADE ADULTA» ...
No ano passado, reuniu-se duas vezes a Conferencia
Nacional Católica da China. Na segunda dessas reuniões, realizada de
junho a julho, foi aprovada uma resolução, difundida pela Agencia Nova
China, que declara notadamente: «Os católicos chineses obedecerão ao
Vaticano no que se refere aos dogmas e à moral, porque isto não poderia
constituir um atentado aos interesses e à independência do país. Mas
opor-se-ão a todo plano urdido pela Santa Sé que, sob o manto da
religião, atente contra nossa soberania ou nosso movimento patriótico
anti-imperialista». — e acrescenta que, após a conferência, foram
fundadas associações patrióticas dos católicos chineses. Dias depois, a
agencia noticiosa «Fides» divulgou um estudo sobre essas sociedades. Ali
se salienta que, conquanto não tenham elas sido explicitamente
condenadas pela Igreja, pode-se afirmar, à luz da Encíclica «Ad Sinarum
Gentem», que o foram implicitamente, visto estarem sob controle do
Partido Comunista e serem constituídas segundo os seus princípios. Estas
associações, prossegue a agencia da Sagrada Congregação «de Propaganda
Fide», são as continuadoras do «Movimento das Três Autonomias».
Mais recentemente, a mesma agência difundiu uma ordem
secreta dirigida pelo Partido Comunista Chinês aos seus membros no
estrangeiro. Os trechos que selecionamos são tão significativos que
dispensam comentário. Convém, apenas, ressaltar que, depois de procurar
confundir os espíritos dando a entender que as seitas protestantes são
tão perigosas para o bolchevismo quanto a Igreja, o documento, em seu
último item, justifica o ensinamento de Leão XIII quando, na Encíclica
«Parvenu à la vingt-cinquième année», o Pontífice filia o comunismo ao
protestantismo, através da Revolução Francesa.
«CATIVAR O INIMIGO PARA SUPRIMIR O INIMIGO»
Diz a ordem secreta, datada de 17 de fevereiro de
1957: «O Catolicismo e o protestantismo são duas organizações a serviço
da espionagem e do imperialismo capitalista... Estabelecidos em todas as
cidades do mundo, semeiam por toda parte o veneno de suas doutrinas
para combater o socialismo comunista.
«Eis porque, seguindo as diretrizes dos chefes do
Partido, nossos camaradas devem encontrar meios de penetrar no próprio
coração de cada igreja, pôr-se ao serviço da nova organização de polícia
secreta, desenvolver uma grande ação no seio de todas as obras
eclesiásticas, desencadear um ataque de grande envergadura, empenhar-se a
fundo, invocando até o auxílio de Deus, e, para conseguir formar uma
frente única, servir-se do encanto e do poder de sedução do sexo
feminino. Em consequência, para atingir este fim, para dividir as
igrejas internamente e opor umas às outras as diversas organizações
religiosas, o órgão do Partido baixou as nove disposições seguintes:
«1o) Os camaradas devem introduzir-se nas escolas
estabelecidas por estas igrejas... ; devem espionar os reacionários... ;
devem misturar-se aos estudantes, adaptar-se aos seus modos de
sentir,... e imiscuir-se metodicamente em todos os setores da ação
eclesiástica.
«2o) Cada camarada deve procurar tornar-se, pelo
Batismo, membro da Igreja... Todos desenvolverão uma atividade de grande
envergadura, servindo-se de belas frases para emocionar e atrair os
fiéis. Irão mais longe ainda, e esforçar-se-ão por dividir profundamente
as diversas categorias do laicato, inclusive fazendo apelo ao amor de
Deus e defendendo a causa da paz...
«3o) Nossos camaradas deverão assistir a todos os
serviços religiosos, e, afavelmente, cortesmente, servindo-se com
inteligência dos meios mais diversos, unir-se-ão ao Clero e espionarão a
sua atividade.
«4o) As escolas fundadas e dirigidas pelas igrejas são
um campo ideal para a nossa penetração. Aparentando a maior
benevolência, os ativistas de nossa organização devem aplicar esta dupla
lei: Cativar o inimigo para suprimir o inimigo. Devem misturar-se
alegremente aos diretores, professores e estudantes para dominá-los,
aplicando o princípio: Dividir é governar. Além disso, devem procurar
contactos com os chefes das famílias dos alunos, para reforçar o
trabalho de base da revolução...
«5o) Devem tomar iniciativas em todas as atividades,
infiltrar todas as instituições da Igreja, ganhar a simpatia dos fiéis, e
desse modo tornar possível introduzir-se na própria direção da Igreja.
«7o) Baseando-se nesse princípio de ferro: Esmagar o
inimigo servindo-se dele próprio, cumpre procurar persuadir um ou outro
membro eminente da Igreja de vir à China, e facilitar-lhe as
autorizações e documentos necessários. Tal ação falsa e secreta nos
ajudará a atingir nosso fim, pois esse homem eminente nos revelará a
verdadeira fisionomia e a verdadeira situação da Igreja.
«8o) Os camaradas ativistas devem... descobrir os pontos fracos da organização eclesiástica, explorar as divisões internas...
«9o) Todo camarada que ocupa um posto de direção deve
ter compreendido a fundo esta verdade: a Igreja Católica, escravizada ao
imperialismo, precisa ser abatida e destruída completamente. Quanto ao
protestantismo, que comete o erro de seguir uma política de
coexistência, é necessário impedir que faça novas conquistas, mas
podemos deixá-lo morrer de sua morte natural».
* * *
“Quem é essa que surge como a aurora, bela como a lua,
brilhante como o sol, terrível como um exército em ordem de batalha?" —
perguntariam com Salomão (Cant. 6, 9) os pastorezinhos de Fátima.
“Virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a
Comunhão reparadora dos primeiros sábados. Se atenderem ao meu pedido, a
Rússia se converterá e terão paz. Se não, espalhará os seus erros pelo
mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão
martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer. Varias nações serão
aniquiladas”. Mas, “por fim, o meu Coração Imaculado triunfará”: mais
uma vez, as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja. O
acontecimento que marcou realmente, no ano, de 1917, um novo período da
história, teve lugar, não nas ruas de Moscou, mas na Serra do Aire.
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