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Paulo Henrique Cremoneze, jurista: "Não desejo abrandar condutas nem me deixar guiar por 'corporativismo', mas é preciso separar o joio do trigo"
Reproduzimos a seguir um texto escrito e tornado público pelo advogado e jurista Paulo Henrique Cremoneze
a respeito das prisões efetuadas neste último dia 19, em Goiás, do
bispo dom José Ronaldo, da diocese de Formosa, e de outros cinco
sacerdotes, além de dois empresários e um funcionário que trabalhava
como secretário da Cúria. Todos foram acusados pelo desvio de recursos
da Igreja em montante superior a 2 milhões de reais. Mais a respeito do
caso pode ser lido aqui.
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Implicâncias jurídico-institucionais sobre o caso do Bispo e dos padres presos em Goiás
Sem entrar no mérito da questão ou emitir qualquer juízo de valor a
respeito das condutas dos clérigos, acompanho com grande dor e
preocupação o desdobramento dos fatos.
Isso porque não gosto de ver o avanço do Estado sobre as religiões, especialmente a Igreja Católica.
Por mais delicada que seja a questão e por mais que aparentemente as
condutas em destaque tenham sido mesmo graves, o “modus operandi” do
Ministério Público não foi correto.
Uma Diocese não é uma pessoa jurídica de Direito Civil, mas de
Direito Canônico. Isso faz toda a diferença no que diz respeito à
interferência do Estado.
Vale lembrar que existe um tratado internacional entre o Brasil e a
Santa Sé que determina que a invasão do patrimônio da Igreja ou a prisão
de um Bispo têm que ser acompanhadas pelo Núncio Apostólico ou
representante seu.
Não é exagero buscar simetria e equidade entre as bases físicas da Igreja e as Embaixadas.
Desde a antiguidade o Estado tenta invadir moral e fisicamente a
Igreja. Não lutaram Santo Ambrósio de Milão e Santo Agostinho de Hipona
contra as investidas dos imperadores romanos, promotores de heresias
como o arinismo e o donatismo?
Na Idade Média não lutaram Papas e santos, como o grande Bernardo de
Claraval, contra o desejo de reis e imperadores de ordenar Bispos, a
chamada “querela das investiduras”?
E nos tempos recentes? O caso dos “Cristeros” no México e os dos
sacerdotes e fiéis perseguidos, presos e mortos por regimes absolutistas
na antiga União Soviética, em Cuba, na Polônia e outros lugares são
memórias vivas desse arraigado e perpétuo desejo de o Estado controlar
de algum modo a Igreja.
Vivemos tempos de ditadura do relativismo moral e de desconstrução da
presença de Deus no tecido social. O ataque sistêmico à Igreja faz
parte desse contexto terrível.
Não desejo de modo algum abrandar condutas nem me deixar guiar por “corporativismo”, mas é preciso separar o joio do trigo.
Desde Judas Iscariotes sabemos que dentro do seio da Igreja, entre
aqueles escolhidos, sempre haverá traidores de Deus e do povo fiel, mas
precisamos saber tratar as situações adversas que se nos apresentam da
forma correta, não com vulgar sentimentalismo ou sob a influência dos
afetos desordenados tão comum aos dias de hoje.
Que meu comentário-desabafo não seja indevidamente interpretado como
salvo-conduto ao erro, mas como busca da razão e a preocupação com algo
maior: a liberdade de crença religiosa.
Ainda que os clérigos envolvidos nessa triste e atípica situação
tenham culpa, é de bom tom lembrar que o uso inadequado dos recursos
doados em boa-fé pelos fiéis não é a mesma coisa que uma violência
física. Prender um sacerdote em flagrante delito neste caso é uma coisa;
prender naquele, quando ainda se faz necessário provar cabalmente a
existência de crime, outra.
Por isso, insisto com veemência: sem entrar no mérito do incidente
nem mesmo defender os envolvidos, repudio as prisões, porque abusivas,
transgressoras do Tratado Internacional entre a Santa Sé e o Brasil,
além de garantias constitucionais fundamentais.
Estudarei o caso ao lado de amigos, colegas e confrades e ajudarei a
escrever um texto técnico, qualificado, desapaixonado, a respeito,
sempre em nome da Verdade.
Existem assuntos civis, existem os criminais e os canônicos. Às
vezes, eles se misturam. Quando isso ocorre, faz-se necessário muito
cuidado, pois existem muitas coisas importantíssimas em cena.
Rogo a compreensão e o apoio de todos, inclusive o dos fiéis de
outras confissões, cristãs ou não, pois se hoje fazem isso com a Igreja
Católica no Brasil, ligada à um Estado Soberano (Vaticano, Santa Sé),
parte íntima da história do país, fundadora das principais cidades,
aderida pela maior parte da população (quase 60% dos brasileiros se
declaram católicos), o que não farão com as outras manifestações de fé?
Nem sempre quando o Estado atua em nome da Justiça e do bem comum,
ele realmente assim o faz. É possível se fazer o mal, acreditando se
praticar o bem.
Por fim, lamento pelos que dizem católicos e vibram publicamente com o
incidente, aproveitando-o para atacar o clero, a hierarquia da Igreja e
tratar a instituição, sagrada por excelência, como uma qualquer.
Por estarmos na Quaresma e em nome da prudência, uma virtude cardeal
que me esforço em nutrir, deixarei de escrever o que realmente penso
deles e limitar-me-ei a repetir as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo
em Sua Paixão: “Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem”.
Não escrevo, ainda, em nome de instituição católica alguma que
honrosamente pertenço, mas em nome próprio, como modesto advogado e um
católico sincero, embora pecador.
No dia de Santo Ambrósio de Sena (Siena), homem do perdão e da reconciliação, no terceiro mês do ano da Graça de 2018.
Paulo Henrique Cremoneze
Advogado e Jurista
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