Por Antonio Gaspari
Entrevista com o prefeito da Congregação para o Clero, cardeal Piacenza
O cardeal Mauro Piacenza, prefeito da
Congregação para o Clero, raramente intervém no debate público. Ele
evita, de fato, toda demagogia e presencialismo e é conhecido como
homem de incansável e silencioso trabalho e como eficaz observador de
todos os fenômenos que afetam a cultura contemporânea.
Extraordinariamente, ele nos concedeu
esta entrevista sobre temas “candentes”, em um clima de cordialidade,
mostrando essa criatividade pastoral que sempre aparece em um autêntico
e fiel pastor da Igreja.
Eminência, com surpreendente periodicidade, há várias décadas, voltam a aparecer no debate público algumas questões eclesiais, sempre as mesmas. A que se deve este fenômeno?
Cardeal Piacenza: Sempre, na história da
Igreja, houve movimentos “centrífugos”, que tendem a “normalizar” a
excepcionalidade do evento de Cristo e do seu Corpo vivente na
história, que é a Igreja. Uma “Igreja normalizada” perderia toda a sua
força profética, não diria mais nada ao homem e ao mundo e, de fato,
trairia o seu Senhor.
A grande diferença da época
contemporânea é doutrinal e midiática. Doutrinalmente, pretende-se
justificar o pecado, não confiando na misericórdia, mas deixando-se
levar por uma perigosa autonomia que tem o sabor do ateísmo prático; do
ponto de vista midiático, nas últimas décadas, as fisiológicas “forças
centrífugas” recebem a atenção e a inoportuna amplificação dos meios
de comunicação que vivem, de certa maneira, de contrastes.
Deve-se considerar a ordenação sacerdotal das mulheres como uma “questão doutrinal”?
Cardeal Piacenza: Certamente, como todos
sabem, a questão já foi tratada por Paulo VI e o Beato João Paulo II, e
este, com a carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis, de 1994, fechou definitivamente a questão.
De fato, afirmou: “Com o fim de afastar
toda dúvida sobre uma questão de grande importância, que diz respeito à
própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de
confirmar na fé aos irmãos, declaro que a Igreja não tem, de forma
alguma, a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e
que este ditame deve ser considerado como definitivo por todos os fiéis
da Igreja”. Alguns, justificando o injustificável, falaram de uma
“definitividade relativa” da doutrina até esse momento, mas,
francamente, esta tese é tão inusual que carece de qualquer fundamento.
Então, não há lugar para as mulheres na Igreja?
Cardeal Piacenza: Todo o contrário: as
mulheres têm um papel importantíssimo no corpo eclesial e poderiam ter
outro mais evidente ainda. A Igreja foi fundada por Cristo e não
podemos determinar, nós, os homens, o seu perfil; portanto, a
constituição hierárquica está ligada ao sacerdócio ministerial, que
está reservado aos homens. Mas absolutamente nada impede de valorizar o
gênio feminino em papéis que não estão ligados estreitamente ao
exercício da ordem sagrada. Quem impediria, por exemplo, que uma grande
economista fosse chefe da Administração da Sé Apostólica, ou que uma
jornalista competente se tornasse porta-voz da Sala de Imprensa da
Santa Sé?
Os exemplos podem se multiplicar em
todos os desempenhos não vinculados à ordem sagrada. Há infinidade de
tarefas nas quais o gênero feminino poderia realizar uma grande
contribuição! Outra coisa é conceber o serviço como um poder e
procurar, como o mundo faz, as “cotas” de tal poder. Considero, além
disso, que o menosprezo do grande mistério da maternidade, que está
sendo realizado nesta cultura dominante, tenha um papel muito
importante na desorientação geral que existe com relação à mulher. A
ideologia do lucro reduziu e instrumentalizou as mulheres, não
reconhecendo a maior contribuição que estas, indiscutivelmente, podem
dar à sociedade e ao mundo.
A Igreja, além disso, não é um governo
político no qual é justo reivindicar uma representação adequada. A
Igreja é outra coisa, a Igreja é o Corpo de Cristo e, nela, cada um é
membro segundo o que Cristo estabeleceu. Por outro lado, a Igreja não é
uma questão de papéis masculinos ou femininos, mas de papéis que
implicam, por vontade divina, a ordenação ou não. Tudo o que um fiel
leigo pode fazer, uma fiel leiga também pode fazer. O importante é ter a
preparação específica e a idoneidade; ser homem ou mulher não é
relevante.
Mas pode existir uma participação real na vida da Igreja, sem atribuições de poder efetivo e de responsabilidade?
Cardeal Piacenza: Quem disse que a
participação na Igreja é uma questão de poder? Se fosse assim,
cometeriam o grande erro de conceber a própria Igreja não como é,
divino-humana, mas simplesmente como uma das muitas associações
humanas, talvez a maior e mais nobre, por sua história; e deveria ser
“administrada” distribuindo-se o poder.
Nada mais longe da realidade! A
hierarquia da Igreja, além de ser de direta instituição divina, deve
ser entendida sempre como um serviço à comunhão. Somente um erro,
derivado historicamente da experiência das ditaduras, poderia conceber a
hierarquia eclesiástica como o exercício de um ‘poder absoluto”. Que
perguntem isso a quem está chamado a colaborar com a responsabilidade
pessoal do Papa pela Igreja universal! São tais e tantas as mediações,
consultas, expressões de colegialidade real, que praticamente nenhum
ato de governo é fruto de uma vontade única, mas sempre o resultado de
um longo caminho, em escuta do Espírito Santo e da preciosa
contribuição de muitos.
A colegialidade não é um conceito sociopolítico, mas deriva da comum Eucaristia, do affectus que
nasce do alimentar-se do único Pão e do viver da única fé, do estar
unidos a Cristo, Caminho, Verdade e Vida. E Cristo é o mesmo ontem, hoje
e sempre!
Não é muito o poder que Roma ostenta?
Cardeal Piacenza: Dizer “Roma” significa
simplesmente dizer “catolicidade” e “colegialidade”. Roma é a cidade
que a providência escolheu como lugar do martírio dos apóstolos Pedro e
Paulo e o que a comunhão com esta Igreja significou sempre na
história: comunhão com a Igreja universal, unidade, missão e certeza
doutrinal. Roma está ao serviço de todas as Igrejas e muitas vezes
protege as Igrejas que estão em dificuldade pelos poderes do mundo e
por governos que nem sempre são plenamente respeitosos com o
imprescindível direito humano e natural que é a liberdade religiosa.
A Igreja deve ser considerada a partir da constituição dogmática Lumen Gentium,
do Concílio Vaticano II, incluída, obviamente, a nota prévia ao
documento. Lá, está descrita a Igreja das origens, a Igreja dos Padres, a
Igreja de todos os séculos, que é a nossa Igreja de hoje, sem
descontinuidade, a Igreja de Cristo. Roma está chamada a presidir na
caridade e na verdade, únicas fontes reais da autêntica paz cristã. A
unidade da Igreja não é o compromisso com o mundo e sua mentalidade, mas
o resultado, dado por Cristo, da nossa fidelidade à verdade e da
caridade que seremos capazes de viver.
Parece-me significativo, a este
respeito, o fato de que hoje só a Igreja, como ninguém, defende o homem
e sua razão, sua capacidade de conhecer a realidade e entrar em
relação com isso; em resumo, o homem em sua integridade. Roma está a
pleno serviço da Igreja de Deus que está no mundo e que é uma “janela
aberta” ao mundo, janela que dá voz a todos os que não a têm, que
convida todos a uma contínua conversão e, por isso, contribui – muitas
vezes no silêncio e com o sofrimento, pagando às vezes com sua
impopularidade – para a construção de um mundo melhor, para a
civilização do amor.
Este papel de Roma não obstaculiza a unidade e o ecumenismo?
Cardeal Piacenza: O ecumenismo é uma
prioridade na vida da Igreja e uma exigência absoluta que provém da
própria oração do Senhor: “Ut unum sint”, que se converte, para todo
cristão, em um “mandamento da unidade”. Na oração sincera e no espírito
de contínua conversão interior, na fidelidade à própria identidade e
na comum tensão da perfeita caridade dada por Deus, é necessário
comprometer-se com convicção para que não haja contratempos no caminho
do movimento ecumênico.
O mundo precisa da nossa unidade;
portanto, é urgente continuar comprometendo-nos no diálogo da fé com
todos os irmãos cristãos, para que Cristo seja o fermento da nossa
sociedade. E também é urgente comprometer-se com os não-cristãos, isto
é, no diálogo intercultural, para contribuir unidos para construir um
mundo melhor, colaborando nas obras de bem e para que uma sociedade
nova e mais humana seja possível. Roma, também nesta terra, tem um
papel de propulsão único. Não há tempo para nos dividirmos: o tempo e
as energias devem ser empregados para unir-nos.
Nesta Igreja, quem são e que papel têm os sacerdotes de hoje?
Cardeal Piacenza: Não são nem
assistentes sociais nem funcionários de Deus! A crise de identidade é
especialmente aguda nos contextos mais secularizados, nos quais parece
que não existe lugar para Deus. Os sacerdotes, no entanto, são os de
sempre: são o que Cristo quis que fossem! A identidade sacerdotal é
cristocêntrica e, portanto, eucarística.
Cristocêntrica porque, como o Santo
Padre recordou tantas vezes, no sacerdócio ministerial, “Cristo nos
atrai dentro de Si”, envolvendo-se conosco e envolvendo-nos na sua
própria existência. Tal atração “real” acontece sacramentalmente –
portanto, de maneira objetiva e insuperável –, na Eucaristia, da qual
os sacerdotes são ministros, isto é, servos e instrumentos eficazes.
É tão insuperável a lei sobre o celibato? Realmente não pode ser mudada?
Cardeal Piacenza: Não se trata de uma
simples lei! A lei é consequência de uma realidade muito alta, que
acontece somente na relação vital com Cristo. Jesus diz: “Quem tiver
ouvidos, que ouça”. O sagrado celibato não se supera nunca, é sempre
novo, no sentido de que, através disso, a vida dos sacerdotes se
“renova”, porque se dá sempre em uma fidelidade que tem em Deus sua
raiz e no florescer da liberdade humana, o próprio fruto.
O verdadeiro drama está na incapacidade
contemporânea de realizar as escolhas definitivas, na dramática redução
da liberdade humana, que se converteu em algo tão frágil, que não
busca o bem nem sequer quando este é reconhecido e intuído como
possibilidade para a própria existência. O celibato não é o problema; e
as infidelidades e fraqueza dos sacerdotes não podem constituir um
critério de juízo.
No demais, as estatísticas nos dizem que
mais de 40% dos casamentos fracassam. Entre os sacerdotes, estamos em
menos de 2%. Portanto, a solução não está, de forma alguma, na
opcionalidade do sagrado celibato. Não será talvez questão de deixar de
interpretar a liberdade como “ausência de vínculos” e de
definitividade, e começar a redescobrir que, na definitividade do dom
ao outro e a Deus consiste a verdadeira realização e felicidade
humanas?
E as vocações? Não aumentariam, se abolissem o celibato?
Cardeal Piacenza: Não! As confissões
cristãs nas quais, não existindo o sacerdócio ordenado, não existe a
doutrina e a disciplina do celibato, encontram-se em um estado de
profunda crise com relação às “vocações” de guia da comunidade – da
mesma maneira que existem crises do sacramento do matrimônio uno e
indissolúvel.
A crise da qual, na verdade, se está
saindo lentamente, está ligada, fundamentalmente, à crise da fé no
Ocidente. O que é preciso é comprometer-se a fazer a fé crescer. Este é
o ponto. Nos mesmos ambientes, está em crise a santificação das
festas, está em crise a confissão, está em crise o casamento etc. O
secularismo e a conseguinte perda do sentido do sagrado, da fé e da sua
prática, determinaram e determinam também uma importante diminuição do
número dos candidatos ao sacerdócio.
A estas razões teológicas e eclesiais
acrescentam-se algumas de caráter sociológico: a primeira de todas é a
notável diminuição da natalidade, com a conseguinte diminuição dos
jovens e das jovens vocações. Também este é um fator que não pode ser
ignorado. Tudo está relacionado. Às vezes, estabelecem-se premissas e
depois não se quer aceitar as consequências, mas estas são inevitáveis.
O primeiro e irrenunciável remédio para a
diminuição das vocações foi sugerido pelo próprio Jesus: “Orai,
portanto, ao dono da messe, para que envie operários para a sua messe”
(Mt 9, 38). Este é o realismo da pastoral das vocações. A oração pelas
vocações – uma intensa, universal, dilatada rede de oração e de
adoração eucarística, que envolva todo mundo – é a verdadeira e única
resposta possível para a crise da resposta às vocações. Onde esse
comportamento orante é vivido de forma estabelecida, pode-se afirmar
que se leva a cabo uma recuperação real.
É fundamental, além disso, prestar
atenção à identidade e especificidade na vida eclesial, de sacerdotes,
religiosos – estes na peculiaridade dos carismas fundacionais dos
próprios institutos de pertença – e fiéis leigos, para que cada um
possa, na verdade e na liberdade, compreender e acolher a vocação que
Deus pensou para ele. Mas cada um deve ser autêntico e cada dia deve se
comprometer em tornar-se o que é.
Eminência, neste momento histórico, se o senhor tivesse que resumir a situação geral, o que diria?
Cardeal Piacenza: Nosso programa não
pode ser influenciado por querer estar por cima a todo custo, de querer
sentir-nos aplaudidos pela opinião pública: nós devemos somente
servir, por amor e com amor, o nosso Deus no nosso próximo, seja ele
quem for, conscientes de que o Salvador é somente Jesus. Nós devemos
deixá-lo passar, deixá-lo agir através das nossas pobres pessoas e do
nosso compromisso cotidiano. Devemos colocar o que é “nosso”, mas
também o que é “seu”. Nós, diante das situações aparentemente mais
desastrosas, não devemos nos assustar. O Senhor, na barca de Pedro,
parecia dormir, parecia! Devemos agir com energia, como se tudo
dependesse de nós, mas com a paz de quem sabe que tudo depende do
Senhor.
Portanto, devemos recordar que o nome do
amor, no tempo, é “fidelidade”! O crente sabe que Ele é o Caminho, a
Verdade e a Vida, e não é “um” caminho, “uma” verdade, “uma” vida.
Portanto, a coragem da verdade, pagando o preço de receber insultos e
desprezo, é a chave da missão na nossa sociedade; é essa coragem que se
une ao amor, à caridade pastoral, que deve ser recuperada e que torna
fascinante, hoje mais do que nunca, a vocação cristã. Eu gostaria de
citar o programa formulado sinteticamente em Stuttgart pelo Conselho da
Igreja Evangélica em 1945: “Anunciar com mais coragem, rezar com mais
confiança, crer com mais alegria, amar com mais paixão”.
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