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Por Élio Gasda
A partilha da experiência de sujeitos discriminados na sociedade por sua identidade pede uma postura diferente aos cristãos.
O corpo sexuado é um dom de Deus e a sexualidade é da ordem do dom. (Madalena Veloso by Unsplash) |
O que sabemos sobre questões de gênero? O que faz
uma mulher ser mulher? O que faz um homem ser homem? Apenas sua
anatomia? Existem questões de gênero na Política? E na família? Quais
seriam estas questões? Como irromperam estas questões?
Vivemos na
encruzilhada entre duas revoluções: a revolução sexual e a revolução
biotecnológica. O processo revolucionário de legitimação das minorias
faz compreender que ser mulher ou homem não se reduz à identidade
biológica (macho ou fêmea), mas existem outras dimensões. Ser mulher e
ser homem é um chamado à liberdade e à responsabilidade que todo ser
humano deve ter si.
Não há nenhum mal em mudar de opinião a partir
de novas evidências. Informação! Repetir condenações severas ou
advertências apocalípticas sem informação suficiente sobre o assunto nos
fecha ao diálogo. Precisamos escutar com humildade, espírito de
acolhida e dialogar com liberdade e honestidade sobre o tema. As
questões de gênero estão vinculadas à sexualidade, ao corpo e à forma
com que a cultura os configura.
Deus criou a pessoa humana à sua
imagem e semelhança e viu que era muito bom. O corpo sexuado é um dom de
Deus e a sexualidade é da ordem do dom. Nada é mais misterioso aos
olhos do ser humano que a densidade do seu próprio corpo. A sexualidade
está presente nele. Ela expressa o mistério da pessoa como “ser humano
todo inteiro, corpo e alma, coração e consciência, inteligência e
vontade” (Gaudium et spes, 3). A sexualidade está integrada na
totalidade da nossa personalidade (Gaudium et spes, 51) e somente pode
ser compreendida adequadamente dentro desta visão integral.
Uma
avaliação justa e respeitosa da pessoa humana leva em consideração a sua
totalidade. Não reduz a pessoa à sua genitália ou a um ato sexual ou a
comportamentos esporádicos insuficientes para qualquer avaliação justa. O
corpo é um referente obrigatório na construção da identidade humana.
Corpo e vivência da sexualidade são indissociáveis, são a condição
básica para que cada pessoa viva seu projeto de vida no mundo. A
sexualidade deste corpo é uma realidade dinâmica que não aparece em um
momento fixo da vida e de uma vez por todas. Seus elementos estão
submetidos, do nascimento até a morte, à lei da evolução e das relações
com os outros. Toda a existência é experimentada através do corpo.
Portanto, é preciso conhecer as diversas tendências da sociedade dentro
da qual se elabora a relação entre corpo e sexualidade. Caso contrário,
seria anacrônico abordar problemas de hoje com categorias científicas,
religiosas e morais de séculos passados. Princípios precisam ter
viabilidade na realidade das pessoas.
A perspectiva de gênero
oferece elementos para o reconhecimento de outras identidades. A
acolhida destas identidades nas comunidades cristãs leva a reavaliar as
práticas da Igreja e sua doutrina moral. A partilha da experiência de
sujeitos discriminados na sociedade por sua identidade pede uma postura
diferente aos cristãos. Fazer das igrejas um espaço de acolhida.
“Deus
não é de modo algum à imagem do homem. Deus é puro espírito, não
havendo nele lugar para a diferença dos sexos” (Catecismo §370). É
preciso evitar qualquer discrepância com esta mensagem da Revelação.
Mulheres e homens são criados à imagem divina. A cultura do
patriarcalismo presente na Bíblia e na história do cristianismo outorgou
aos homens o monopólio da representação divina. Uma teologia
majoritariamente feita por homens colocou os homens em posição de
superioridade em relação às mulheres. O conceito de gênero pode ajudar a
corrigir essa visão.
Está em jogo a fidelidade ao Evangelho.
Abordar as questões de gênero nos ajudará a superar as relações
alicerçadas na discriminação: “Na América Latina é necessário superar a
mentalidade machista que ignora a novidade do cristianismo, onde se
reconhece e se proclama a igual dignidade e responsabilidade da mulher
em relação ao homem” (Aparecida, 453).
Toda a Lei se resume num só
mandamento: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22, 39). Sejamos
solidários na busca da felicidade. A finalidade da diferença entre as
pessoas é a comunhão. O conceito visa erradicar as desigualdades
surgidas na diferença para construir um mundo em que as pessoas possam
viver sua própria identidade. Nenhum indivíduo se resume à sua
identidade de gênero ou orientação afetivo-sexual. “Toda pessoa humana,
criada à imagem e semelhança de Deus, todas têm uma mesma identidade
fundamental: ser criatura e, pela graça, filho de Deus, herdeiro da vida
eterna” (Congregação para a Doutrina da Fé. Carta aos Bispos sobre o
atendimento pastoral das pessoas homossexuais, 1986, n. 16).
A
dignidade de uma pessoa é anterior a qualquer sistema de normas morais
religiosas. Deus infere a cada um a mesma e inalienável dignidade e o
torna destinatário de sua Graça. “Cada pessoa deve ser respeitada e
acolhida com respeito, procurando evitar qualquer sinal de discriminação
e, particularmente, toda a forma de agressão e violência” (Amoris
Laetitia, 250). É preciso respeitar o modo que as pessoas determinam sua
existência para viverem felizes. “O ódio vem do medo de deixar os
outros viverem de forma diferente da sua” (Judith Butler).
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na
FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina
social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas,
2016).
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