terça-feira, 7 de agosto de 2018

STF e o aborto: um “teatro armado”


“Tanto esta audiência pública quanto este processo não são legítimos”. Eis a denúncia de um sacerdote durante debate sobre o aborto no Supremo Tribunal Federal.




Nos últimos dias, como se sabe, o Supremo Tribunal Federal promoveu duas audiências públicas para debater a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 442, que pretende descriminar o aborto no Brasil até a 12.ª semana de gestação. Já tratamos desse assunto aqui, ainda ano passado, quando o PSOL impetrou a referida ação junto à nossa Suprema Corte.
Ontem (6), no segundo dia de audiência, o padre José Eduardo de Oliveira e Silva, representando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, fez um excelente discurso denunciando com bastante clareza a farsa que se está descortinando diante de nossos olhos. Com o pretexto de ouvir todas as partes, o STF leva adiante um processo ilegítimo para, no fim, continuar legislando e fazendo “ativismo”.
Assista ao vídeo abaixo, portanto, e leia o referido discurso. Ao longo do texto, fizemos questão de inserir outros conteúdos de nosso site a respeito do assunto, para que todos possam se inteirar melhor do que está acontecendo. E, claro, não deixemos de rezar pelo nosso país, para que Nossa Senhora Aparecida nos livre da maldição do aborto.



Excelentíssima Presidente Carmen Lúcia, excelentíssima Ministra Rosa Weber, nas pessoas de quem saúdo os demais integrantes da mesa e os colegas expositores.
Acerca do aborto, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil pronunciou-se de maneira absolutamente inequívoca por diversas ocasiões, reiterando “sua posição em defesa da integralidade, inviolabilidade e dignidade da vida humana, desde a sua concepção até a morte natural” e condenando, assim, “todas e quaisquer iniciativas que pretendam legalizar o aborto no Brasil”.
Pela limitação do tempo, quero fazer apenas quatro breves colocações em meu pronunciamento.
Primeira colocação. Esta audiência não se presta para o fim a que foi convocada. Presta-se apenas para legitimar o ativismo desta Corte. Está-se fingindo ouvir as partes, mas na realidade está-se apenas legitimando o ativismo que virá em seguida. A prova é que os que defendem o reconhecimento do aborto como direito tiveram bem mais do que o dobro do tempo e bem mais do que o dobro de representantes dos que defendem a posição contrária.
Pe. José Eduardo durante audiência no Supremo
Isto não respeita o princípio do contraditório que está expresso na Constituição. O artigo quinto, inciso 55, da Magna Carta estabelece que aos litigantes em processo judicial ou administrativo são assegurados o contraditório, a igualdade das partes no processo e a ampla defesa. Esta audiência, ao contrário, é parcial. A própria maneira pela qual esta audiência pública está sendo conduzida viola a Constituição Federal.
Segunda colocação. A ADPF 442 sequer deveria estar sendo processada. Deveria ter sido indeferida de plano e imediatamente. A petição inicial é inepta porque a Lei 9882/99, que é a lei que rege as ADPFs, estabelece como requisito essencial para o processamento que a petição inicial venha instruída por controvérsia.
O artigo primeiro da mencionada lei estabelece que “caberá argüição de descumprimento de preceito fundamental quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo”.
O artigo terceiro estabelece que “a petição inicial deverá conter a comprovação de existência de controvérsia relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado”.
Ora, é fato evidente que desde 1988 nunca houve controvérsia sobre a constitucionalidade da norma impugnada. A controvérsia foi artificialmente fabricada no voto do Habeas Corpus 124.306 redigido pelo Ministro Barroso, ex-advogado de organizações que defendem a despenalização do aborto. Até o voto não havia, em qualquer obra de direito constitucional ou penal, nenhum registro de suspeita de inconstitucionalidade da norma.



Terceira colocação. O Supremo Tribunal Federal não pode legislar. E, neste caso, já não estamos nem mais falando de legislar, mas de usurpar o Poder Constituinte Originário. O artigo quinto da Constituição estabelece que a inviolabilidade do direito à vida é cláusula pétrea, e seu parágrafo segundo estabelece que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou seja, proíbe qualquer interpretação restritiva dos direitos consignados neste artigo, inclusive o direito à vida. As únicas restrições ao direito à vida são aquelas estabelecidas no próprio texto da Constituição. Portanto, nem o Congresso poderia diminuir estes direitos. Muito menos o Supremo Tribunal Federal.
Por estes motivos, tanto esta audiência pública quanto este processo não são legítimos.
Quarta colocação. A Comissão Episcopal da Pastoral Familiar da CNBB, em artigo publicado na última sexta-feira, analisou os discordantes números aqui apresentados sobre as estatísticas do aborto. Estes números acabaram se tornando a base de quase todas as apresentações da audiência da sexta-feira. Dezenas de representantes de organizações falaram em um milhão de abortos por ano e de quinhentos mil abortos por ano.
A professora Débora Diniz disse explicitamente que o número anual de abortos calculados no Brasil é de 503 mil por ano. Disse também que as pesquisas constataram que metade destes abortos passam por internações na rede hospitalar. Isto daria cerca de 250 mil internações, o que conferiria com os dados do SUS.
Ora, os dados do SUS são que há 200.000 internações por aborto por ano. A estimativa dos médicos experientes é que, destes, no máximo 25% seriam por abortos provocados. Numerosas pesquisas apontam valores entre 12% e 25%. Em 2013 o IBGE estimou que o número de abortos naturais corresponde a 7 vezes o número de provocados.
Tomando o valor mais conservador de 25%, deveríamos concluir que, se houvesse no Brasil 250 mil internações por abortos provocados, deveria haver entre um milhão e um milhão e meio de internações totais de abortos, e não apenas 200 mil. Além disso, os livros de obstetrícia e patologia afirmam que o número de abortos naturais, ocorridos em sua maioria no final do primeiro trimestre, é cerca de 10% do números de gestações, a maioria dos quais passam pelo SUS. Se as internações por abortos fossem um milhão ou um milhão e meio, o número de nascimentos no Brasil deveria ser 10 vezes maior. Nasceriam no Brasil entre 10 a 15 milhões de crianças por ano. Mas só nascem 2.800.000.
A realidade é que, dos 200 mil abortos atendidos pelo SUS, no máximo 50 mil são abortos provocados. Provavelmente bem menos. Então no máximo há 100 mil abortos provocados por ano no Brasil. Os números que foram aqui apresentados são 10 ou mais vezes maiores do que a realidade. Toda esta inflação é para poder concluir que, onde se legalizou a prática, realizam-se menos abortos do que no Brasil.

Mas na Alemanha se praticam 120.000 abortos por ano. A Alemanha possui apenas 80 milhões de habitantes. Se a Alemanha tivesse 200 milhões como o Brasil, ali haveria 300 mil abortos por ano, três vezes os do Brasil.
Na Espanha se praticam 100 mil abortos por ano. A Espanha tem apenas 45 milhões de habitantes. Se possuísse duzentos milhões, ali se praticariam 400 mil abortos por ano, quatro vezes mais que o Brasil.
Os Estados Unidos tem 320 milhões de habitantes e 900 mil abortos por ano. Se tivessem 200 milhões de habitantes, praticariam 600 mil abortos por ano, seis vezes o Brasil.
O Reino Unido tem 60 milhões de habitantes e 200 mil abortos por ano. Se tivesse 200 milhões de habitantes, praticaria 700 mil abortos por ano, sete vezes o número do Brasil.
A Suécia tem 10 milhões de habitantes e pratica 40 mil abortos por ano. Se tivesse 200 milhões de habitantes, praticaria 800 mil abortos, oito vezes mais que o Brasil.
A Romênia, de que tanto se falou aqui, possui 20 milhões de habitantes e pratica 90 mil abortos por ano. Se tivesse 200 milhões, faria 900 mil abortos por ano, nove vezes os do Brasil.
A China, com 1 bilhão e 300 milhões de habitantes, e sete milhões e 400 mil abortos, se tivesse a população do Brasil, faria um milhão e duzentos mil abortos por ano, mas isto é doze vezes o número do Brasil.
A Rússia possui 140 milhões de habitantes e um milhão e meio de abortos por ano. Isto é 23 vezes mais do que no Brasil.
Em todos estes países o aborto foi legalizado. Praticam entre três a 23 vezes mais abortos que o Brasil. Se examinarmos as estatísticas de outros países de que temos dados confiáveis e onde o aborto está legalizado, como Geórgia, Cazaquistão, Cuba, Estônia, Hungria, Ucrânia, Islândia, Dinamarca, Noruega, Turcomenistão, Nova Zelândia, Coréia do Sul, França, Israel, Grécia, Portugal, Finlândia, África do Sul, Bélgica, Lituânia, Japão, Itália, Taiwan, Suíça, Uzbequistão, Canadá, Austrália, Holanda e outros, obteremos dados em tudo semelhantes.


A conclusão é que, exatamente ao contrário do que foi sustentado aqui pelos que estão interessados em promover o aborto, quando se legaliza o aborto o número de abortos aumenta, e não diminui. É no primeiro mundo onde se praticam mais abortos, e não no Brasil.
Por favor, não mintam para o povo brasileiro. Não subestimem a democracia. Democracia não é somente voto. Os brasileiros estão vendo o que está acontecendo aqui, sabem o teatro que está sendo armado, sabem como fazer valer seu papel num regime democrático.
Muito obrigado!

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