Não, mas existe a demissão do estado clerical ou a redução ao estado laical: saiba qual é a diferença
O termo “ex-padre” foi popularizado já faz bastante tempo,
desde bem antes das recentes demissões de sacerdotes católicos do estado
clerical em decorrência de escândalos sexuais (entre os quais,
tragicamente, a aberração da pedofilia).
Mas a possibilidade de que um sacerdote seja dispensado do estado clerical pelo Papa existe independentemente desses casos hediondos. Ela se alicerça em uma série de razões diversas – e a maioria delas não tem nada a ver com “punição” ou “expulsão”.
Evidentemente, as punições também existem, como se viu nas últimas semanas: a mídia mundial repercutiu com estardalhaço o fato de o Papa Francisco ter demitido do estado clerical três padres latino-americanos condenados por abusos sexuais no Chile e no Equador.
No entanto, um padre católico pode solicitar ele próprio a assim chamada “redução ao estado laical“. É o que ocorre, por exemplo, nos casos em que ele conclui perante Deus e a própria consciência que a sua real vocação não é o sacerdócio e que a anterior decisão de ordenar-se não tinha sido acompanhada por um discernimento acurado e profundo. Afinal, pela fragilidade do homem, as dúvidas e os julgamentos equivocados fazem parte de todos os processos de discernimento que encaramos ao longo da vida – muitas vezes, em meio a sofrimentos que precisam de bálsamo e resolução definitiva.
Após analisar delicadamente esses casos, a Igreja concede a suspensão das obrigações inerentes ao estado sacerdotal, seguindo as normas de procedimento para a redução ao estado laical que você pode conhecer acessando este documento da Congregação para a Doutrina da Fé.
Mas a punição não é o único caminho para que um sacerdote deixe de exercer o ministério – nem é o mais frequente.
A “redução ao estado laical” muitas vezes atende à solicitação do próprio sacerdote. Ao recebê-la, um padre é dispensado das obrigações derivadas do seu anterior estado clerical. A mais “famosa” dessas dispensas é a do celibato, permitindo que um padre possa legitimamente se casar no rito religioso. Mas a dispensa também se estende a todas as demais obrigações específicas de um padre previstas no direito canônico, tais como a oração diária da liturgia das horas, a proibição de concorrer como candidato a cargos políticos, a proibição de exercer atividades de negócios… Obviamente, continuarão em vigor todos os deveres de qualquer outro cristão batizado.
O sacerdócio católico não pode ser “apagado” de um padre nem mediante a demissão do estado clerical por punição decretada pelo Papa, nem mediante a redução ao estado laical a pedido do próprio padre e aprovada pelo Papa.
Por quê? Porque o sacramento da ordem sacerdotal confere aos ministros ordenados um caráter indelével: uma vez ordenado, um sacerdote é “sacerdos in aeternum“, ou seja, continuará sendo sacerdote para toda a eternidade. Não há como “apagar” o caráter deste sacramento.
Fazendo uma analogia tradicional nas aulas de catequese, é como se o Espírito Santo “imprimisse um selo” na alma de quem recebe esses sacramentos. Por meio deles, Deus age de modo definitivo nessas almas, doando à sua existência uma relação particular com Cristo e com a Igreja, que não fica mais disponível à liberdade do homem. O crente até pode recusá-la na prática, com uma vida incompatível com a de um cristão genuíno, mas permanecerá para sempre com esse “selo” impresso por Deus em sua alma.
Tanto é assim que, no caso da ordem, a legislação canônica chega a prever que até mesmo um padre já reduzido ao estado laical pode absolver validamente todos os pecados de alguém que se encontre em perigo de morte, em situações extremas e de necessidade imperiosa (cf. cânon 976). Este é um excelente exemplo de como o caráter sacerdotal acompanha o sacerdote durante toda a sua existência, mesmo após a sua formal dispensa do ministério.
É que o sacramento do matrimônio é indissolúvel no tempo (“até que a morte os separe“). Jesus mesmo foi bem claro: “Não separe o homem o que Deus uniu“.
Entretanto, o matrimônio não imprime caráter indelével: é por isso que os viúvos podem voltar a receber o sacramento matrimonial em uma nova união abençoada pelo sacramento do matrimônio. E, no caso do reconhecimento da nulidade matrimonial por parte da Igreja, também não estamos falando propriamente de “ex-casados pela Igreja”, dado que, na prática, o reconhecimento da nulidade é precisamente isso: um reconhecimento de que o sacramento nunca existiu, devido a circunstâncias minuciosamente avaliadas pela autoridade eclesial competente.
Entretanto, é um termo impreciso. Por isso mesmo, é passível de interpretações equivocadas sobre a natureza do sacerdócio, que não pode ser “revertida” nem “extinta”. Em sentido estrito, não existe “ex-padre”: o que existe são padres que receberam a dispensa do exercício do ministério sacerdotal e de todas as obrigações específicas que dele decorrem, mas que, ainda assim, permanecem sacerdotes para toda a eternidade do ponto de vista do caráter sacramental.
Mas a possibilidade de que um sacerdote seja dispensado do estado clerical pelo Papa existe independentemente desses casos hediondos. Ela se alicerça em uma série de razões diversas – e a maioria delas não tem nada a ver com “punição” ou “expulsão”.
Evidentemente, as punições também existem, como se viu nas últimas semanas: a mídia mundial repercutiu com estardalhaço o fato de o Papa Francisco ter demitido do estado clerical três padres latino-americanos condenados por abusos sexuais no Chile e no Equador.
No entanto, um padre católico pode solicitar ele próprio a assim chamada “redução ao estado laical“. É o que ocorre, por exemplo, nos casos em que ele conclui perante Deus e a própria consciência que a sua real vocação não é o sacerdócio e que a anterior decisão de ordenar-se não tinha sido acompanhada por um discernimento acurado e profundo. Afinal, pela fragilidade do homem, as dúvidas e os julgamentos equivocados fazem parte de todos os processos de discernimento que encaramos ao longo da vida – muitas vezes, em meio a sofrimentos que precisam de bálsamo e resolução definitiva.
Após analisar delicadamente esses casos, a Igreja concede a suspensão das obrigações inerentes ao estado sacerdotal, seguindo as normas de procedimento para a redução ao estado laical que você pode conhecer acessando este documento da Congregação para a Doutrina da Fé.
“Tipos” de dispensa do sacerdócio
A mídia tem destacado as assim chamadas “demissões do estado clerical“, que são decretadas pelo Papa e, na prática, podem ser entendidas como punições a sacerdotes que cometeram atos gravíssimos – tão graves a ponto de exigirem que eles sejam impedidos definitiva e irrevogavelmente de exercer o ministério sacerdotal. Além da demissão, esses padres devem responder, é claro, também perante a justiça civil pelos crimes que cometeram.Mas a punição não é o único caminho para que um sacerdote deixe de exercer o ministério – nem é o mais frequente.
A “redução ao estado laical” muitas vezes atende à solicitação do próprio sacerdote. Ao recebê-la, um padre é dispensado das obrigações derivadas do seu anterior estado clerical. A mais “famosa” dessas dispensas é a do celibato, permitindo que um padre possa legitimamente se casar no rito religioso. Mas a dispensa também se estende a todas as demais obrigações específicas de um padre previstas no direito canônico, tais como a oração diária da liturgia das horas, a proibição de concorrer como candidato a cargos políticos, a proibição de exercer atividades de negócios… Obviamente, continuarão em vigor todos os deveres de qualquer outro cristão batizado.
Mas atenção: o caráter sacramental do sacerdócio é indelével
Uma coisa é a dispensa dos deveres oriundos do sacerdócio: esta é uma situação que existe. Outra coisa é a suposta “extinção” do sacramento da ordem recebido por um padre: esta é uma situação que não existe.O sacerdócio católico não pode ser “apagado” de um padre nem mediante a demissão do estado clerical por punição decretada pelo Papa, nem mediante a redução ao estado laical a pedido do próprio padre e aprovada pelo Papa.
Por quê? Porque o sacramento da ordem sacerdotal confere aos ministros ordenados um caráter indelével: uma vez ordenado, um sacerdote é “sacerdos in aeternum“, ou seja, continuará sendo sacerdote para toda a eternidade. Não há como “apagar” o caráter deste sacramento.
E o que é esse “caráter indelével”?
Existem três sacramentos que imprimem caráter indelével: além da ordem, também o batismo e a confirmação (ou crisma). Por isso, no sentido sacramental, não pode existir um “ex-padre”, nem um “ex-batizado”, nem um “ex-crismado”.Fazendo uma analogia tradicional nas aulas de catequese, é como se o Espírito Santo “imprimisse um selo” na alma de quem recebe esses sacramentos. Por meio deles, Deus age de modo definitivo nessas almas, doando à sua existência uma relação particular com Cristo e com a Igreja, que não fica mais disponível à liberdade do homem. O crente até pode recusá-la na prática, com uma vida incompatível com a de um cristão genuíno, mas permanecerá para sempre com esse “selo” impresso por Deus em sua alma.
Tanto é assim que, no caso da ordem, a legislação canônica chega a prever que até mesmo um padre já reduzido ao estado laical pode absolver validamente todos os pecados de alguém que se encontre em perigo de morte, em situações extremas e de necessidade imperiosa (cf. cânon 976). Este é um excelente exemplo de como o caráter sacerdotal acompanha o sacerdote durante toda a sua existência, mesmo após a sua formal dispensa do ministério.
Atenção: o caso do matrimônio é parecido, mas não igual
Uma realidade semelhante, mas não idêntica, se observa no tocante aos assim chamados “ex-casados”. Em sentido estrito, também não pode existir um “ex-casado pela Igreja”.É que o sacramento do matrimônio é indissolúvel no tempo (“até que a morte os separe“). Jesus mesmo foi bem claro: “Não separe o homem o que Deus uniu“.
Entretanto, o matrimônio não imprime caráter indelével: é por isso que os viúvos podem voltar a receber o sacramento matrimonial em uma nova união abençoada pelo sacramento do matrimônio. E, no caso do reconhecimento da nulidade matrimonial por parte da Igreja, também não estamos falando propriamente de “ex-casados pela Igreja”, dado que, na prática, o reconhecimento da nulidade é precisamente isso: um reconhecimento de que o sacramento nunca existiu, devido a circunstâncias minuciosamente avaliadas pela autoridade eclesial competente.
Mas, afinal, o termo “ex-padre” é correto?
A Igreja, obviamente, não “legisla” sobre o dicionário e sobre os idiomas: o termo “ex-padre” existe como vocábulo e é usado frequentemente na língua falada e escrita, em referência aos padres que deixaram o ministério sacerdotal.Entretanto, é um termo impreciso. Por isso mesmo, é passível de interpretações equivocadas sobre a natureza do sacerdócio, que não pode ser “revertida” nem “extinta”. Em sentido estrito, não existe “ex-padre”: o que existe são padres que receberam a dispensa do exercício do ministério sacerdotal e de todas as obrigações específicas que dele decorrem, mas que, ainda assim, permanecem sacerdotes para toda a eternidade do ponto de vista do caráter sacramental.
É sempre desejável a clareza na comunicação, para se evitar a
ambiguidade e a indução a equívocos. O termo “ex-padre” já está
popularizado no uso coloquial e, para sermos realistas, dificilmente
deixará de ser usado: não vem ao caso, portanto, criar alarde em torno
ao vocábulo como tal e, muito menos, pretender proibir o seu uso. O
relevante é distinguir e esclarecer o que esse termo realmente significa
e, tão importante quanto, o que ele não significa – e ele não significa a extinção do caráter indelével do sacramento da ordem porque isto é impossível.
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