[domtotal]
A Igreja precisa buscar não apenas soluções para o comportamento inapropriado de seus padres, mas também questionar sobre as causas que estão profundamente enraizadas.
A comunidade cristã tem vivido uma grande sensação de desconforto.
O
problema mais importante que a Igreja enfrenta não é de descobrir quem é
responsável pelos escândalos de abuso, mas o que tais escândalos,
particularmente o abuso de menores, revela sobre a sua maneira de ser.
Sendo
assim, a Igreja precisa buscar não apenas soluções para o comportamento
inapropriado de seus padres, mas também questionar sobre as causas que
estão profundamente enraizadas.
A “tolerância zero” é totalmente
inadequada ao menos que esteja acompanhada de um desejo radical de rever
a maneira de como a Igreja funciona, principalmente como os ministérios
ordenados funcionam.
A Igreja arriscou atuar mais como uma
instituição religiosa do que como uma comunidade de fé. Essa ambiguidade
permitiu que algumas coisas entrassem pela janela, coisas que o
Evangelho se esforça para expulsar pela porta da frente, como, por
exemplo, seu caráter sagrado.
O que estamos vivendo hoje é uma
amostra de uma das piores consequências da prática de tornar sagradas
certas funções que, na realidade, são e devem permanecer como serviços.
A
identificação entre o ministério que serve à vida da comunidade e a
identidade pessoal de um ministro ordenado acabou provocando uma série
de abusos. Além de serem crime, esses abusos representam uma postura que
contradiz o Evangelho.
No momento, a Igreja está pagando o preço pela remodelação de seu funcionamento religioso e sagrado.
Seu
jeito de funcionar resultou na criação de uma casta clerical que
engloba não só o clero, mas também os leigos clericalizados.
Como
os fariseus e os saduceus nos tempos de Jesus, essa casta tende a usar o
Evangelho para seus próprios propósitos muito mais do que servir a ele.
Sem
o Evangelho, tudo pode continuar como era no passado. Mas o Evangelho
impõe uma conversão que inclui enfrentar as críticas que vêm dos outros.
Recolocar
o Evangelho no centro da vida da Igreja envolve reconhecer um erro
fundamental, que foi deixar de lado a ideia de ser uma comunidade de
irmãos e irmãs à serviço da humanidade e não uma “religio” como as
outras.
Não serão os dogmas ou as bobagens ritualísticas que farão
a diferença. O que precisamos é de um reposicionamento que consiste em
renunciar de todos os privilégios que vêm da necessidade de criar cargos
de alto escalão.
O que precisamos é de uma posição que privilegie o relacionamento com o outro.
O
que estamos de fato fazendo para renunciar a todas as formas de
clericalismo e, até mesmo, de machismo? Enquanto não renunciarmos a esse
tipo de posicionamento, será difícil curar a doença causada pela crise
dos abusos sexuais e pelos abusos de poder e consciência.
Uma
Igreja que nasce do Evangelho é uma Igreja despojada de si. Isso
significa, também, renunciar à criação de uma casta exclusiva que se
apropria do direito de excluir os outros baseada em suas vocações e em
seus cargos.
Na verdade, tal mudança só pode vir de baixo.
Devemos nos entregar com entusiasmo ao horizonte de uma refundação.
E
isso só poderá ser alcançado se, primeiro, aceitarmos a relativização
de uma série de instituições e de maneiras de trabalhar que, mesmo que
tenham sido úteis, ao menos em parte, até agora, provavelmente já não
são mais apropriadas.
Existem dois aspectos que não só são
urgentes, mas também reveladores do desejo real de irmos além da
nostalgia de nós mesmos em direção à nostalgia do Reino de Deus.
Primeiro
é o papel da mulher na vida da Igreja; depois, a transformação de uma
teologia de mortificação para uma teologia do prazer.
Nossa
maneira de entender a sexualidade, enquanto forma de apreciar nossa
humanidade, é a chave para aceitar as atuais mudanças antropológicas sem
as enxergar como uma ameaça, e sim como uma oportunidade.
Isso
não implica em relativizar o celibato clerical ou a castidade de um
religioso consagrado, mas em reposiciona-las de acordo com a nossa
humanidade.
Isso nos permitirá continuar vivendo como vivíamos no
passado, inclusive mantendo o celibato, porém com uma nova liberdade e
responsabilidade que ainda precisam ser desenvolvidas.
La Croix International, 25-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
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