Deus quer que todos os homens se salvem; cf. 1 Tm 2, 4. Todavia Ele não força ninguém a amá-Lo e preferi-Lo aos bens criados. Por conseguinte, Deus a ninguém condena; é a criatura que condena a si mesma. Caso morra consciente e voluntariamente avessa a Deus (coisa que só Deus pode saber), terá para sempre a sorte que escolheu para si, pois a morte coloca o ser humano em estado definitivo, no qual não é possível qualquer mudança. De resto, faz-se necessário reconhecer que nenhuma criatura está apta a julgar Deus; Este, por definição, é a Suma Perfeição e a Santidade Absoluta; quando Ele à limitada razão humana parece injusto, parece tal não porque seja menos justo do que o homem (um Deus injusto não pode existir), mas porque o seu desígnio salvífico ultrapassa o entendimento humano.
A seguinte questão é feita: “Sou católico, mas tenho uma dúvida que
muito me persegue e incomoda: é a questão da condenação eterna… Como um
Deus tão misericordioso pode deixar que seus filhos fiquem para sempre
no inferno? Para mim, o inferno é o lugar dos demônios e não dos filhos
de Deus. Não creio que no inferno esteja algum ser humano. Creio na
existência do inferno, mas não como lugar dos homens de pecado e
condenados”. Vamos responder por partes:
São Paulo afirma que Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade; cf. lTm 2, 4. Esta verdade deve pairar sempre ante os olhos de quem estuda tal temática.
Ocorre, porém, que Deus não força ninguém a se salvar ou a amar a Deus sobre todas as coisas. Ele respeita a livre opção do homem, quando este prefere a criatura ao Criador ou os bens finitos ao Bem Infinito.
Por conseguinte, Deus não condena a criatura, mas é a criatura que condena a si mesma, optando por permanecer longe de Deus. “Esta é outra verdade de importância capital, que dissipa a ideia de um Deus Carrasco ou Juiz frio e insensível”.
Está claro que as opções errôneas da criatura humana nem sempre são plenamente responsáveis. Há pessoas angustiadas, obcecadas que não agem com total conhecimento de causa ou com plena liberdade. Deus “e só Deus” conhece o íntimo de cada um(a); compreende a fraqueza de seus filhos. Vê que, muitas vezes, mesmo quando erram, estão procurando o bem, mas não sabem onde o encontrar. Conhecedor do fundo do coração humano, Ele não procede como um homem, mas atende aos anseios mal formulados daqueles que, sem culpa própria, Lhe dizem Não.
Quem morre consciente e voluntariamente afastado de Deus, fica para sempre longe de Deus não num lugar dimensional, mas num estado de alma (o inferno não é um tanque de enxofre fumegante com diabinhos e tridentes). A morte estabiliza a criatura na sua última opção, de tal modo que, após a morte, não há como trocar de atitudes. A consciência desta verdade incute ao homem o valor da vida presente e de cada um de seus instantes; é no tempo que se configura a vida definitiva de cada ser humano.
A morte coloca o homem num estado definitivo e imutável. O homem fica sendo para sempre amigo ou inimigo de Deus, conforme as disposições que tenha ao deixar este mundo; somente enquanto peregrina na terra, pode merecer ou desmerecer o Sumo Bem.
Esta verdade se encontra no Evangelho: Jesus admoesta os discípulos a que vigiem, pois a atitude que tiverem assumido nesta vida em relação a Deus, definirá a sua sorte definitiva. É o que incutem as parábolas das dez virgens (M 25, 1-13), dos dez talentos (Mt 25, 14-30), do ricaço e de Lázaro (Lc 16, 18-31), o quadro do juízo final em Mt 25, 31-46…
A mesma ideia ressoa na pregação dos Apóstolos; ver G1 6, 10; 1 Cor 15, 24; 2Cor 5, 10; 6, 2; Hb 3, 13. A tradição cristã a repetiu sempre, e o Concílio do Vaticano 1 (1870), suspenso antes de concluído, estava para promulgá-la em suas definições teológicas, nos seguintes termos:
“Depois da morte, que é o remate da nossa caminhada, todos teremos logo de nos apresentar perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada qual receba a retribuição do que tiver feito de bem ou de mal quando estava no corpo (2Cor 5, 10); depois desta vida mortal, não há mais possibilidade de penitência e justificação” (Mansi-Petit, Conc. t. LIII, 175).
Até a morte, mas somente até a morte, a natureza humana se acha completa (alma e corpo) e dotada das faculdades que concorrem para a sua evolução (sentidos, inteligência e vontade). Ora é lógico que a decisão do homem relativa ao fim supremo seja tomada pelo homem em sua natureza completa. O homem não é espírito só, mas espírito destinado a vivificar um corpo e desenvolver-se mediante o corpo.
Verdade é que, depois da ressurreição, o corpo estará de novo unido à alma. Por que então não poderá haver mudança de opções após a ressurreição? Respondemos dizendo que a re-união de corpo e alma após a morte é algo a que a natureza humana não tem, por si mesma, direito; é dom gratuito de Deus. O corpo então não servirá de instrumento mediante o qual a alma mude as suas inclinações; ao contrário, as condições do corpo se adaptarão às disposições, boas ou más, da alma, em vez de as influenciar; os justos terão um corpo glorioso, ao passo que os réprobos terão um corpo tido como ‘tenebroso’.
A irrevogabilidade de um destino é algo que nós, peregrinos na terra, dificilmente concebemos; tudo o que conhecemos neste mundo, se nos apresenta como transitório; não temos a experiência do definitivo ou da morte.
O homem é, muitas vezes, tentado a criticar Deus, como se Este fosse menos perfeito do que a criatura e tivesse que aprender com ela a administrar a história deste mundo. Popularmente falando, isto equivale a dizer que, ‘se Deus não procede como eu penso, Deus está errado e eu estou certo’. Ora tal atitude é falsa não somente aos olhos da fé, mas também aos da razão. Com efeito; Deus, por definição, é Santo e Perfeito; está infinitamente acima da capacidade intelectual e moral da criatura. Em consequência, um Deus injusto ou imperfeito simplesmente não é Deus; quem o admite, está negando o conceito e a existência de Deus; é mais lógico não crer em Deus do que crer num Deus falho e criticável. Se a criatura não compreende os desígnios de Deus, isto não se deve a deficiências do Senhor, mas às limitações do intelecto humano.
Vem muito a propósito a parábola de Mt 20, 1-15: um patrão contrata cinco turmas de operários em diversas horas do dia e, no fim da jornada, manda pagar a todos o mesmo salário, embora tenham prestado desiguais cotas de serviço. Um dos mais cansados dos trabalhadores se insurge então e argui o patrão de injustiça, pois iguala entre si os que não trabalharam o mesmo número de horas. O patrão lhe responde com serenidade, observando que não lhe faz injustiça, pois pagou quanto foi estipulado em contrato, ou seja, um dinheiro, a justa remuneração. Se ele dá aos demais trabalhadores algo que não lhes é devido em estrita justiça, mas depende da benevolência gratuita do patrão, ele tira do seu bolso e não lesa ninguém. Fica então a pergunta: ‘Precisamente porque eu sou bondoso além de toda expectativa, dando de graça, tu te irritas? É a minha magnanimidade surpreendentemente bela e nobre que te faz protestar?’
A mesma resposta do Senhor da parábola pode ser dada pelo Senhor Deus à criatura que o critica, julgando que Deus não é justo e deveria proceder como a criatura procederia. Se Ele ‘escandaliza’, porque é bom além dos trâmites habituais vigentes entre os homens. Então não há por que O criticar, mas, sim, existem motivos para abaixar a cabeça e adorar a Suma Sabedoria do Senhor, que vê muito mais longe do que a mesquinha intuição do ser humano. É esta a resposta que a fé católica formula para dúvida acima.
São Paulo afirma que Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade; cf. lTm 2, 4. Esta verdade deve pairar sempre ante os olhos de quem estuda tal temática.
Ocorre, porém, que Deus não força ninguém a se salvar ou a amar a Deus sobre todas as coisas. Ele respeita a livre opção do homem, quando este prefere a criatura ao Criador ou os bens finitos ao Bem Infinito.
Por conseguinte, Deus não condena a criatura, mas é a criatura que condena a si mesma, optando por permanecer longe de Deus. “Esta é outra verdade de importância capital, que dissipa a ideia de um Deus Carrasco ou Juiz frio e insensível”.
Está claro que as opções errôneas da criatura humana nem sempre são plenamente responsáveis. Há pessoas angustiadas, obcecadas que não agem com total conhecimento de causa ou com plena liberdade. Deus “e só Deus” conhece o íntimo de cada um(a); compreende a fraqueza de seus filhos. Vê que, muitas vezes, mesmo quando erram, estão procurando o bem, mas não sabem onde o encontrar. Conhecedor do fundo do coração humano, Ele não procede como um homem, mas atende aos anseios mal formulados daqueles que, sem culpa própria, Lhe dizem Não.
Quem morre consciente e voluntariamente afastado de Deus, fica para sempre longe de Deus não num lugar dimensional, mas num estado de alma (o inferno não é um tanque de enxofre fumegante com diabinhos e tridentes). A morte estabiliza a criatura na sua última opção, de tal modo que, após a morte, não há como trocar de atitudes. A consciência desta verdade incute ao homem o valor da vida presente e de cada um de seus instantes; é no tempo que se configura a vida definitiva de cada ser humano.
A morte coloca o homem num estado definitivo e imutável. O homem fica sendo para sempre amigo ou inimigo de Deus, conforme as disposições que tenha ao deixar este mundo; somente enquanto peregrina na terra, pode merecer ou desmerecer o Sumo Bem.
Esta verdade se encontra no Evangelho: Jesus admoesta os discípulos a que vigiem, pois a atitude que tiverem assumido nesta vida em relação a Deus, definirá a sua sorte definitiva. É o que incutem as parábolas das dez virgens (M 25, 1-13), dos dez talentos (Mt 25, 14-30), do ricaço e de Lázaro (Lc 16, 18-31), o quadro do juízo final em Mt 25, 31-46…
A mesma ideia ressoa na pregação dos Apóstolos; ver G1 6, 10; 1 Cor 15, 24; 2Cor 5, 10; 6, 2; Hb 3, 13. A tradição cristã a repetiu sempre, e o Concílio do Vaticano 1 (1870), suspenso antes de concluído, estava para promulgá-la em suas definições teológicas, nos seguintes termos:
“Depois da morte, que é o remate da nossa caminhada, todos teremos logo de nos apresentar perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada qual receba a retribuição do que tiver feito de bem ou de mal quando estava no corpo (2Cor 5, 10); depois desta vida mortal, não há mais possibilidade de penitência e justificação” (Mansi-Petit, Conc. t. LIII, 175).
Até a morte, mas somente até a morte, a natureza humana se acha completa (alma e corpo) e dotada das faculdades que concorrem para a sua evolução (sentidos, inteligência e vontade). Ora é lógico que a decisão do homem relativa ao fim supremo seja tomada pelo homem em sua natureza completa. O homem não é espírito só, mas espírito destinado a vivificar um corpo e desenvolver-se mediante o corpo.
Verdade é que, depois da ressurreição, o corpo estará de novo unido à alma. Por que então não poderá haver mudança de opções após a ressurreição? Respondemos dizendo que a re-união de corpo e alma após a morte é algo a que a natureza humana não tem, por si mesma, direito; é dom gratuito de Deus. O corpo então não servirá de instrumento mediante o qual a alma mude as suas inclinações; ao contrário, as condições do corpo se adaptarão às disposições, boas ou más, da alma, em vez de as influenciar; os justos terão um corpo glorioso, ao passo que os réprobos terão um corpo tido como ‘tenebroso’.
A irrevogabilidade de um destino é algo que nós, peregrinos na terra, dificilmente concebemos; tudo o que conhecemos neste mundo, se nos apresenta como transitório; não temos a experiência do definitivo ou da morte.
O homem é, muitas vezes, tentado a criticar Deus, como se Este fosse menos perfeito do que a criatura e tivesse que aprender com ela a administrar a história deste mundo. Popularmente falando, isto equivale a dizer que, ‘se Deus não procede como eu penso, Deus está errado e eu estou certo’. Ora tal atitude é falsa não somente aos olhos da fé, mas também aos da razão. Com efeito; Deus, por definição, é Santo e Perfeito; está infinitamente acima da capacidade intelectual e moral da criatura. Em consequência, um Deus injusto ou imperfeito simplesmente não é Deus; quem o admite, está negando o conceito e a existência de Deus; é mais lógico não crer em Deus do que crer num Deus falho e criticável. Se a criatura não compreende os desígnios de Deus, isto não se deve a deficiências do Senhor, mas às limitações do intelecto humano.
Vem muito a propósito a parábola de Mt 20, 1-15: um patrão contrata cinco turmas de operários em diversas horas do dia e, no fim da jornada, manda pagar a todos o mesmo salário, embora tenham prestado desiguais cotas de serviço. Um dos mais cansados dos trabalhadores se insurge então e argui o patrão de injustiça, pois iguala entre si os que não trabalharam o mesmo número de horas. O patrão lhe responde com serenidade, observando que não lhe faz injustiça, pois pagou quanto foi estipulado em contrato, ou seja, um dinheiro, a justa remuneração. Se ele dá aos demais trabalhadores algo que não lhes é devido em estrita justiça, mas depende da benevolência gratuita do patrão, ele tira do seu bolso e não lesa ninguém. Fica então a pergunta: ‘Precisamente porque eu sou bondoso além de toda expectativa, dando de graça, tu te irritas? É a minha magnanimidade surpreendentemente bela e nobre que te faz protestar?’
A mesma resposta do Senhor da parábola pode ser dada pelo Senhor Deus à criatura que o critica, julgando que Deus não é justo e deveria proceder como a criatura procederia. Se Ele ‘escandaliza’, porque é bom além dos trâmites habituais vigentes entre os homens. Então não há por que O criticar, mas, sim, existem motivos para abaixar a cabeça e adorar a Suma Sabedoria do Senhor, que vê muito mais longe do que a mesquinha intuição do ser humano. É esta a resposta que a fé católica formula para dúvida acima.
D. Estevão Bettencourt
Revista “Pergunte e Responderemos” nov/1999 – Via Cleofas.
Revista “Pergunte e Responderemos” nov/1999 – Via Cleofas.
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