Na 2ª Jornada Mundial dos Pobres, o Papa Francisco, presidiu a celebração eucarística na Basílica de São Pedro, no domingo, dia 18 de novembro de 2018. Após o Angelus, almoçou com três mil moradores de rua, na Sala Paulo VI.
As leituras da missa foram as da festa da Dedicação da Basílica de São Pedro, cuja celebração se dá no dia 18 de novembro.
“A injustiça é a raiz perversa da pobreza. O grito dos pobres
torna-se mais forte de dia para dia, mas de dia para dia é menos
ouvido, porque abafado pelo barulho de poucos ricos, que são sempre
menos e sempre mais ricos”, afirmou o Papa Francisco na homilia proferida na ocasião.
Eis a homilia.
Debrucemo-nos sobre três ações que Jesus realiza no Evangelho.
A primeira. Em pleno dia, deixa…
deixa a multidão na hora do sucesso, quando era aclamado por ter
multiplicado os pães. Os discípulos queriam gozar do triunfo, mas Jesus
obrigou-os imediatamente a partir, enquanto Ele despede a multidão (cf. Mt 14, 22-23).
Procurado pelo povo, retira-Se sozinho; quando tudo se apresentava «em
descida», Ele sobe ao monte para rezar. Depois, no coração da noite,
desce do monte e vai ter com os Seus, caminhando sobre as águas agitadas
pelo vento. Em tudo isto, Jesus vai contracorrente: primeiro deixa o
sucesso, depois a tranquilidade. Ensina-nos a coragem de deixar: deixar o
sucesso que ensoberbece o coração, e a tranquilidade que adormece a
alma.
Para ir… aonde? A Deus, rezando, e a quem tem necessidade, amando.
São os verdadeiros tesouros da vida: Deus e o próximo. Subir até Deus e
descer até aos irmãos: eis a rota indicada por Jesus. Subtrai-nos,
assim, à tendência de nos apascentarmos calmamente nas cômodas planícies
da vida, de deixar correr ociosamente a vida por entre as pequenas
satisfações do dia-a-dia. Os discípulos de Jesus não
estão feitos para a previsível tranquilidade duma vida normal. Como o
seu Senhor, vivem a caminho, leves, prontos a deixar as glórias do
momento, atentos a não se apegar aos bens que passam. O cristão sabe que
a sua pátria não é aqui, sabe – como recorda o apóstolo Paulo na segunda Leitura – que já é «concidadão dos santos e membro da casa de Deus» (cf. Ef 2, 19).
É um ágil viandante da existência. Não vivemos para acumular: a nossa
glória está em deixar o que passa, para guardarmos aquilo que permanece.
Peçamos a Deus a graça de nos assemelharmos à Igreja descrita
na primeira Leitura: sempre em movimento, especialista no deixar e fiel
no servir (cf. At 28, 11-14).
Despertai-nos, Senhor, da calmaria ociosa, da bonança
tranquila dos nossos portos seguros. Desligai-nos das amarras da
autorreferencialidade que atulham a vida, libertai-nos da busca dos
nossos sucessos. Ensinai-nos a saber deixar, para orientar a rota da
vida pela tua: rumo a Deus e ao próximo.
A segunda ação: em plena noite, Jesus encoraja. Vai ter com os Seus, submersos na escuridão, caminhando «sobre o mar» (Mt 14, 25).
Na realidade, tratava-se de um lago; mas naquele tempo o mar, com a
profundidade dos seus abismos tenebrosos, evocava as forças do mal. Por
outras palavras, Jesus vai ao encontro dos Seus, calcando os inimigos
malignos do homem. Tal é o significado deste sinal: não uma manifestação
celebrativa de força, mas a revelação, que nos é feita, da certeza
tranquilizadora de que Jesus, só Jesus, vence os nossos grandes
inimigos: o diabo, o pecado, a morte, o medo.
Hoje, Ele diz também a nós: «Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!» (14, 27).
A barca da nossa vida vê-se, frequentemente, balanceada pelas ondas e
sacudida pelos ventos; e, se as águas por vezes estão calmas, não
tardam a agitar-se. Então irritamo-nos com as tempestades do momento,
como se fossem os nossos únicos problemas. Mas o problema não é a
tempestade presente, mas o modo como navegar na vida. O segredo de bem
navegar é convidar Jesus a subir para bordo. O leme da vida deve ser
dado a Ele, para que seja Jesus a traçar a rota. Com efeito, só Ele dá
vida na morte, e esperança na dor; só Ele cura o coração com o perdão, e
liberta do medo com a confiança.
Convidemos, hoje, Jesus a subir para a barca da vida. Como os discípulos, experimentaremos que, com Ele a bordo, amainam os ventos (cf. 14, 32)
e nunca sofremos naufrágio. E só com Jesus é que nos tornamos capazes
também de encorajar. Há uma grande necessidade de pessoas que saibam
consolar, não com palavras vazias, mas com palavras de vida. No nome de
Jesus, encontramos e oferecemos verdadeira consolação: não são os
encorajamentos formais e previstos que restauram, mas a presença de
Jesus.
Encorajai-nos, Senhor! Consolados por Vós, seremos verdadeiros consoladores para os outros.
Terceira ação: no meio da tempestade, Jesus estende a mão (cf. 14, 31). Agarra Pedro que, assustado, duvidara e, afundando, gritou: «Salva-me, Senhor!» (14, 30). Podemos colocar-nos no lugar de Pedro: somos pessoas de pouca fé e estamos aqui a mendigar a salvação.
Somos pobres de vida verdadeira, e serve-nos a mão estendida do Senhor
que nos tire fora do mal. Isto é o início da fé: esvaziar-se da
orgulhosa convicção de nos julgarmos em ordem, capazes, autônomos, para
nos reconhecermos necessitados de salvação. A fé cresce neste clima, um
clima ao qual nos adaptamos convivendo com quantos não se colocam no
pedestal, mas precisam e pedem ajuda. Por isso é importante, para todos
nós, viver a fé em contato com os necessitados. Não é uma opção
sociológica, mas exigência teológica. É reconhecer-se mendigos de
salvação, irmãos e irmãs de todos, mas especialmente dos pobres,
prediletos do Senhor. Assim bebemos do espírito do Evangelho: «o
espírito de pobreza e de caridade – diz o Concílio – são a glória e o testemunho da Igreja de Cristo» (Const. past. Gaudium et spes, 88).
Jesus ouviu o grito de Pedro. Peçamos a graça de ouvir o grito de quem vive em águas borrascosas.
O grito dos pobres:
é o grito estrangulado de bebês que não podem vir à luz, de crianças
que padecem a fome, de adolescentes habituados ao fragor das bombas em
vez de o ser à algazarra alegre dos jogos.
É o grito de idosos descartados e deixados sozinhos.
É o grito de quem se encontra a enfrentar as tempestades da vida sem uma presença amiga.
É o grito daqueles que têm de fugir, deixando a casa e a terra sem a certeza dum refúgio.
É o grito de populações inteiras, privadas inclusive dos enormes recursos naturais de que dispõem.
É o grito dos inúmeros Lázaros que choram, enquanto poucos epulões se banqueteiam com aquilo que, por justiça, é para todos. A injustiça é a raiz perversa da pobreza.
O grito dos pobres torna-se mais forte de dia para dia, mas
de dia para dia é menos ouvido, porque abafado pelo barulho de poucos
ricos, que são sempre menos e sempre mais ricos.
Perante a dignidade humana espezinhada, muitas vezes fica-se de
braços cruzados ou então abanam-se os braços, impotentes diante da força
obscura do mal. Mas o cristão não pode ficar de braços
cruzados, indiferente, nem de braços a abanar, fatalista! Não... O
crente estende a mão, como Jesus faz com ele. Junto de Deus, o grito dos
pobres encontra guarida, mas em nós?
Temos olhos para ver, ouvidos para escutar, mãos estendidas para
ajudar? «Nos pobres, o próprio Cristo como que apela em alta voz para a
caridade dos seus discípulos» (Ibid., 88). Pede-nos para O reconhecermos
em quem tem fome e sede, é forasteiro e está privado de dignidade,
doente e encarcerado (cf. Mt 25, 35-36).
O Senhor estende a mão: é um gesto gratuito, não devido. É assim que se faz. Não somos chamados a fazer bem só a quem nos ama. Retribuir é normal, mas Jesus pede para ir mais longe (cf. Mt 5, 46): dar a quem não tem para restituir, isto é, amar gratuitamente (cf. Lc 6, 32-36).
Consideremos os nossos dias: entre as muitas coisas que fazemos,
alguma é de graça? Fazemos algo por quem não tem com que retribuir? Tal
há de ser a nossa mão estendida, a nossa verdadeira riqueza no céu.
Estendei-nos a mão, Senhor, e agarrai-nos. Ajudai-nos a amar
como Vós amais. Ensinai-nos a deixar o que passa, a encorajar quem vive
ao nosso lado, a dar gratuitamente a quem está necessitado. Amém!
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