Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Base, sobre o Evangelho deste 3º Domingo do Advento, 16 de dezembro (Lc 3, 10-18). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O Evangelho do domingo passado nos apresentava a vocação de João Batista
e a sua missão (cf. Lc 3, 1-6). Como acontecera com os profetas, também
sobre ele “caiu”, isto é, “a palavra de Deus foi dirigida a ele” (Lc 3,
2), enquanto ele habitava no deserto.
João é o profeta que não só leva a Palavra (pro-phétes) ao povo, mas também é aquele que veio para indicar a própria Palavra de Deus já presente, feita carne (cf. Jo 1, 14) em Jesus de Nazaré, seu discípulo.
Na fé, João sabe que a palavra de Deus não cairá sobre Jesus,
não será dirigida a ele, porque ele é a própria Palavra de Deus: o
precursor, portanto, anuncia ao povo a conversão em vista desse encontro
e do possível reconhecimento de Jesus.
O que João pede na sua pregação? O evento que se
realiza é extraordinário, único em toda a história: Deus está entre os
seres humanos, homem entre os homens, tão homem a ponto de precisar de
um mestre (João), de uma comunidade de irmãos (a do Batista), para “vir ao mundo” na sua subjetividade adulta capaz de tomar e de dirigir a palavra.
Assim como ele havia sido gerado por Maria, educado por ela e por José,
assim também ele precisara de um “tempo obscuro” no deserto para ser
iniciado na sua missão. Sim, tudo ocorre na simplicidade da vida humana
cotidiana, e assim também aquilo que o Batista pede na sua pregação pertence à vida cotidiana.
Para que o povo seja preparado para o encontro com Aquele que vem, João
não exige que se façam sacrifícios e holocaustos, que se vá várias
vezes ao templo para participar das solenes liturgias, que se respeitem
calendários litúrgicos ou que se façam jejuns particulares, mas pede
ações muito humanas.
Eis, portanto, as suas respostas às perguntas que as multidões lhe
fazem, perguntas que todo ser humano, de todas as gerações, sempre
renova na história: “O que devemos fazer? O que fazer?”.
Acima de tudo, ele diz às multidões: “Quem tiver duas túnicas, dê uma
a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo”. Eis o que é preciso
fazer em vista da vinda do Senhor: compartilhar o essencial, isto é,
comida, roupa, casa. Isso é suficiente para dizer que alguém se
converteu, fez metánoia, mudou sua vida em vista do encontro com o Senhor que vem.
João nos surpreende, porque não pede aquilo que uma
certa pregação eclesiástica pede ainda hoje: liturgias, novenas,
exercícios piedosos... De fato, estes são instrumentos, apenas
instrumentos para adquirir uma caridade maior, para ser mais facilmente
capaz de compartilhar os bens elementares necessários para viver.
Essa é a ação segue a conversão: depois de ter encontrado Jesus, Zaqueu dará a metade dos seus bens aos pobres (cf. Lc 19, 8), e assim a salvação entrará na sua casa (cf. Lc 19, 9); os judeus de Jerusalém, tendo-se tornado cristãos, compartilharão os bens (cf. At 2, 44; 4, 32), e assim nenhum deles será necessitado.
Nós, cristãos, como todas as pessoas religiosas, preocupamo-nos, em
vez disso, tão frequentemente, com regras de pureza, enquanto o
Evangelho nos pede para nos preocuparmos em compartilhar o que temos em
casa, o que é nosso, com quem tem necessidade: então, estaremos na
verdadeira pureza (Lc 11, 41), porque agiremos como puros, retos de
coração.
Depois, há algumas categorias específicas de pessoas, presentes no auditório de João,
que lhe fazem a mesma pergunta: “O que devemos fazer?”. É o caso dos
publicanos, coletores de impostos em aliança com o poder imperial e
frequentadores dos pagãos. Para eles, o Batista não
pede coisas extraordinárias, nem pede para abandonar a sua profissão,
mas para vivê-la na justiça. Para esses funcionários tentados pelo
abuso, pelo assédio financeiro, pelo roubo ao exigir os impostos, basta
praticar uma grande virtude: a justiça.
Os militares também são atraídos por João, homem tão
inerme, sem defesa, destinado a ser morto justamente por eles,
executores das ordens dos poderosos deste mundo, daqueles que oprimem e
dominam as pessoas pobres e também são chamados de benfeitores (cf. Lc
22, 25). E o que João pede aos militares? Não que desertem, porque na
sua função há uma tarefa necessária, a de garantir a liberdade e a ordem
de qualquer convivência social. Não: ele pede para renunciar à
violência. Como é fácil a violência para aqueles que têm armas, como é
fácil fazer denúncias falsas, como é fácil – como os salários são
normalmente baixos – retaliar as pessoas, usando a imunidade
profissional concedida à polícia e às forças da ordem: quando se é mais
forte, torna-se muito fácil esmagar os fracos...
João, portanto, prega uma conversão que pede uma
mudança concreta na vida cotidiana, uma mudança que muda profundamente
as relações interpessoais, e ninguém está excluído desse caminho de
conversão.
Em reação a essas suas palavras, cria-se um clima de grande expectativa no povo de Israel, a ponto de surgirem perguntas sobre ele: “Quem é esse João?
É um profeta? É o Profeta (cf. Dt 18, 15.18)? É Elias redivivo?”. Assim
que João se dá conta desses pensamentos presentes entre os seus
ouvintes, ele logo proclama com clareza: “Eu vos batizo com água, mas
virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a
correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no
fogo”.
Entre as duas imersões, os dois batismos, há continuidade, mas também
diferença. Ambos significam despojamento do homem velho marcado pela
lógica do pecado e renascimento do homem novo, mas o batismo de João
é apenas uma antecipação do definitivo: um é imersão na água, o outro,
no fogo do Espírito Santo. Este último batismo, a imersão realizada por
Jesus, é aquele que a comunidade dos discípulos receberá no dia de Pentecostes
(cf. At 2, 1-11), quando será tornada novo povo de Deus mediante a nova
aliança, porque a Lei será escrita nos corações (cf. Jr 31, 31-33), e o
Espírito novo habitará um coração novo (cf. Ez 11, 19; 36, 26). E,
justamente por anunciar essa imersão no fogo do Espírito Santo, João, em
conformidade com as Escrituras às quais obedece, deve anunciar que
Aquele que vem, Aquele que é o mais forte, será juiz, tendo nas mãos a
pá do juízo, da separação entre trigo e palha, entre justos e injustos.
E, como atesta Lucas, “João
anunciava ao povo a Boa-Nova”: já ele, João, anuncia a mesma boa notícia
de Jesus. Porém, é preciso dizer que esse seu discípulo, Jesus, por ele
anunciado e apresentado a Israel, vai decepcioná-lo ao realizar a sua
missão: será diferente e não será aquele juiz que João previra.
João, portanto, se equivocou? A sua pregação foi uma
ilusão (cf. Lc 7, 18-19; Mt 11, 2-3)? Não, mas Deus só a realizará no
fim dos tempos: por enquanto, cabe a João cumprir toda justiça (cf. Mt
3, 15), e a Jesus, anunciar e fazer misericórdia. E
João, no cárcere, aceita, mais uma vez, em plena obediência, renovar a
sua aventura da fé. Sim, como dirá Jesus, “entre os nascidos de mulher
ninguém é maior do que João” (Lc 7, 28; cf. Mt 11, 11).
Por fim, não nos esqueçamos de que este domingo, no meio do tempo do Advento, se chama de “Gaudete”, da primeira palavra que ressoa para a assembleia no início da liturgia eucarística. “Gaudete”, isto é, “alegrem-se”, é o convite ou, melhor, o mandato dirigido pelo Apóstolo Paulo aos cristãos de Filipos:
“Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos. (...) O Senhor
está próximo!” (Fp 4, 4-5). Portanto, devemos nos alegrar porque a vinda
do Senhor está perto; porque, mesmo que ele demore, ele não mente, e
nós o encontraremos o mais breve possível.
Se temos essa fé firme, então nossa vida é inundada de alegria e de
exultação! Há, talvez, algo mais alegre do que o encontro com o Senhor Jesus Cristo? Não, ele é a alegria, é o nosso futuro, é a vida eterna!
Nenhum comentário:
Postar um comentário