Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. Ora, o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. Procurai o que é agradável ao Senhor, e não tenhais cumplicidade nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, condenai-as abertamente. (Ef 5, 8-11)
Como a descoberta e o trabalho do nosso temperamento pode ajudar no
caminho de nossa santificação? É o que explica neste texto o grande
tomista espanhol Pe. Antonio Royo Marín.
Além dos grandes recursos psicológicos de caráter natural e
sobrenatural, podemos aproveitar-nos também, no caminho da nossa
santificação, de um auxílio de caráter puramente fisiológico — o nosso
próprio temperamento —, melhorando suas boas disposições e
corrigindo, dentro do possível, os seus defeitos. Naturalmente, trata-se
de algo que contribui em pouca medida para a nossa santificação, num
plano puramente dispositivo e meramente natural, mas não deixa de ter sua importância, ao menos negativa, removendo obstáculos (ut removens prohibens). Vamos, pois, estudar a natureza, a classificação e os meios de aperfeiçoar o próprio temperamento. 1. Natureza. — Há uma grande diversidade de opiniões
entre os autores sobre a natureza e a classificação dos temperamentos.
Vamos expor aqui a doutrina mais comumente admitida, dando-lhe uma
orientação eminentemente prática. Noção. — O temperamento é o conjunto de inclinações íntimas que brotam da constituição fisiológica de um homem.
É a característica dinâmica de cada indivíduo, que resulta do
predomínio fisiológico de um sistema orgânico (sistema nervoso, sistema
sanguíneo) ou de um humor (bílis, linfa). Como se vê por essas noções, o temperamento é algo inato no indivíduo. É a índole natural, ou seja, algo que a natureza nos impõe. Por isso mesmo, ele nunca desaparece inteiramente: genio y figura hasta la sepultura
— “gênio e figura permanecem até a sepultura”. Mas uma educação
oportuna e, sobretudo, a força sobrenatural da graça podem, se não
transformá-lo totalmente, ao menos reduzir ao mínimo suas estridências, e
ainda suprir de todo suas manifestações exteriores. É testemunha disso —
entre outros mil — São Francisco de Sales, que passou para a
posteridade com o nome de “Santo da doçura”, apesar de seu temperamento
fortemente colérico. 2. Classificação. — Depois de mil tentativas e
ensaios, os tratadistas modernos voltam à classificação dos antigos
clássicos, que parece remontar em sua origem ao próprio Hipócrates,
maior médico da Antiguidade (460-377 a.C.). Segundo ele, os
temperamentos fundamentais são quatro: sanguíneo, melancólico (nervoso),
colérico (belicoso) e fleumático, conforme predomine neles a
constituição fisiológica que seu nome mesmo indica. Vejamos as características principais de cada um deles. Antes, porém,
é preciso advertir que nenhum dos temperamentos que vamos descrever
existe “quimicamente puro” na realidade. Geralmente, apresentam-se
mesclados e, além disso, apresentam graus muito diversos. Assim, os
fleumáticos nunca o são de todo, pois se encontram neles muitos traços
de sensibilidade. Os sanguíneos têm, às vezes, qualidades próprias dos
melancólicos, etc. Trata-se unicamente de algo predominante na constituição fisiológica de um indivíduo.
É preciso levar muito em conta esta observação, ao descobrir alguns
traços próprios de um determinado temperamento, para evitar um juízo
prematuro, que poderia estar muito longe da realidade objetiva. Passemos agora à descrição detalhada de cada um deles. Seguimos
principalmente Conrado Hock e Guibert. É deles que citamos, vez por
outra, suas próprias palavras. a) Temperamento sanguíneo.
— Características essenciais com relação à excitabilidade: O sanguíneo
se excita fácil e fortemente por qualquer impressão. A reação pode ser
também imediata e forte, mas a impressão ou duração pode ser curta. A
lembrança de coisas passadas não provoca tão facilmente novas emoções.
“O Êxtase de Santa Teresa”, uma sanguínea. Quadro do séc. XVIII.
Boas qualidades. — O sanguíneo é afável e alegre, simpático e
prestativo, dócil e submisso para com seus superiores, sincero e
espontâneo (às vezes até à inconveniência). É verdade que, ante a
injúria, raciocina às vezes com violência e prorrompe em expressões
ofensivas; mas esquece rapidamente tudo, sem guardar rancor de ninguém.
Desconhece a teimosia e a obstinação. Sacrifica-se com desinteresse.
Seu entusiasmo é contagioso e arrebatador. Seu bom coração cativa e
apaixona, exercendo uma espécie de sedução em torno de si. Por ter uma concepção serena da vida, é fundamentalmente otimista,
não o arredam as dificuldades, confia sempre no bom êxito. Surpreende-se
muito de que os outros se incomodem com uma brincadeira pouco
agradável, que lhe parece a coisa mais natural e simpática do mundo. Tem
grande sentido prático da vida e é mais inclinado a idealizar do que a
criticar. Dotado de uma exuberante riqueza afetiva, é fácil e ágil para a amizade e se entrega a ela com ardor, às vezes apaixonadamente. Sua inteligência é viva, rápida, assimila facilmente, mas sem muita
profundidade. Dotado de uma memória feliz e uma imaginação ardente,
triunfa facilmente na arte, na poesia e na oratória, mas não poderá
alcançar a eminência do sábio. Os sanguíneos seriam muito freqüentemente
espíritos superiores se tivessem tanta profundidade como sutileza,
tanta tenacidade no trabalho como facilidade nas concepções. Más qualidades. — Ao lado dessas boas qualidades, o temperamento sanguíneo apresenta sérios inconvenientes. Seus principais defeitos são a superficialidade, a inconstância e a sensualidade.
A primeira se deve principalmente à rapidez de suas concepções. Julga
haver compreendido logo qualquer problema que se lhe proponha, quando na
realidade o percebeu tão-somente de maneira superficial e incompleta.
Daí procedem seus juízos apressados, ligeiros, freqüentemente inexatos,
quando não inteiramente falsos. É mais amigo da amplitude fácil e
brilhante do que da profundidade. A inconstância do sanguíneo é fruto da pouca duração de suas
impressões. Em um instante passa do riso ao pranto, do gozo delirante a
uma negra tristeza. Arrepende-se pronta e verdadeiramente de seus
pecados, mas volta a eles na primeira ocasião que se lhe apresenta. Os
sanguíneos são vítimas de impressões de momento, sucumbem facilmente à
tentação. São inimigos dos sacrifícios, da abnegação e do esforço duro e
contínuo. São preguiçosos no estudo. Torna-se-lhes quase impossível
refrear a vista, os ouvidos e a língua. Distraem-se facilmente na
oração. A épocas de grande fervor sucedem-se outras de languidez e
desalento. A sensualidade encontra terreno abonado na natureza ardente do
sanguíneo. Deixa-se arrastar facilmente pelos prazeres sensuais da gula e
da luxúria. Raciocina prontamente contra suas quedas e as deplora com
sinceridade. Mas faltam-lhe energia e coragem para dominar a paixão
quando torna a levantar a cabeça.
Santo Agostinho, outro sanguíneo, retratado por Philippe de Champaigne.
Educação do sanguíneo. — A educação e canalização de
qualquer temperamento deve consistir em fomentar suas boas qualidades e
em reprimir os defeitos. Por isso, o sanguíneo deverá procurar canalizar
a sua exuberante vida afetiva por um meio nobre e elevado. Se conseguir amar fortemente a Deus, chegará a ser um santo de primeira categoria. Sanguíneos cem por cento foram o Apóstolo São Pedro, Santo Agostinho, Santa Teresa e São Francisco Xavier. Mas é preciso que lute tenazmente contra seus defeitos, até tê-los
vencido totalmente. Há de combater sua superficialidade, adquirindo o
hábito da reflexão e ponderação em tudo o que fizer. Deve aprender a
lidar com os problemas examinando-os por todos os lados, prevendo as
dificuldades que poderão surgir, dominando o otimismo demasiado
confiante e irreflexivo. Contra a inconstância, tomará sérias medidas. Não
bastarão os propósitos e resoluções, que violará na primeira ocasião que
se lhe apresente, apesar de sua sinceridade e boa fé. É preciso pôr sua
vontade num plano de vida, convenientemente revisado, aprovado por seu
diretor espiritual e no qual esteja tudo previsto e anotado, e que nada
se deixe ao arbítrio da sua vontade fraca e caprichosa. Há de praticar
seriamente o exame de consciência, aplicando-se fortes penitências pelas
transgressões que sejam fruto de sua inconstância e volubilidade. Há de
pôr-se em mãos de um experiente diretor espiritual e obedecer-lhe em
tudo. Na oração, há de lutar contra sua tendência aos consolos
sensíveis, perseverando nela apesar da aridez e secura. À sensualidade deverá opor-se com uma vigilância constante e uma luta
tenaz. Deve fugir como da peste a todas as ocasiões perigosas, nas
quais sucumbirá facilmente, ao se aliar sua sensualidade com sua
inconstância. Deve ter particular cuidado na guarda da vista,
recordando-se das suas dolorosas experiências. Nele, mais do que em
ninguém, cumpre-se aquilo de que “o que os olhos não vêem, o coração não
sente”. Deve guardar o recolhimento e praticar a mortificação dos
sentidos externos e internos. Deve, enfim, pedir humilde e
constantemente a Deus o dom da perfeita pureza de alma e corpo, que só
do Céu nos pode vir (Sb 8, 21). b) Temperamento melancólico.
— Características essenciais com relação à excitabilidade: a do
melancólico é débil e difícil ao princípio, mas forte e profunda por
repetidas impressões. Sua reação apresenta estes mesmos caracteres.
Quanto à duração, pode ser larga. O melancólico não esquece facilmente. Boas qualidades. — Os melancólicos têm uma sensibilidade menos viva do que a dos sanguíneos, mas mais profunda. São naturalmente inclinados à reflexão, à solidão, ao silêncio, à piedade e vida interior.
Compadecem-se facilmente das misérias do próximo, são benfeitores da
humanidade, sabem levar a abnegação até o heroísmo, sobretudo ao lado
dos enfermos. Sua inteligência pode ser aguda e profunda, maturando suas idéias com
a reflexão e a calma. É pensador e gosta do silêncio e da solidão. Pode
ser um intelectual seco e egoísta, encerrando-se na sua torre de
marfim, ou um contemplativo que se ocupe das coisas de Deus e do
espírito. Sente atração pela arte e tem aptidão para as ciências. Seu coração é de uma grande riqueza sentimental. Quando ama,
dificilmente se desprende de suas afeições, porque nele as impressões se
arraigam com muita profundidade. Sofre com a frieza ou a ingratidão. A
vontade segue a vicissitude de suas forças físicas: débil e quase nula
quando o trabalho o tenha esgotado; forte e generosa quando desfruta de
saúde ou quando um raio de alegria ilumina seu espírito. É sóbrio e não
sente a desordem passional, que tanto atormenta os sanguíneos. É o
temperamento oposto ao sanguíneo, como o colérico é oposto ao
fleumático. Foram de temperamento melancólico o Apóstolo São João, São Bernardo, São Luís Gonzaga, Santa Teresinha do Menino Jesus, Pascal.
Santa Teresinha do Menino Jesus tinha um temperamento melancólico.
Más qualidades. — O lado desfavorável deste temperamento é a tendência exageradamente inclinada à tristeza e à melancolia.
Quando recebem alguma forte impressão, ela penetra-lhes profundamente a
alma e lhes produz um ferida sangrante. Não possuem o coração na mão
como o sanguíneo, mas, sim, muito no fundo, e aí saboreiam a sós sua
amargura. Sentem-se inclinados ao pessimismo, ao ver sempre o lado
difícil das coisas, ao exagerar as dificuldades. Isto os torna retraídos
e tímidos, propensos à desconfiança em suas próprias forças, ao
desalento, à indecisão, aos escrúpulos e a certa espécie de misantropia. São irresolutos por medo de fracassar em suas empresas. O melancólico
“nunca sabe acabar”, como dizia Santa Teresa. É o homem das
oportunidades perdidas. Enquanto os demais estão do outro lado do rio,
ele está pensando e refletindo, sem se atrever a atravessá-lo. Sofrem
muito e fazem sofrer aos demais sem querê-lo, porque, no fundo, são
bons. Santa Teresa não os julgava aptos à vida religiosa, sobretudo
quando a melancolia está arraigada (cf. Fundações, c. 7.
Tenha-se em conta que a “melancolia”, sobre a qual havia se pronunciado,
refere-se somente ao temperamento melancólico, e não aos extravios de
um caráter voluntariamente neurastênico). Educação do melancólico. — O educador deverá ter muito em
conta a forte inclinação do melancólico à concentração sobre si mesmo.
Do contrário, expõe-se a não compreendê-lo e a tratá-lo com grande
injustiça e falta de tato. O sanguíneo é franco e aberto na confissão; o
melancólico, pelo contrário, quer desafogar-se por meio de um colóquio
espiritual, mas não pode; o colérico pode expressar-se, mas não quer; o
fleumático não pode nem quer fazê-lo. Deve-se ter muito em conta tudo
isto, para não intentar procedimentos educativos contraproducentes. É preciso infundir no melancólico uma grande confiança em Deus e um
sereno otimismo da vida. Deve-se inspirar-lhe uma suma confiança em si
mesmo, ou seja, na amplitude de sua alma para as grandes empresas. É
preciso aproveitar a sua inclinação à reflexão para fazê-lo compreender
que não há motivo algum para ser suscetível, desconfiado e retraído. Se
for preciso, deve-se submetê-lo a um regime de repouso e
sobrealimentação (Santa Teresa curava muitas monjas melancólicas
proibindo a longa oração, as vigílias e jejuns e “fazendo-as
divertir-se” — cf. Quartas moradas, 3, 12 e 13; Fundações,
6, 14). Acima de tudo, deve-se combater a sua indecisão e covardia,
fazendo-o tomar resoluções firmes e lançar-se a grandes empresas com
ânimo e otimismo. c) Temperamento colérico. —
Características essenciais com relação à excitabilidade: o colérico se
excita pronta e violentamente. Raciocina num instante. Mas a impressão
lhe fica na alma por muito tempo. Boas qualidades. — Atividade, entendimento agudo, vontade forte, concentração, constância, magnanimidade, liberalidade. Eis aí as excelentes prendas deste temperamento riquíssimo. Os coléricos (ou belicosos) são apaixonados e voluntariosos.
Práticos, desembaraçados, são mais inclinados a obrar do que a pensar. O
repouso e a inação repugnam à sua natureza. Sempre estão acariciando o
seu espírito com um grande projeto. Apenas acabam de conceber um fim,
põem mãos à obra, sem desistir por causa das dificuldades. Entre eles
abundam os chefes, os conquistadores, os grandes apóstolos. São homens
de governo. Não são daqueles que deixam para amanhã o que deveriam fazer
hoje; antes, preferem fazer hoje o que deveriam deixar para amanhã. Se
surgem obstáculos e inconvenientes, esforçam-se para os superar e
vencer. Apesar do seu ímpeto irascível, quando conseguem reprimi-lo pela virtude, alcançam uma suavidade e doçura da melhor cepa. Tais foram São Jerônimo, Santo Inácio de Loyola e São Francisco de Sales.
São Jerônimo, um colérico, pintado por Luca Giordano.
Más qualidades. — A tenacidade do seu caráter os faz
propensos à dureza, obstinação, insensibilidade, ira e orgulho. Se lhes
opomos resistência ou os contradizemos, tornam-se violentos e cruéis, a
menos que a virtude cristã modere as suas inclinações. Vencidos, guardam
o ódio no coração até que soe a hora da vingança. Geralmente são
ambiciosos e tendem ao mando e à glória. São mais pacientes do que o
sanguíneo, mas não conhecem tanto a delicadeza de sentimento,
compreendem menos a dor das outras pessoas, têm em suas relações um
trato menos fino. Suas paixões fortes e impetuosas sufocam essas afeições doces e esses
sacrifícios desinteressados que brotam espontaneamente de um coração
sensível. Sua febre de atividade e seu ardente desejo de conseguir o que
se propõem os faz pisotearem violentamente tudo o que os impede, e
aparecem ante os demais como uns egoístas sem coração. Tratam os outros
com uma altaneria que pode chegar à crueldade. Tudo deve curvar-se
diante deles. O único direito que reconhecem é a satisfação dos seus
apetites e a realização de seus desígnios. Educação do colérico. — Tais homens seriam de um preço inestimável se soubessem dominar-se e governar suas energias.
Com relativa facilidade chegariam aos mais altos cumes da perfeição
cristã. Muitíssimos santos canonizados pela Igreja possuíam este
temperamento. Em suas mãos, as obras mais difíceis chegam a feliz termo.
Por isso, quando conseguem processar suas energias, são tenazes e
perseverantes nos caminhos do bem e não cessam em seus empenhos até
alcançar os píncaros mais elevados. Deve-se aconselhá-los a que sejam donos de si mesmos, que não atuem
precipitadamente, que desconfiem de seus primeiros movimentos. Deve-se
levá-los à verdadeira humildade de coração, a se compadecerem dos
fracos, a não humilhar nem atropelar a ninguém, a não deixarem sentir
sua violência, sua própria superioridade, a tratarem a todos com
suavidade e doçura. d) Temperamento fleumático.
— Características essenciais com relação à excitabilidade: o fleumático
não se excita nunca, ou o faz tão só debilmente. A reação é também
débil, quando não chega a faltar por completo. As impressões recebidas
desaparecem logo e não deixam vestígios em sua alma. Boas qualidades. — O fleumático trabalha devagar, mas
assiduamente, contanto que não se exija dele um esforço intelectual
demasiadamente grande. Não se irrita facilmente por insultos, fracassos
ou enfermidades. Permanece tranqüilo, sossegado, discreto e criterioso. É
sóbrio e tem um bom sentido prático da vida. Não conhece as paixões
vivas do sanguíneo, nem as profundas do nervoso, nem as ardentes do
colérico. Dir-se-ia que carece por completo de paixões. Sua linguagem é
clara, ordenada, justa, positiva; mais do que brilho, tem energia e
atrativo. O trabalho científico, fruto de uma larga paciência e de
investigações conscienciosas, lhe convém melhor do que grandes produções
originais. O coração é bom, mas parece frio. Falta-lhe entusiasmo e
espontaneidade, porque sua natureza é indolente e reservada. É prudente,
sensato, reflexivo, obra com segurança, chega aos fins sem violência,
porque afasta os obstáculos em lugar de os romper. Às vezes a sua
inteligência é muito clara. Fisicamente, o fleumático é de rosto amável,
de corpo robusto, de andar lento e vagaroso. Santo Tomás de Aquino
possuiu os melhores elementos deste temperamento, levando a cabo um
trabalho colossal com serenidade e calma imperturbáveis.
O grande Doutor Angélico possuía os melhores elementos de um fleumático.
Más qualidades. — Sua calma e lentidão lhe fazem perder boas
ocasiões, porque tarda muitíssimo em pôr-se em ação. Não se interessa
nada pelo que se passa fora de si. Vive para si mesmo, em uma espécie de
concentração egoísta. Não vale para o mando e o governo. Não é
afeiçoado a penitências e mortificações; se é religioso, não abusará dos
cilícios. É deles que Santa Teresa descreve com tanta graça: “As
penitências que fazem estas almas são coerentes com sua própria vida.
Não tenhais medo de que se matem, porque sua razão está muito em si”
(Santa Teresa, Terceiras moradas, 2, 7). Em casos mais agudos,
convertem-se em homens átonos, mortiços e vagos, completamente
insensíveis às vozes de ordem que poderiam tirá-los da sua inércia. Educação do fleumático. — Pode-se tirar muito partido do
fleumático, se lhe forem incutidas convicções profundas e lhe forem
exigidos esforços metódicos e constantes em ordem à perfeição.
Lentamente chegará muito longe. Deve-se sacudi-lo de sua inércia
e indolência, empurrando-o às alturas, acender em seu coração apático a
labareda de um grande ideal. Deve-se estimulá-lo ao pleno
domínio de si mesmo, excitando-o e pondo em uso suas forças adormecidas;
não como ao colérico, que deve obtê-lo contendo-se e moderando-se. Conclusão geral sobre os temperamentos. — Repetimos o
que dissemos mais acima: nenhum destes temperamentos existe em estado
“quimicamente puro”. O leitor que tenha percorrido estas páginas poderá
não ter encontrado em nenhuma delas os traços completos de sua
particular fisionomia. A realidade é mais complexa do que todas as
categorias especulativas. Com freqüência encontramos na prática,
reunidos em um só indivíduo, elementos pertencentes aos temperamentos
mais díspares. Isso explica, em boa parte, a diversidade de teorias e
classificações entre os autores que se preocupam com estas coisas. Contudo, é indubitável que em cada indivíduo predominam certos traços
temperamentais que permitem catalogá-lo, com as devidas reservas e
precauções, em algum dos quadros tradicionais. Por outro lado, sem negar
a grande influência do temperamento fisiológico sobre o conjunto da
psicologia humana, dadas as íntimas relações e interdependências entre a
alma e o corpo, não devemos conceder-lhe uma importância exagerada — sobretudo no que diz respeito à moralidade de nossos atos —, à maneira de certos racionalistas, que atribuem ao temperamento nativo a responsabilidade única de nossas desordens.
O temperamento ideal. — Se quisermos estabelecer, em
sintética visão de conjunto, as características do temperamento ideal,
tomaríamos algo de cada um dos que acabamos de descrever. Ao sanguíneo
pediríamos sua simpatia, seu grande coração e sua vivacidade; ao
melancólico, a profundidade e a delicadeza de sentimentos; ao colérico,
sua atividade inesgotável e sua tenacidade; ao fleumático, o domínio de
si mesmo, a prudência e a perseverança. Conseguir pelo esforço sistemático e inteligente este ideal humano,
que a natureza não pode conceder a quase ninguém, conduz à difícil
empresa do aperfeiçoamento e melhora do próprio temperamento, juntamente
com o rude trabalho da formação do caráter.
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