Da redação, com Vatican News
O “Documento sobre a fraternidade humana pela paz mundial e a convivência comum”, assinado na tarde desta segunda-feira, 4, em Abu Dhabi pelo Papa Francisco e o Grande Imã de Al-Azhar,
Ahmad Al-Tayyeb, não é apenas um passo fundamental nas relações entre o
cristianismo e o islã, mas representa também uma mensagem com um forte
impacto no cenário internacional. No prefácio, depois de ter afirmado
que “A fé leva o crente a ver no outro um irmão a ser ajudado e amado”,
fala-se deste texto como “um documento elaborado com sinceridade e
seriedade”, que convida “todas as pessoas que carregam no coração a fé
em Deus e a fé na fraternidade humana a se unirem e a trabalharem
juntas”.
O documento se abre com uma série de invocações: o Papa e o Grande
Imã falam “em nome de Deus que criou todos os seres humanos iguais nos
direitos, nos deveres e na dignidade, em nome da inocente alma humana
que Deus proibiu de matar, em nome dos pobres, dos órfãos e das viúvas,
dos refugiados e dos exilados, de todas as vítimas das guerras e das
perseguições”. Al-Azhar em conjunto com a Igreja Católica “declaram que
adotam a cultura do diálogo como caminho; a colaboração comum como
conduta; o conhecimento recíproco como método e critério”.
Com o documento, “pedimos a nós mesmos e aos líderes do mundo, aos
artífices da política internacional e da economia mundial, para que se
empenhem seriamente em difundir a cultura da tolerância, da convivência e
da paz, para que intervenham, o quanto antes, para deter o derramamento
de sangue inocente e acabar com as guerras, os conflitos, a degradação
ambiental e o declínio cultural e moral que vive o mundo de hoje”.
Os dois líderes religiosos pedem aos homens de religião e de cultura,
além dos meios de comunicação, para redescobrirem e difundirem “os
valores da paz, da justiça, do bem, da beleza, da fraternidade humana e
da convivência comum”. E afirmam que crêem “firmemente que entre as
causas mais importantes da crise do mundo moderno há uma consciência
humana anestesiada e o afastamento dos valores religiosos assim como o
predomínio do individualismo e das filosofias materialistas”.
Mesmo reconhecendo os passos positivos feitos pela civilização
moderna, a declaração destaca a “deterioração da ética, que condiciona a
ação internacional, e um enfraquecimento dos valores espirituais e do
sentido de responsabilidade”, que leva muitos a “cair na voragem do
extremismo ateu e agnóstico, ou no integralismo religioso, no extremismo
e no fundamentalismo cego”. O extremismo religioso e nacional, juntos
com a intolerância “deram origem aos sinais de uma ‘terceira guerra
mundial em pedaços’.”
Portanto o Papa e o Grande Imã afirmam que “as fortes crises
políticas, a injustiça e a falta de uma distribuição equitativa dos
recursos naturais – dos quais se beneficia apenas uma minoria de ricos,
prejudicando a maioria dos povos da terra – geraram, e continuam a
fazê-lo, um grande número de doentes, de necessitados e de mortos,
causando crises letais das quais são vítimas vários países. Diante de
tais crises que levam a morrer de fome milhões de crianças já reduzidas a
esqueletos humanos – por causa da pobreza e desnutrição -, reina um
silêncio internacional inaceitável".
É evidente o quanto seja essencial a família, assim como “o despertar
do sentido religioso”, especialmente nos jovens, “para enfrentar as
tendências individualistas, egoístas, conflituais, o radicalismo e o
extremismo cego em todas as suas formas e manifestações”.
Os dois líderes recordam que o Criador nos “concedeu o dom da vida
para custodiá-lo. Um dom que ninguém tem o direito de tirar, ameaçar ou
manipular conforme seu agrado… Por isso condenamos todas as práticas que
ameaçam a vida como os genocídios, as ações terroristas, os
deslocamentos forçados, o tráfico de órgãos humanos, o aborto e a
eutanásia e as políticas que sustentam tudo isso”.
Além disso, declaramos “firmemente que as religiões não incitam nunca
à guerra, não solicitam sentimentos de ódio, hostilidade, extremismo, e
nem convidam à violência ou ao derramamento de sangue. Essas
calamidades são fruto do desvio dos ensinamentos religiosos, do uso
político das religiões e também das interpretações de grupos de homens
de religião”. Por isso, “pedimos a todos para cessar de instrumentalizar
as religiões a fim de incitar ao ódio, à violência, ao extremismo e ao
fanatismo cego, e parar de usar o nome de Deus a fim de justificar atos
de homicídio, exílio, terrorismo e opressão”. O Papa e o Grande Imã
recordam que “Deus, Onipotente, não precisa ser defendido por ninguém e
não quer que o Seu nome seja usado para aterrorizar as pessoas”.
A Declaração atesta que “a liberdade é um direito de cada pessoa:
cada um possui a liberdade de credo, de pensamento, de expressão e de
ação. O pluralismo e as diversidades de religião, de cor, sexo, raça e
língua são uma sábia vontade divina”. É da “Sabedoria divina que vem o
direito à liberdade de credo e à liberdade de ser diferentes. Por isso,
se condena o fato de constringir as pessoas a aderir a uma certa
religião ou a uma certa cultura, como também de impor um estilo de
civilização que os outros não aceitam”.
Em seguida, afirma-se que “a proteção dos lugares de culto – templos,
igrejas e mesquitas – é um dever garantido pelas religiões, pelos
valores humanos, pelas leis e convenções internacionais. Toda tentativa
de atacar os lugares de culto ou ameaçá-los através de atentados ou
explosões ou demolições é um desvio dos ensinamentos das religiões, bem
como uma violação clara do direito internacional”.
Recorda-se novamente que “o terrorismo execrável que ameaça a
segurança das pessoas, tanto no Oriente como no Ocidente… espalhando
pânico, terror e pessimismo não se deve à religião – mesmo que os
terroristas a instrumentalizam – mas é devido a acumuladas
interpretações erradas dos textos religiosos, às políticas de fome, de
pobreza, de injustiça, de opressão e de arrogância. Por isso, é
necessário interromper o apoio aos movimentos terroristas através do
fornecendo dinheiro, de armas, de planos ou justificativas e também a
cobertura da mídia, e considerar tudo isso como crimes internacionais
que ameaçam a segurança e a paz mundial”.
O documento afirma que “é necessário se comprometer para estabelecer
em nossas sociedades o conceito de cidadania plena e renunciar ao uso
discriminatório do termo minorias, que traz consigo as sementes do
sentir-se isolados ou de inferioridade”.
Na Declaração se define “a necessidade indispensável de reconhecer o
direito da mulher à educação, ao trabalho e ao exercício dos próprios
direitos políticos. Além disso, se deve trabalhar para libertá-la das
pressões históricas e sociais contrárias aos princípios da própria fé e
da própria dignidade. É necessário também protegê-la da exploração… Por
isso, devem ser interrompidas todas as práticas desumanas e os hábitos
vulgares que humilham a dignidade da mulher e trabalhar para modificar
as leis que impedem às mulheres de desfrutar plenamente de seus
direitos”.
Depois de reiterar o direito das crianças de crescerem num ambiente
familiar, à alimentação e educação, os dois líderes afirmam: “É preciso
condenar toda prática que viola a dignidade das crianças ou os seus
direitos. É também importante vigiar contra os perigos aos quais são
expostas, especialmente no ambiente digital, e considerar como crime o
tráfico de sua inocência e toda violação de sua infância”.
Enfim, “Al-Azhar e Igreja Católica pedem para que este Documento se
torne objeto de pesquisa e reflexão em todas as escolas, universidades e
institutos de educação e formação. Esperam que a Declaração se torne um
símbolo do abraço entre Oriente e Ocidente, entre Norte e Sul”.
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