O dom da adopção filial A fé em Jesus Cristo: a religião válida, e a única querida por Deus |
A
verdade da filiação divina em Cristo, que é intrinsecamente
sobrenatural, é a síntese de toda a revelação divina. A filiação divina é
sempre um dom gratuito da graça, o dom mais sublime de Deus para a
humanidade. Este dom obtém-se, no entanto, só através da fé pessoal em
Cristo e com o Baptismo, como ensinou o próprio Senhor:
“Em verdade, em verdade vos digo: Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, e o que nasceu do Espírito é espírito. Não te admires por Eu te haver dito: “Tendes de nascer de novo.” (Jo 3,5-7).
“Em verdade, em verdade vos digo: Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, e o que nasceu do Espírito é espírito. Não te admires por Eu te haver dito: “Tendes de nascer de novo.” (Jo 3,5-7).
Em
décadas passadas ouvia com frequência - incluindo da boca de alguns
representantes da hierarquia da Igreja - declarações sobre a teoria dos
«cristãos anónimos». Esta teoria diz o seguinte: a missão da Igreja no
mundo consistiria em última instância, em suscitar a consciência de que
todos os homens devem ter da sua salvação em Cristo e, por tanto, da sua
filiação divina. Segundo a mesma teoria, cada ser humano teria já a
filiação divina na profundidade da sua pessoa. Entretanto, tal teoria
contradiz directamente a revelação divina, tal como Cristo a ensinou e
como os Seus apóstolos e a Igreja a transmitiram sempre por dois mil
anos imutavelmente e sem sombra de dúvida.
No seu ensaio “A Igreja dos judeus e dos gentios”
(“Die Kirche aus Juden und Heiden”) Erik Peterson, o conhecido
convertido e exegeta, já há algum tempo (em 1993) advertiu contra o
perigo de tal teoria, ao afirmar que o ser cristão (“Christsein”) não
pode ser reduzido à ordem natural, na qual os frutos da redenção operada
por Jesus Cristo, seriam imputados geralmente a cada ser humano como
uma espécie de herança, só porque eles compartilham a natureza humana
com o Verbo Encarnado. Pelo contrário, a filiação divina não é um
resultado automático, garantido através da pertença à raça humana.
Santo Atanásio (Cf. Oratio contra Arianos [Discurso contra os Arianos], II,
59) deixou-nos uma singela e ao mesmo tempo precisa explicação da
diferença entre o estado natural dos homens como criaturas de Deus e a
glória de ser filhos de Deus em Cristo. Santo Atanásio desenvolve o seu pensamento a partir das palavras do Santo Evangelho de São João, que diz:
“Mas
a todos aqueles que o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o
poder de se tornarem filhos de Deus, Os quais não nasceram do sangue,
nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus” (Jo
1,12-13). São João usa a expressão “nasceram” para dizer que o homem se
transforma em filho de Deus não por natureza, mas por adopção. Este
facto demonstra o amor de Deus, porque Aquele que é o seu Criador
converte-se, também, em seu Pai. Isto acontece, como diz o apóstolo,
quando os homens recebem em seus corações o Espírito do Filho Encarnado,
que clama neles: “Abba, Pai!” Santo Atanásio continua na sua reflexão
dizendo: como seres criados os homens podem converter-se em filhos de
Deus exclusivamente através da fé e do baptismo, recebendo o Espírito do
verdadeiro e natural Filho de Deus. Precisamente por esta razão a
Palavra se fez carne, para tornar aos homens capazes desta adopção
filial e participação na natureza divina. Portanto, por natureza, Deus,
estritamente falando, não é o Pai dos seres humanos. Só aquele que
aceite conscientemente a Cristo e que receba o baptismo, poderá gritar
em verdade: “Abba, Pai” (Rom 8,15; Gal 4,6).
Desde o princípio da Igreja se afirmou, como testemunha Tertuliano, que “Ninguém nasce cristão, o cristão faz-se” (Apol.,
18,5). E São Cipriano de Cartago formulou esta verdade acertadamente,
dizendo: “Não pode ter a Deus por Pai o que não tem a Igreja por Mãe” (De unit., 6).
A
tarefa mais urgente da Igreja nestes dias consiste em debruçar-nos na
mudança do clima espiritual e do clima de migração espiritual, a saber,
que o clima de não-fé em Jesus Cristo e da rejeição da realeza de Cristo
se mude para um clima de fé explícita em Jesus Cristo e de aceitação da
Sua realeza, e que os homens possam migrar desde a miséria da
escravidão espiritual da não-fé à felicidade de serem filhos de Deus, e
da vida de pecado migrar ao estado da graça santificante. Estes são os
migrantes de que nos devemos ocupar urgentemente.
O
cristianismo é a única religião querida por Deus. Por tanto, o
cristianismo nunca pode ser posto de maneira complementar junto a outras
religiões. Quem apoie a tese de que Deus desejaria positivamente a
diversidade de religiões, violentaria a verdade da Revelação Divina,
como se encontra, indubitavelmente, afirmada no primeiro mandamento do
Decálogo. De acordo com a vontade de Cristo, a fé nele e no Seu
ensinamento divino deve substituir as outras religiões, não à força, mas
com uma persuasão amorosa, como expressa o hino das Laudes da festa de
Cristo Rei: “Non Ille regna cladibus, non vi metuque subdidit: alto levatus stipite, amore traxit omnia” (“Não pela espada, a força e o temor que submete aos povos, mas exaltado na Cruz atrai amorosamente todas as coisas a Si”).
Só
há um caminho para ir a Deus, e este é Jesus Cristo, pois Ele mesmo
disse: “Eu sou o caminho” (Jo 14,6). Só há uma verdade, e este é Jesus
Cristo, porque Ele mesmo disse “Eu sou a verdade” (Jo 14,6). Só há uma
vida verdadeiramente sobrenatural, e este é Jesus Cristo, porque Ele
mesmo disse: “Eu sou a vida” (Jo 14,6).
O
filho de Deus encarnado ensinou que fora da fé nele não pode haver uma
verdadeira religião que agrade a Deus “Eu sou a porta. Se alguém entrar
por mim será salvo” (Jo 10,9). Deus mandou a todos os homens, sem
excepção, que escutassem a seu Filho: “Este é o meu Filho muito amado;
escutai-o” (Mc 9,7). Deus não disse: “Podeis escutar a meu Filho ou
outros fundadores das religiões, já que é a minha vontade que haja
religiões diferentes”.
Deus
proibiu reconhecer a legitimidade da religião de outros deuses: “Não
terás outros deuses diante de mim” (Ex 20,3) e, “Que comunhão pode haver
entre a luz e as trevas? Que acordo entre Cristo e Belial, ou que
colaboração entre crente e não crente? Que acordo entre o templo de Deus
e os ídolos?” (2 Cor. 6, 14-16).
Se
as outras religiões correspondessem igualmente à vontade de Deus, não
teria havido condenação divina da religião do bezerro de ouro no tempo
de Moisés (cf. Ex 32,4-20); então, todos os cristãos de hoje poderiam,
com impunidade, cultivar a religião de um novo bezerro de ouro, já que
todas as religiões, segundo esta teoria, seriam igualmente agradáveis a
Deus.
Deus
deu aos apóstolos e através deles à Igreja para todos os tempos a ordem
solene de ensinar a todas as nações e aos seguidores de todas as
religiões a única fé verdadeira, ensinando-lhes a observar todos os seus
mandamentos divinos e baptizá-los (cf. Mt 28, 19-20). Desde o começo da
pregação dos Apóstolos e desde o primeiro Papa, o Apóstolo São Pedro, a
Igreja sempre proclamou que em nenhum outro nome está a salvação, e que
não há outra fé debaixo do céu, na qual os homens possam ser salvos,
que só é possível, através do Nome e na fé em Jesus Cristo (cf. At
4,12).
Segundo
Santo Agostinho a Igreja sempre ensinou: “Só a religião cristã indica o
caminho aberto a todos para a salvação da alma. Sem ela não se salvará
nenhum. Esta é a via régia, porque só ela conduz não a um reinado
vacilante para a altura terrenal, senão a um reino duradouro na
eternidade estável” (De Civitate Dei, 10, 32, 1).
As
palavras do grande Papa Leão XIII dão testemunho do mesmo ensinamento
imutável do Magistério de todos os tempos, quando afirma:
“O
grande erro moderno do indiferentismo religioso e da igualdade de todos
os cultos é calculado para trazer a ruína de todas as formas de
religião, e especialmente da religião Católica, que, como é a única que é
verdadeira, não pode, sem grande injustiça, ser considerada como
meramente igual às outras religiões.” (Encíclica Humanum Genus, no. 16)
Nos últimos tempos o Magistério presentou substancialmente o mesmo ensinamento imutável no documento “Dominus Iesus” (6 de agosto de 2000), do qual se cita algumas afirmações relevantes:
“Frequentemente
identifica-se a fé teologal, que é a aceitação da verdade revelada por
Deus Uno e Trino, com a crença em outras religiões, que é uma
experiência religiosa ainda à procura da verdade absoluta e ainda
carecida da aceitação de Deus, que Se revela. Essa é uma das razões
porque se tende a reduzir, e por vezes até a anular, as diferenças entre
o cristianismo e as outras religiões". (no. 7)
“Seriam
contrárias à fé cristã e católica as propostas de solução que
apresentam uma ação salvífica de Deus fora da única mediação de Cristo.” (no. 14)
“Não
é raro que se proponha evitar na teologia termos como «unicidade»,
«universalidade», «absoluto», cujo uso daria a impressão de se dar uma
ênfase excessiva ao significado e valor do evento salvífico de Jesus
Cristo em relação às demais religiões. Ora, essa linguagem não faz mais
do que exprimir a fidelidade ao dado revelado” (no. 15)
“Seria
contrário à fé católica considerar a Igreja como um caminho de salvação
ao lado dos constituídos pelas outras religiões, como se estes fossem
complementares à Igreja, ou até substancialmente equivalentes à mesma,
embora convergindo com ela para o Reino escatológico de Deus”. (no. 21)
“A
verdade de fé exclui de forma radical a mentalidade indiferentista
«imbuída de um relativismo religioso que leva a pensar que “tanto vale
uma religião como outra»”. (João Paulo II, encíclica Redemptoris missio, no. 36) (no. 22).
Os
apóstolos e os inumeráveis mártires cristãos de todos os tempos,
especialmente os dos três primeiros séculos, teriam evitado o martírio
se tivessem dito: “A religião pagã e o seu culto é uma maneira que
também corresponde à vontade de Deus”. Não teria havido, por exemplo,
uma França cristã, “a primogénita filha da Igreja”, se são Remígio
tivesse dito a Clóvis, rei dos Francos: “Não deves abandonar tua
religião pagã; podes praticar com a tua religião pagã a religião de
Cristo”. De facto, o santo bispo falou de maneira diferente, ainda que
de forma bastante abrupta: “Adora o que queimaste e queima o que
adoraste!”
A
verdadeira fraternidade universal só pode existir em Cristo, isto é
dizer, entre os baptizados. A glória plena da filiação divina, porém, só
se alcançará na visão bem-aventurada de Deus no céu, como o ensina a
Sagrada Escritura:
“Vede
com que amor nos amou o Pai, ao querer que fôssemos chamados filhos de
Deus. E de facto somo-lo. Por isso, o mundo não nos conhece, porque não O
conheceu. Caríssimos, agora somos de Deus, e ainda não se manifestou o
que havemos de ser. Mas sabemos que, quando Ele se manifestar, seremos
semelhantes a Deus, porquanto O veremos como Ele é” (1 Jo 3, 1-2).
Nenhuma
autoridade na terra – nem sequer a autoridade suprema da Igreja – tem o
direito de dispensar a qualquer seguidor de outra religião da fé
explícita em Jesus Cristo, isto é dizer, da fé no Filho de Deus
encarnado e no único Redentor dos homens, assegurando-lhes que as
diferentes religiões são como tais, desejadas pelo próprio Deus.
Indeléveis – porque escritas com o dedo de Deus e cristalinas no seu
significado – permanecem, no entanto, as palavras do Filho de Deus:
“Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado,
porque não crê no nome do Filho único de Deus” (Jo 3,18).
Esta
verdade foi válida até agora em todas as gerações cristãs e assim
continuará até ao fim dos tempos, independentemente de algumas pessoas
da Igreja do nosso tempo tão instável, covarde, sensacionalista e
conformista, reinterpretarem esta verdade num sentido contrário à sua
formulação óbvia, apresentando assim esta reinterpretação como
continuidade no desenvolvimento da doutrina.
Fora
da fé cristã, isto é, da fé católica, nenhuma outra religião pode ser
um verdadeiro caminho e ser querida por Deus, porque esta é a vontade
explícita de Deus, que todos os homens creiam em seu Filho: “Esta é a
vontade de meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a
vida eterna” (Jo 6,40).
Fora da fé cristã, isto é, da fé católica, nenhuma
outra religião é capaz de transmitir a verdadeira vida sobrenatural:
“Ora, a vida eterna consiste em que conheçam a ti, um só Deus
verdadeiro, e a Jesus Cristo que enviaste” (Jo 17, 3).
+ Athanasius Schneider, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Maria Santíssima em Astana
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