Há duas semanas, o blog Bondings 2.0 relatou o histórico encontro no Vaticano entre o cardeal Pietro Parolin, a mais alta autoridade no Vaticano depois do papa, e um grupo de lideranças dos direitos humanos que urgiam a Santa Sé a condenar publicamente as leis que criminalizam as pessoas LGBT.
Publicamos aqui o relato do encontro escrito pela advogada estadunidense D’Arcy Kemnitz, diretora executiva da Associação dos Advogados LGBT [LGBT Bar Association], a maior e mais reconhecida organização de profissionais jurídicos LGBT nos EUA, que participou do evento.
O relato foi publicado por Bondings 2.0, 23-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Na manhã de 5 de abril de 2019, eu cheguei ao Vaticano para me encontrar com o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado da Santa Sé. Ele é responsável por todos os assuntos de Estado e política do Vaticano. Eu fazia parte de uma delegação da Associação Internacional de Advogados [International Bar Association], delegação que recebeu uma audiência no Vaticano para discutir a descriminalização global da homossexualidade e urgir as lideranças da Igreja Católica a apoiarem ativamente a descriminalização.
Essa delegação jurídica internacional era composta por mais de 50 líderes de dezenas de organizações de todo o mundo e incluía Mark Ellis, diretor executivo da Associação Internacional dos Advogados; a baronesa Helena Kennedy, diretora do Instituto de Direitos Humanos da Associação Internacional dos Advogados; e o honorável Michael Kirby, copresidente do Instituto de Direitos Humanos da Associação Internacional dos Advogados. Tanto a baronesa Kennedy quanto o juiz Kirby
são conhecidos mundialmente pelo seu compromisso com os direitos
humanos. Foi verdadeiramente honroso ser incluída nesse encontro de
altos juristas, ativistas de direitos humanos, advogados, procuradores e
eminentes líderes religiosos.
Como eu fui criada na Igreja Católica, participar de um encontro no Vaticano
sobre o reconhecimento oficial dos direitos da minha comunidade foi
profundamente emocionante. O mero fato de a Igreja ter aceitado esse
encontro e estar comprometida com um diálogo para ajudar a acabar com a
animosidade contra os indivíduos LGBTQ+ demonstra os grandes avanços feitos pela Igreja para apoiar os direitos civis para todas as pessoas.
O nosso encontro foi, ao mesmo tempo, inspirador e produtivo. A baronesa Kennedy fez um discurso particularmente pungente sobre a situação das pessoas LGBTQ+ em todo o mundo e instou o Vaticano e seus representantes a verem o nosso encontro como um início de uma comunicação sobre esse assunto. O relato do juiz Kirby
sobre a sua luta pessoal para conciliar sua orientação sexual com o
direito secular e com uma poderosa fé como o catolicismo me levou às
lágrimas. O cardeal Parolin e seus assistentes prometeram levar essas opiniões diretamente ao próprio Papa Francisco.
Depois do evento, a baronesa, o juiz Kirby e o advogado Leonardo Raznovich
deram uma entrevista coletiva que foi seguida por uma reunião-almoço na
qual todos os estimados indivíduos, incluindo poderosos aliados como o
ex-governador Bill Richardson, do Novo México, entre outros, comprometeram-se a continuar trabalhando contra a criminalização da nossa comunidade.
Como os leitores já sabem, a criminalização da homossexualidade é uma questão premente em todo o mundo e nos Estados Unidos. Setenta países atualmente criminalizam a homossexualidade. Nos Estados Unidos, 12 Estados ainda têm leis antissodomia, mesmo após o lendário caso Lawrence v. Texas (2003), no qual a Suprema Corte dos Estados Unidos constatou um forte interesse pela dignidade das pessoas LGBTQ+ e determinou que as leis de sodomia violam a Cláusula de Igual Proteção da Constituição dos Estados Unidos.
Nos Estados Unidos, as leis de sodomia criminal ou disposições criminais semelhantes ainda estão nos livros no Alabama, Flórida, Idaho, Kansas, Louisiana, Michigan, Mississipi, Carolina do Norte, Oklahoma, Carolina do Sul, Texas e Utah. Essas leis continuam forçando as pessoas LGBTQ+
a viverem suas vidas nas sombras, sob a ameaça de perseguição criminal,
e a relegarem os indivíduos gays ao status de cidadãos de segunda
categoria.
Não é preciso ter muita fé para vincular essas leis secularmente abusivas a crimes de ódio subsequentes e a abusos físicos e mentais criminosos. Nós imploramos à Santa Sé que se posicione contra a criminalização dos indivíduos LGBTQ+.
Os indivíduos LGBTQ+ nunca serão verdadeiramente
iguais – e nunca estarão verdadeiramente seguros – enquanto essas leis
seculares arcaicas e preconceituosas continuarem existindo. A Associação dos Advogados LGBT está empenhada em acabar com a criminalização da homossexualidade nacional e internacionalmente, e insta a Igreja Católica a se juntar a nós – e aos outros representantes e grupos no nosso histórico encontro.
D’Arcy KemnitzAssociação dos Advogados LGBT, 23 de abril de 2019
* * *
Em seu editorial (não disponível online) sobre o histórico encontro, o jornal The Tablet de Londres opinou:
“O Papa Francisco, em sua exortação apostólica Amoris laetitia, há três anos declarou: ‘Desejo, antes de mais nada, reafirmar que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual,
deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito,
procurando evitar qualquer sinal de discriminação injusta e
particularmente toda a forma de agressão e violência’.
“Isso foi muito bem-vindo, mas não foi longe o suficiente. Há muitos países onde a Igreja Católica
tem uma influência significativa que precisa que esse ensinamento seja
explicado do modo mais ambíguo possível. A Igreja precisa declarar que
criminalizar homens e mulheres homossexuais é contrário à sua dignidade
humana e uma grave violação dos seus direitos humanos.”
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